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Minha alma no teu cais não mais perdida,
Encontra ancoradouro que buscara
Durante quase toda a minha vida
Nos braços da mulher que agora ampara.
Revendo tantos erros cometidos
Eu sinto ser possível novo dia.
Momentos em penumbra, desvalidos
Adentram noite afora, poesia.
Pesadelos distantes, dentes, fogo.
Velhos ritos satânicos, terror.
Olhar enunciando o mesmo rogo
Procura em outro encanto recompor
O quanto se perdera da ilusão,
Mudando destes ventos, direção...
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Mudando destes ventos, direção,
Entalhes no meu rosto, cicatrizes.
Ao menos recolhendo a solidão,
Os olhos vagam velhas meretrizes.
Durante a madrugada, a negra lua
Vencida pelas nuvens me angustia.
Cadáveres de amores pela rua
A boca escancarada, podre e fria.
Temíveis pesadelos, rota estrada,
Olhares me observando, desapegos.
A fonte feita em sonho ensangüentada
Rondando minha cama, mil morcegos...
Esquálida presença ainda dança
Trazendo em suas mãos, velha esperança...
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Trazendo em suas mãos, velha esperança,
A moça desdentada me sorri.
Enquanto um infinito não se alcança
Percebo, solitário, eu me perdi.
Carcaças de mim mesmo, o vento leva
Antrazes e vergões adentram a alma
A noite se imergindo em densa treva,
Apenas o vazio ainda acalma.
Um ar fantasmagórico tomando
A cena, promovendo o temporal
Que aos poucos, em loucuras dominando
Gargalha sobre todos. Triunfal...
Incrivelmente eu entronizo o medo
Mortalha a recobrir sela o segredo...
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Mortalha a recobrir sela o segredo
Carregando os espectros dos meus sonhos.
O vento balançando um arvoredo
Em ritos, tramas, gritos mais medonhos
Assisto ao funeral da fantasia
Estendo os meus escombros nas calçadas.
A morte em noite negra quer e guia
Imagens de esperanças destroçadas.
Nós somos o que resta, nada mais.
A carne putrefeita em labaredas,
Resquícios estendidos nos varais
Vagando quais zumbis por alamedas
As almas passeando num zoológico,
Resumos de nós mesmos, necrológico.
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Resumos de nós mesmos, necrológico,
Notícias estampadas no jornal,
O vento da ilusão, demais ilógico
Permite esta resenha em ritual.
Perene sensação do nada ter,
Vestígios esquecidos, esgarçados.
Vagando o tempo inteiro a se perder
Momentos infiéis e desgraçados.
A faca que cortando a carne podre
Derrama tanta linfa pelas ruas,
O vinho da esperança avinagra odre
As bocas que se mordem, morrem cruas.
Ao ter em minhas mãos, carnificina,
Luxúria em mil orgasmos me alucina...
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Luxúria em mil orgasmos me alucina,
Os olhos penetrando nas entranhas,
Cavalgo em liberdade, vento e crina
Por entre vales úmidos, montanhas.
Lambendo todo sal de tua pele,
Suores alagando leito e chão,
Sem ter qualquer pudor que nos atrele
Aos deuses do prazer, invocação.
Gemido, gargalhadas, explosões
Correntes, olhos, bocas, gozos sádicos.
Torrentes transtornando turbilhões,
Distante dos desejos esporádicos
Repetidas vontades enlanguescem,
Os ópios de teu corpo me entorpecem...
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Os ópios de teu corpo me entorpecem,
Em lívidos olhares, gozo insano.
Mecânicas diversas obedecem
Prazer além dos sonhos, sobre-humano.
Arranca a minha pele, unhas e garras,
Vergastas feitas dentes cravam fundo
As mãos, pernas e coxas, como amarras
Rocio que profanas, eu me inundo.
Desejo tripudia e nos algema.
Pecados e juízos sonegados,
Enlouquecidos, nada mais se tema
Ribanceiras, barrancos destroçados.
