2101
E o dia com certeza, iluminado
Tramando formas belas, raras, claras
Um sonho que se faz cristalizado
Deidades entre nuvens, vãs, preclaras.
Delírios entre lumes, vaporosos,
Belezas entre tantas, as extremas,
Olhares que se entregam, fabulosos,
Esquecem nas paixões, grilhões, algemas...
Estralas vagam soltas, cristalinas,
Constelares momentos em perfume
Clareando por sobre estas neblinas
Amor imensidade se resume.
Visões inestimáveis mar sereno.
Vagando pelo espaço, ledo e pleno...
2102
Vagando pelo espaço, ledo e pleno
Diáfanas imagens continuam
Volúpia se transforma em bom veneno,
Os olhos entre névoas já flutuam.
Mistérios e delírios, vastidão...
Dispersos infinitos que se tocam,
Amor ao se entregar, diapasão,
Os rios, nossos mares, desembocam...
A poesia em versos multiformes
Esgueira entre as pedras do caminho,
Os dias solitários, vãos, disformes,
Apenas rememoram cada espinho.
Jamais um sentimento atroz e mórbido
Retorna em seu disfarce vil e sórdido...
2103
Retorna em seu disfarce vil e sórdido,
Saudade com seus polens tão funestos.
Não quero mais o riso falso e sórdido
Apenas da ilusão, dormência em gestos.
Nas naves dos meus sonhos, catedrais,
Recônditos diversos que trafego,
Amor vai se afastando deste cais
Negando em minha vida algum apego.
Os astros derramando falsos brilhos,
Diamantes esquecidos nas lapelas,
Os olhos sem destinos, andarilhos,
Dos barcos que sonhei, procuro as velas.
E nada se mostrando em luz cadente
Saudade me tomando, tolamente...
2104
Saudade me tomando, tolamente
Negando as mais sutis delicadezas,
O fim a cada curva se pressente
Etéreas emoções são fortalezas.
Cristais que esparramaste em áureos sonhos
Apenas falsos vidros se tornaram.
Olhares transtornantes e bisonhos,
Eflúvios nauseabundos derramaram.
Aonde eu procurara qualquer graça,
Turbilhões em falsas garatujas
Tomando em seus tentáculos a praça
As sanhas antes flóreas, hoje sujas
Chagásica manhã dor em tropel,
Lembranças desenhando um negro céu...
2105
Lembranças desenhando um negro céu
Legado ao sofrimento não mais creio
Que ainda poderei ter o corcel
Fazendo da esperança algum recreio.
Nevrálgica emoção se desbotando
Amor já sonegando este himeneu
Estrelas fugidias, falso bando,
O céu em brilhos fartos se perdeu.
Quimérica ilusão se quis tesouro,
Fatídica saudade não se aparta,
Das ânsias e desejos frágil ouro
Sem trunfos, desconhece qualquer carta.
O quanto se quisera mais gentil,
O sonho destruindo este perfil...
2106
O sonho destruindo este perfil
Sonega qualquer porto, afunda o barco.
Sorriso que inda estampo de imbecil
Aos poucos no vazio eu desembarco.
Cortejo de fantasmas que inda afague
Aladas fantasias, turbilhão.
Jocosa maravilha, simples blague,
Apenas resultando em negação.
Patranhas da esperança, duro chiste,
Cabalístico sonho tão fortuito
Nos braços da saudade ainda insiste,
Porém a vida esconde em falso intuito
O que o amor em êxtases dizia,
Escorre pelas mãos, hemorragia...
2107
Escorre pelas mãos, hemorragia
Sidéreas ilusões em fatos frágeis
Olhares que talvez em teimosia
Persistem amplidões, mas não são ágeis...
Vestindo uma lembrança solitária
Anéis em jóias falsas decorando,
A mão que se tentara solidária
Aos poucos sem segredos, vai sangrando.
Além do que eu sonhara, nada existe
Somente o riso inerte e tão sarcástico
Na cáustica ilusão caminho triste
Silêncio sepulcral quase monástico.
