Durante tanto tempo em minha vida
Pensara ser possível nova sorte.
Da estrada em pensamentos percorrida
Mudando num momento, rumo e Norte.
Encaro as tempestades sem guarida
Sem ter uma esperança por suporte.
A mão que me acarinha traz ferida
Aprofundando sempre cada corte.
Nascido nos sertões lá das Gerais,
Em meio aos mais temíveis vendavais,
Nas noites o luar por lampião
Os olhos procurando quem me queira,
Deixando a solidão, velha bandeira
Espero a luz imensa na amplidão...
Meu pai que se perdeu em noite clara,
Deixando a solidão como presente.
Amor que tantas vezes desampara
Durante a vida vaga não se sente.
A boca da saudade é tão amara
Decerto uma esperança se pressente
Na mão que em mil carinhos antepara,
Porém o vento diz do amor ausente.
Sozinha, minha mãe pouco dizia
Do pai que já se foi pra nunca mais
Resíduo de uma imagem, fantasia.
Distante de meus olhos, tantas léguas
Saudade do vazio não dá tréguas
Pesando em minhas costas, dói demais...
As mãos que preparavam armadilhas,
Os olhos espiando numa espreita
Tentando adivinhar caminhos, trilhas
O sonho amenizando enquanto deita
Buscando paraísos, maravilhas,
Nas gretas entre nuvens se deleita.
Cometas entre estrelas andarilhas
A febre da esperança, uma maleita
Queimando os olhos frágeis da criança,
Ausência se tornando uma lembrança
Retrato na gaveta dos meus sonhos.
A boca que hoje beijo traz assim
O cheiro que guardado dentro em mim
Prometia momentos mais risonhos...
O tempo não sossega, nem se doma
A pele se enrugando já retrata
A vida que se perde enquanto soma
A cada novo nó, velhos desata.
Às vezes solidão cria redoma
Que enquanto nos protege, já maltrata
Destino em suas mãos, quando amor toma
Do rio em placidez, tanta cascata...
As palmas calejadas, foice e enxada
Os olhos embotados de poeira
Saudade sem saber de focinheira
Arranca com dentadas mil pedaços,
Do bem que se deseja; feiticeira
Amarra nossos pés em frios aços.
Tentando vislumbrar alguma luz,
Durante a minha infância nada via
Se o sonho em desespero reproduz
O que a vida em cortes me dizia
Ao carregar pesada e dura cruz
A noite prometida sempre fria
Minando nos meus olhos, sangue e pus
Deixando bem distante uma alegria...
Moleque entre correntes e horizontes
Ao perceber ausência de outras pontes
Com asas vai sonhando, ledo, em vão.
Cevando seus abortos, cada grão
Representa o vazio da lavoura
A seca se mostrando duradoura...
Quem vê belas montanhas sob o sol,
Os rios derramando suas águas.
A lua prateando este arrebol
Deitando poesia em suas fráguas,
Bucólica paisagem perpetrando
Imagens divinais, raro pendor.
Beleza sem igual se adivinhando
Convite para a paz, clamando amor.
Sol-pôr entre matizes tão diversos,
Aurora multicor, maravilhosa...
Encantos que irradiam tantos versos
Vislumbre desta cena fabulosa.
Quem cria a fantasia de um castelo,
Não sabe da dureza de um rastelo.
A adolescência chega e traz espantos
Os medos são temíveis companheiros.
Hormônios pululando pelos cantos
Desejos se tornando garimpeiros
Aguardam as respostas que não vêm.
Os dentes cariados, a alma vaga,
Vontade de sentir, mas sem ninguém
Apenas solidão ainda afaga...
Fortuitas alegrias. São bem poucas,
Momentos ilusórios, risos frágeis.
As vozes transmudando, ficam roucas,
Os olhos nos vazios correm ágeis...
Arrimo de família, o que fazer?
À noite, solitário, o meu prazer...
Estrada tão comprida... Longa espera,
A vida sonegando uma esperança
Quem dera conhecesse a primavera,
Porém nem mesmo o sonho dá fiança.
Deixando o meu passado para trás,
Seguindo por caminhos tão distantes
Destino, como amargo capataz
Mentindo, os meus olhares confiantes.