Nos céus buracos negros e quasares,
No quarto latejares e pulsares...
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No quarto latejares e pulsares
Restando sobre nós águas e flores.
Levitas sobre a cama, sem esgares
Alçando cordilheiras onde fores.
Extremos concebidos num minuto,
O gosto da mortalha não se esvai,
O tempo tantas vezes mais astuto
Enquanto a fantasia nos atrai
Estende em fanatismo o meu querer,
Encontro nos teus braços, o meu fim...
Vontade inevitável de morrer
Adubando com força o teu jardim.
Alucinógenos momentos nossos,
Juntando num orgasmo tais destroços...
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Juntando num orgasmo tais destroços,
Cadáveres que somos; renascidos.
Os olhos comem bocas, rangem ossos
O quanto prosseguimos desvalidos.
Esquálida esperança não diz nada
Apenas restitui um velho gozo
A fantasia; há muito abandonada
Persiste neste sonho sequioso.
Bebendo teus prazeres, um absinto
Vermutes entre coxas entreabertas
No sangue derramado, ora me tinto
As horas preferidas, as incertas.
Assumo cada gota de teu sumo,
Bebendo em teu prazer, caminho e rumo...
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Bebendo em teu prazer, caminho e rumo
Esqueço um pesadelo feito em vida;
O quanto necessito e sempre assumo
Expressa toda a sorte já perdida.
Além do que não posso, não mais temo
Vencido pelos erros e besteiras.
O barco soçobrando vai sem remo
Encontra em tuas pernas as bandeiras.
O nada representa o que me resta,
Mergulho em desespero no teu sexo,
À angústia interminável já se empresta
A vida sem razão, juízo ou nexo.
Desesperadamente eu te procuro,
Rasgando cada céu em treva, escuro...
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Rasgando cada céu em treva, escuro,
Miasmas coletando no caminho,
Da morte que desejo, não depuro
O tempo de viver se esvai sozinho.
A boca em desespero quer bem mais,
Mas nada além do corte e da mordida.,
Revivo a cada sonho um Satanás
Que sempre comandou a nossa vida.
Na lívida figura um vão sorriso,
Os olhos que me lambem são vergastas
Da podre sensação de um paraíso
As mãos de uma esperança outrora castas
Calejadas algemas, riscos tolos,
A seca se derrama nos meus solos....
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A seca se derrama nos meus solos,
Ausência de motivos pra viver.
Cativas ilusões, negando colos,
Misturam agonia com prazer.
Agônica manhã se prenuncia
Fazendo deste sonho, um pesadelo,
A boca que destrói decerto ungia
Rasgando minha pele; frio gelo.
Atrocidade inerte e sem limite
A marca da pantera se entranhando,
Amor no qual nem mesmo se acredite
Aos poucos meus caminhos sonegando.
A par da estupidez de cada verso,
Não vejo outra saída, vou disperso...
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Não vejo outra saída, vou disperso
Românticas palavras? Nunca mais.
Apenas estampado em cada verso
Sorriso destes sonhos marginais.
Irônicas senzalas que eu carrego
Não tendem nem permitem liberdade,
O vento que me leva, sempre cego,
Não alça no final tranqüilidade.
As pernas amputadas, meus segredos,
Olhares entre nuvens, risco farto,
Na queda de esperanças, arvoredos
Adentram quais fantasmas, o meu quarto,
A mansidão que um dia eu concebi,
Há tempos nos teus braços, já perdi...
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Há tempos nos teus braços, já perdi
O rumo. Eu necessito te falar
Do sol que nos teus olhos conheci,
Tomando a paisagem, devagar.
Desejo a cada dia sempre mais,
Sorrisos e palavras benfazejas,
Resumos de promessas magistrais
Trazendo todo o sonho que desejas.
Não vejo mais porque temer a sorte
Se eu tenho; junto a ti, o que eu queria,
Amor quando em amor tem seu suporte
Incide sobre nós tanta alegria.
Sabendo que encontrou clara saída,
Minha alma no teu cais não mais perdida.
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