Orgástica manhã nunca mais veio,
Saudade me tomando, sem receio...
2108
Saudade me tomando, sem receio
Estende uma esperança no varal,
Depois de me perder de novo creio
Guardando minhas cartas pro final.
Não vejo outro remédio, sendo assim,
Remediando eu busco algum engodo,
Embora já perceba ter o fim,
A pedra de meus sonhos traz o lado.
A vida em avidez se repercute
No vago quase nada que me dás.
A voz que em teimosia não se escute
Sonega, no final descanso e paz.
Saudade, velha cena, falsa atriz,
Apenas tão somente, meretriz...
2109
Apenas tão somente, meretriz,
Metastática luz que assim falseia,
O quanto de verdade não me diz
Adentra velozmente em minha veia.
Um ópio entorpecendo os meus sentidos,
A gana de viver se sobrepõe
Olhares e prazeres mal fingidos,
O riso em ironias contrapõe.
Palavras soltas, ventos sem bonança
Estímulos diversos nada dizem.
Apenas nos marasmos da esperança
Os dedos que se querem se deslizem.
Coletando os meus pedaços pelas ruas,
Belezas enlatadas, seminuas...
2110
Belezas enlatadas, seminuas,
Conectam os seus fios, eletrizam.
Enquanto neste palcos não atuas
Estrelas no meu peito aromatizam.
Eu quis o que talvez fosse a verdade,
Porém a gargalhada denuncia.
O tempo transcorrendo, ansiedade
Prenunciando o fim da fantasia.
A boca desprendendo a labareda
Vulcânica mulher se fez canina
Por mais que uma alegria me conceda,
Vontade de viver não determina.
Quem dera se eu bebesse o teu carisma,
Minha alma bar em bar, de noite cisma...
2111
Minha alma bar em bar, de noite cisma
Jamais conseguirei algum espelho,
Olhar que se perdendo neste prisma
Apenas refletindo o que avermelho.
Reveses conhecidos, eremitas,
Palavras sem sentido, gratuidade
Os olhos procurando em velhas criptas
Encontram tão somente a falsidade.
Amor que enternecera já perece
Sem prece sem recado ou oração.
A mão que num pecado se oferece
Tecendo no final a negação
Esfacelada teia onde te vi,
Há tempos, sem remendos me perdi.
2112
Há tempos, sem remendos me perdi
Na colcha de retalhos da esperança;
O que buscara sempre vejo aqui
Rondando minha noite em temperança
Pequinês de minha alma traduzida
Na foto que esquecemos na parede.
Após tentar salvar a minha vida
A morte se anuncia em tanta sede.
Mecânicas diversas, erros tantos,
Amor é sempre um jogo, disso eu sei.
Peão se suicida em desencantos
Tentando proteger rainha e rei.
Na boca da morena insensatez,
No tabuleiro a dama de xadrez...
2113
No tabuleiro a dama de xadrez
Tentando ser rainha, mente a sorte
O quanto eu te desejo e não se fez
Pedaço em descaminho segue a morte.
Calando esta carranca que carrego
Cruzando os oceanos, sem destino.
O amor que deixa todo mundo cego
Sequer as suas rédeas eu domino.
Pária sentimento que em discórdia
Anota meus engodos, traz o nada.
Aonde a vida fora monocórdia
Manhã morrendo assim, abandonada.
Eu quis o teu retrato nada veio,
Sobrando sem perdão, velho receio...
2114
Sobrando sem perdão, velho receio
Despisto cada rastro que eu deixei,
Dizendo na verdade por que veio,
Amor vai destroçando o que cevei.
O pântano que trago dentro da alma
Em calafrios mostra esta ironia.
Apenas o vazio inda me acalma
Tentando traduzir o que eu queria.
Não posso mais seguir cada pegada
Deixada pelo amor, inferno em vida.
O que restou de mim, não me diz nada
Estrela em decadência, distraída.
Terei depois da chuva, o mesmo prado
E o dia com certeza, iluminado.
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