No lombo do cavalo, arreios, selas,
O gado se espalhando pelos pastos,
Em meio a tal cenário, belas telas,
Os ritos da esperança bem mais gastos
Não deixam que se pense em liberdade,
Nem mesmo alguma luz ou claridade...
Seu moço eu tenho tanto pra falar
Dos olhos da saudade, poço fundo.
Depois de tanto tempo procurar
Escute minha voz por um segundo.
Vivendo sempre assim ao Deus-dará,
Sobrando desistências no caminho
O quanto tantas vezes buscará
Um peito solitário, por carinho.
O gado se perdendo nas montanhas,
As horas sobre as selas do cavalo,
Partidas que joguei nunca são ganhas
Do gozo de um amor eu nunca falo,
Sabendo desta sina: ser peão,
Deixando no passado, o coração.
O peito não sossega, a mão se atreve
E busca a liberdade. Mesmo tarde.
Uma alma se sentindo bem mais leve
Tentando prosseguir sem dar alarde
Recebe o vento forte da esperança
E beija as corredeiras deste rio.
Mas quando no chicote, uma aliança,
Futuro se mostrando tão vazio...
A terra tem seus donos, coronéis,
A bala de um revólver faz estragos.
Tocaias preparadas são cruéis
Os sangues espalhados formam lagos.
Destino de jagunço é mesmo assim,
Com sangue vou regando o meu jardim...
Tocaia que se faz em noite clara
É mais um desafeto que se vai
Enquanto o funeral já se prepara
A morte se escondendo não me trai.
Depois de certo tempo, isso é normal.
Um corpo, dez mil corpos, tanto faz
Vingança feita à bala é natural,
Trabalho corriqueiro feito em paz.
A gente se acostuma desde cedo,
Ser matador é minha profissão,
Ofício que também tem seu segredo
Precisa sempre ter dedicação.
Mais difícil cair no sertão chuva
Do que regar com choro de viúva...
Das coxas tão bonitas da morena
Vontade de fazer tanta besteira,
Enquanto este desejo já me acena
A moça se mostrando feiticeira
Parece desejar o que mais quero,
Beber do mesmo gozo em noite imensa.
O amor se verdadeiro e mais sincero
Merece com certeza recompensa.
A filha do patrão, moça prendada
Olhando para mim, jagunço pobre
Vontade sem juízo alvoroçada
Cuidado que se tem que se redobre...
Mas moço que já fora ajuizado
Agora se perdendo, apaixonado...
A lua clareando no sertão
Deixando prateado todo agreste
A moça sem juízo não diz não,
De toda a sedução já se reveste.
Amor contrariando mãe e pai
Jagunço com princesa não dá certo,
Enquanto a noite mansa inda não cai
O vento se espalhando no deserto
Parece me dizer desta loucura,
Porém a juventude não se cala.
Na boca da morena uma ternura
No peito do seu pai, encravo a bala.
O ofício, com certeza, me treinou,
O tiro se bem dado, libertou...
Não tendo mais paragem nesta vida,
Depois de tanta morte, espero a minha
Enquanto se prepara a despedida
O fim da minha estrada se avizinha.
Vagando sem destino, ganho os matos.
Montanhas, descaminhos, onde estou?
As cenas tão iguais, mesmos retratos,
Apenas o deserto me restou...
Quem sabe o que deseja, sempre sonha,
Porém o que fazer se nada sei,
Na seca que tomou Jequitinhonha
Quem come algum calango vira rei.
Qual gado se perdendo em tanta fome,
Minha alma de meu corpo quase some...
Brasil este país forte e gigante
É quase um continente, com certeza,
A fome sertaneja, uma constante
Retrato mais fiel desta pobreza
Que é feita de injustiça e roubalheira,
Nas almas nos Congressos e cidades
Cevando sem limites, bandalheira
Impedem que se creia em liberdades.
Na fuga sem paragem, nada tendo,
A morte se aproxima e toma tento.
Enquanto este vazio se tecendo;
Meu olhar de jagunço sempre atento.
Em plena escuridão, como miragem,
Uma esperança toma esta paisagem...
Um homem que é temente a Deus já sabe
O que parece ser assombração
Bem antes do que a vida em fome acabe
Na mais completa e dura solidão,
Um moço sorridente aproximou
Falando de esperança e de riqueza.
