1933
As mãos que se procuram noite afora,
Ao perceberem as delícias tantas
E tal fartura em que tu sempre encantas
Trazendo o belo cais, onde alma ancora.
Amor quando demais cedo apavora
Ao nos cobrir mostrará frágeis mantas
Enquanto tu derrubas me levantas
Por vezes em falsete a velha escora.
Aquece enquanto esfria um sentimento,
Na calmaria nos trará tormento
E sendo assim, do amor espero tudo.
Mas deixe que essa noite seja nossa,
Da força que envelhece e quer remoça,
Nas tramas deste amor, eu não me iludo...
1934
Nas tramas deste amor, eu não me iludo,
Mas seguirei esse caminho audaz
Que enquanto nos maltrata, satisfaz,
Se necessário, a rota então eu mudo.
O sonho me servindo como escudo
Por vezes não consegue ver a paz,
Teimoso coração se crê capaz
Mergulha insanamente e vai com tudo.
Contudo as curvas mostrarão depressa
Que nem todo pecado se confessa,
A praia traz em ondas sol e sal.
Eu tanto desejei e nada vinha,
A solidão se resta, sendo minha
Faz parte dos traquejos do jogral.
1935
Faz parte dos traquejos do jogral
Esse farsante enredo feito amor.
Nos seus meandros poderei compor
Um feliz ou patético final.
Num trágico momento sou venal,
Porém noutro talvez encantador.
Um velho menestrel, um trovador
Brincando com palavras, bem ou mal.
Por vezes com lirismo, eu já me engano,
Ao mesmo tempo enquanto nego o dano
Lamento a minha sorte em gargalhadas.
Andando sempre assim na corda bamba,
A vida num momento se descamba
Trazendo as ilusões já derrotadas...
1936
Trazendo as ilusões já derrotadas,
Metade do que fui não mais terei.
Corsário de mim mesmo, eu não verei
As ilhas tantas vezes procuradas.
Falsário coração de mãos atadas
Um dia vai cativo noutro rei
Quem sabe em outro tempo encontrarei
Ao fim do entardecer, novas estradas.
Tampouco posso crer nestas mentiras
Que às vezes por capricho tu me atiras
Falando da paixão que desconheces.
Tentando seguir sóbrio, eu me inebrio,
Às vésperas do sol, sentindo frio
Minha alma oferecida nas quermesses...
1937
Minha alma oferecida nas quermesses
Vendida a qualquer preço num leilão,
Em lances duvidosos da paixão,
Nem sabe quanto ou quando me ofereces.
Às vezes me escondendo atrás de preces
Dispara no meu peito um carrilhão,
No fundo sempre a mesma negação
Eu sei que no verão já não me aqueces.
Verdade acondoplásica se torna
Quando tu mentes sobre a vida morna
Que adorna cada passo sonegado.
Participando sempre deste engodo,
Buscando o meu retrato então me açodo
Bebendo os erros todos do passado.
1938
Bebendo os erros todos do passado
Serei capaz talvez de refazer
O que busquei em vão já me faz crer
Que o dia não será iluminado.
Matando o que pensara estar errado
Também deixei de lado o meu prazer.
No barco, o meu naufrágio passo a ver
Na tempestade seguirei calado.
Coragem que se faz tão necessária
Metáforas em vida temerária
Macabra decisão de prosseguir.
Vingança do que tive no porvir
Prevendo o que virá; fardo cruel
Das nuvens escondendo o que há no céu...
1939
Das nuvens escondendo o que há no céu
A chuva com certeza limpará,
A vida desse jeito mostrará
Uma emoção que é feita em carrossel.
O barco na verdade é de papel,
Tropeço em cada passo desde já
O quanto amanhecer sonegará
Está detrás da vida, negro véu...
Mas se cabe ou se não cabe uma esperança
Não posso prometer outra aliança
Se a vida não trouxer um lenitivo.
Enquanto sigo meu caminho torto
Amor vai prometendo algum aborto,
Teimoso, ainda insisto e sobrevivo...