Comida no embornal ele mostrou
Deitando sobre o chão, cabocla mesa.
Promessa me fazia de outros dias
Aonde eu poderia ser feliz
A lua renasceu em fantasias
De um tempo bem mais claro ele já diz.
Falava mansamente, até baixinho,
Trazendo em suas mãos, outro caminho...
Uma esperança agora tem um nome,
Sertão de Jatobá; meu Eldorado.
Nos olhos desta serra, a lua some
Um paraíso em vida abençoado.
A gente vai conforme o que precisa,
Seguindo com bornal bem guarnecido,
Do quanto é necessário, o tempo avisa,
Caminho com certeza decidido.
Vencer tantas montanhas... liberdade...
Saber destas tocaias e perigos
Porém uma esperança quando invade
Deixando para trás medos antigos
Expressa uma alegria sem igual,
Quarando a fantasia no varal...
Sementes espalhadas pelo vento,
Nem sempre de colheita, garantia.
Vivendo sem destino, no relento,
A noite se transforma em pleno dia.
Fugindo do cadáver que plantei,
Prevendo no final, um Xangrilá
Em meio a tantas pedras procurei
Caminho que me leve à Jatobá.
Subindo uma montanha pude ver
Em meio à claridade um lugarejo
Aonde eu pudesse perceber
Descanso, pois é tudo o que eu desejo.
Num sítio bem pertinho da cidade,
Pensava ter achado a liberdade...
A porta quando abrindo mostra a sala
Deixando a claridade entrar inteira
Enquanto na verdade tuda fala
Sorriso da morena mais faceira.
Mulher de coronel, o que me importa?
Vontade sem limites, não sossega,
A fome desejosa quando aporta
Caminha sem juízo, viva e cega.
Depois desta fartura sobre a mesa,
A noite, uma criança sem juízo,
A cama tão macia, sobremesa,
É tudo o que eu mais quero; o que preciso.
Enquanto o coronel, gordo, dormia,
Na cama da visita, uma folia...
A flor mais delicada ganha viço
Nos olhos do faminto aventureiro.
Do sangue tão ardente de um mestiço
O gozo se mostrando por inteiro.
Quem dorme no relento em pedregulhos,
Ao ter cama cheirosa se deleita,
Porém prazer imenso traz barulhos
Tremendo como febre de maleita.
A moça com gemidos e sussurros,
Olhando para o lado, o coronel,
Não vendo mais ninguém, desfere murros
Criando no final este escarcéu.
A bala do jagunço em mira certa
Uma alma desta vida se deserta...
Embora tenha mortes às centenas,
De tanto que cevei a vida afora
Tinha matado bobalhões apenas
Só gente que ninguém, que eu saiba, chora.
Porém, tanta desdita num momento
Depois das armadilhas mais cruéis
Agora com certeza eu me atormento
Matando dois gigantes, coronéis...
Perdido em noite imensa, em desatino,
Deixei aquele sítio, fui em frente,
Correndo num completo desatino,
Escuridão enorme que se enfrente.
Andando algumas léguas, sempre só,
Encontrei o arraial do Tororó....
A sede quando é muita, saiba disso,
Não deixa mais o cabra descansar.
A flor mais delicada ganha viço
Enquanto uma vontade quer matar.
Das águas que busquei nenhum sinal,
Porém uma morena deslumbrante
Com rebolado intenso e sensual
Tomou todo o cenário num instante.
Embora não quisesse ser só minha,
Fingindo que uma vez não fosse nada
Deitando em sua cama, assim sozinha,
A festa foi durante a madrugada.
Pois se no Tororó tal moça achei,
No mesmo Tororó eu a deixei...
Na busca pela Serra, Jatobá,
Deserto sertanejo se agiganta.
O sonho que domina levará
Decerto ao paraíso que me encanta.
Festança tão gostosa, uma ciranda
É dança que se faz a noite inteira,
A lua derramando na varanda,
Perfume de botão de laranjeira...
A boca quer a boca da morena,
Mil juras de um amor que não tem fim,
Enquanto um gozo imenso já se acena
Esqueço pra onde vou e de onde vim.
Porém em falsidade o diamante,
De vidro se quebrou num só instante.
Ao prosseguir a minha caminhada
Encontro uma calçada tão formosa
Em pedras tão bonitas, ladrilhada
Paisagem sem igual, maravilhosa.
Ao lado dessa rua um bosque em flor
Aonde posso ver um divino anjo,
Calado; solitário busca amor,
Porém a vida mostra em triste arranjo
Vazios nos seus olhos, dura sina,
Enquanto ladrilhava em esperança
Buscando ter os sonhos da menina,
O medo num tormento, o pobre alcança.
No bosque que se chama solidão,
Um anjo chora só, sem coração...
Ns terras da ciranda, uma princesa
Sozinha em seu castelo, sonhadora,
Ao vislumbrar decerto esta riqueza
Queria ter alguém consigo agora.
Sabendo do infortúnio de ser rica
Eu sei que ela não quer ficar ali,
Terrível solidão decerto explica
O medo que em seus olhos percebi.
Quem dera se encontrasse o seu amor,
Seria com certeza mais feliz.
Dinheiro mesmo sendo sedutor
Do que ela mais deseja nada diz.
Do reino de Marré, marré, dici
Tristeza sem igual, eu nunca vi...
Havia, no sertão, um coronel
Chamado simplesmente, assim, de Jó.
Que tendo como fama ser cruel
Matava e maltratava sem ter dó.
Os seus escravos, sempre em jogatina,
No Caxangá varavam madrugadas,
A filha deste Jó, bela menina
Cansada das vergastas aplicadas
Fugindo, me encontrou, não disse nada
Apenas caminhando junto a mim,
Tentando percorrer a mesma estrada
Na cama feita em relva, no capim,
Ao se entregar depressa e sem juízo,
Abriu em suas pernas, paraíso...
Saindo deste reino acirandado,
Depois de tantas tramas que encontrei
Olhando calmamente para o lado,
Um rosto conhecido eu vislumbrei.
O moço que eu pensei ser um fantasma,
Sorrindo novamente mostra a face.
Minha alma neste instante fica pasma
Ao ver esse sujeito sem disfarce.
Sentindo a mais terrível fedentina,
Eu pude perceber que estava frito,
Malicioso olhar que me alucina
Deixando o pensamento mais aflito.
Do céu em um momento eu já desabo
O cheiro denuncia este diabo...
A moça que comigo se encontrava,
Bonita e tão faceira, deu um nó,
Minha situação assim se agrava
A filha do danado deste Jó
Numa gargalhada lancinante
Mostrou por sob a saia um longo rabo,
Aquela moreninha deslumbrante
Queria, na verdade era dar cabo
Daquele que se fez amante e amigo,
Ao libertar a moça, perco o céu,
Sem ver qualquer sintoma de perigo,
A filha do safado coronel
Ao aprontar comigo essa falseta
A menina era esposa do capeta!
Depois de ter corrido a noite inteira,
Fugindo do Diabo sorrateiro,
Minha alma sem juízo, aventureira
Encontra um paraíso verdadeiro!
Mulher igual àquela, eu nunca vi,
Beleza sem limite cheira à flor;
Amor que se transforma em colibri
Esquece do passado qualquer dor.
Deitando com vontade de fazer
Aquilo que Deus sabe e nos mandou,
Porém ao encontrar tanto prazer,
Imagem tão faceira transformou.
Bem antes que o desejo se obedeça,
O fogo mostra a mula sem cabeça!
Oi, Marcos
ReplyDeleteSempre leio, com muito prazer, os sonetos que você envia à AVSPE. Eles são lindos, perfeitos em métrica, rima e melodia!
Quanto à minha publicação, não fique triste ou bravo comigo...só repassei as informações que me enviaram.
Com carinho,
Márcia
Parabéns meu caro,
ReplyDeleteachei sem querer seu blog e gostei muito.
Você usa muito bem os versos aprofundados.
A parte que eu mais gostei foi "Distante de meus olhos, tantas léguas
Saudade do vazio não dá tréguas
Pesando em minhas costas, dói demais..."
Parabéns..
Mil Beijos. Ieda de Souza.
Finalmente te reencontrei. Saudades. Abrs Soaroir
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