1940
Teimoso, ainda insisto e sobrevivo
Depois desta abordagem da tristeza.
Vencer sem ter temores, correnteza
Talvez inda demonstre um ser cativo.
Do quanto é necessário, eu mesmo privo
E vejo o quão difícil é ser presa.
Amor que com firmeza já se preza
Não deve ser jamais, assim, altivo.
A vida traz em si tantas barganhas,
Encontro nos seus vales tais montanhas
Às vezes cordilheiras. O que faço?
Se nada do que eu quis te impressiona
Apenas esperança ainda abona
Deixando bem distante qualquer traço...
1941
Deixando bem distante qualquer traço,
Prossigo em teimosia e não descanso.
Se eu tento e muitas vezes, sigo manso
Não quero me esquecer do teu abraço.
Apenas sobrevivo no mormaço
Que tanto tempo mostra o velho ranço
Nos olhos da morena um embaraço
Os braços de quem quero eu não alcanço.
Melódica ternura? De onde vens?
Se nada do que tive diz de bens
À parte vou seguindo sem sossego.
Amar é traduzir qualquer sufoco,
A casa necessita de reboco
Nas luzes que sonegas, eu me cego...
1942
Nas luzes que sonegas, eu me cego.
Sentindo um calafrio inexplicável
Amor um velho tema interminável
Nas ondas deste sonho inda navego.
Embora na verdade sem apego
O tempo de viver sendo esgotável
Eu quero o desencanto imaginável
Ferindo minhas mãos, amável prego.
Menina que se fez em poesia,
A Diva que eu desejo e nunca veio.
A transparência mostra em cada seio
Promessa do que eu quis, e não sabia
Que não podia ser somente minha.
A noite deslumbrante? Nunca vinha...
1943
A noite deslumbrante nunca vinha
Deixando os meus retalhos no caminho.
Não quero que minha alma vá sozinha.
Que faço se perdi meu velho ninho.
Nas mãos de um sertanejo, lua e pinho,
Enquanto uma emoção já se avizinha
Depois da lida feita enxada, ancinho,
Distância se entalando como espinha.
Televisão a cabo acaba tendo
Macabra dimensão para quem sonha.
Realidade chega tão medonha
Aos poucos meu amor se corroendo
Só deixa uma saudade do que fomos,
Das frutas do desejo? Nem os gomos...
1944
Das frutas do desejo nem os gomos
Tocaram esta vontade mais voraz.
A boca que se quer ser tão audaz
Demonstra o que em verdade ainda somos.
Os versos que na cama nós compomos
Moldando uma alegria que nos traz
O vento que se fez em pura paz,
Jamais sonegará o que nós fomos.
Malabarismos tantos! Noite plena...
Menina a tua boca me envenena
Trazendo na saliva, maravilhas...
Agora que outro dia renasceu,
Amor que foi demais; apodreceu
Prefiro trafegar em outras trilhas...
1945
Prefiro trafegar em outras trilhas
Depois da capotagem; o que resta?
Amor foi na verdade simples festa
As dores ressurgiram em matilhas.
Percebo que não somos simples ilhas
O quanto se deseja é o que nos gesta.
Desmatamento atroz nesta floresta
O barco abalroado em suas quilhas.
Matando o que sobrou de sentimento,
Não vejo na esperança algum ungüento
Tormento de nós mesmos se gerando.
Melancolia é sombra do que flui.
Vivendo o que não pude e o que não fui
Espero amanhecer em fogo brando...
1946
Espero amanhecer em fogo brando
Não vejo outra saída. Sigo em frente.
O beijo que se fora tão ardente
Agora aos poucos sinto se esfriando.
As ilusões partiram noutro bando,
Minha alma se tornando mais descrente
É necessário um sonho em que se invente
Além do coração em contrabando.
Baladas não me dizem quase nada
Senão esta partida anunciada
Mudando todo o curso desde agora.
Não tendo mais teu corpo junto a mim,
Procuro inutilmente de onde vim
As mãos que se procuram noite afora.
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