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Friday, October 6, 2006

29 de setembro e 1 de outubro

Cretáceo
Amor gigante cetáceo,
Detém meus olhos tristonhos.
Meu caminho, duro, ocráceo,
Derivado dos meus sonhos.

O teu rosto assim rosáceo,
Nas bocas dentes medonhos,
Um leve tom azuláceo...
Tantos dias enfadonhos...

Amor gigante balela
Baleia que não encalha,
Meu amor, maris stella,

Maristela foi navalha...
Qual calabar, virei presa,
No repasto desta mesa!

Flamenca
Foste esculpida em Carrara.
Estátua de maior brilho.
Teu mármore, pedra rara,
Decora todo esse trilho...

Quem me foi bela, foi cara,
Em teus olhos maravilho...
A vida não antepara
Prepara meu estribilho!

Quero-te flamenca dança
Na guitarra que solei
Nas mãos a breve criança...

Nos caminhos que criei.
Não te tiro da lembrança
Rainha aonde fui rei!

Oitavas?
Nas oitavas sertanejas
Vida levou de reboque
As minhas mãos não desejas
Nem talvez o meu bodoque

As luas vêm, azulejas
Não me transforme esse enfoque
As bocas que não me beijas
Viraram ponta de estoque...

Não peço perdão nenhum,
Nem me faço de rogado,
Amores são qualquer um

Não vou te deixar de lado...
Esse erro eu nunca cometo.
O que fiz? Virou soneto!


Hortênsias
Quixotescos meus delírios
Desfraldo tantas bandeiras
Nos campos já colhi lírios
Abri do peito as porteiras...

Longe do que sei, empírico,
Procuro por teu fantasma
Amor que pretendo lírico
Asfixia qual fora asma...

Não sei sobras e cascalhos,
Nem alhos foram bugalhos.
Antevejo teu senão.

Hortênsias no meu jardim...
Não me deixaste pendão,
Caminho, sigo pro fim...


Escravo
“Aqui jaz quem não jazera
Se jazessse a medicina”
Tanto amor que não nascera
Se não fosse essa menina.

Na pele branca de cera
Tanta coisa descortina.
Procurei a vida inteira
Essa beleza assassina...

Foste brilho das estrelas,
Vives solta neste céu
Onde posso recebê-las?

Quero tirar o teu véu...
De tal brilho virei presa.
Escravo dessa beleza!


Rastros
Rastros de sangue no chão...
Prenúncios de barcos, cais...
Preparaste este verão,
Procurei amor e paz.

As postas do coração
Expostas foram capaz
De me sangrar o perdão
Me naufragar nos corais...

Rastros de sangue me levam
Aos restos de minha amada...
Os olhos tristes me enervam,

Tua carne ensangüentada
Minha dor nunca se aplaca,
Nem na ponta dessa faca!


Ninfas
Belas ninfas se banhando
Libélulas a voar
As ninfeáceas moldando
Neste lago especular...

Nenúfares vão brotando,
Uma beleza a vagar...
Opiáceos delirando
Um belo encanto, cantar...

Nas cores desta lagoa,
A vida refaz santidade...
Minha esperança é riqueza

Nas asas da borboleta,
Banhada na claridade
Grávida de tal beleza...


Trouxeste tanta ternura...
Trouxeste tanta ternura...
Te busquei a vida inteira.
Foste um poço de candura,
Minha estrela derradeira.

Em tua voz tal brandura
Teus olhos tua bandeira.
Teu viver, minha procura.
No teu caminho, ribeira...

Trouxeste calor noturno.
Beleza igual a Saturno!
Apascentas minha dor,

Revigoras os meus dias...
Trouxeste profundo amor..
Nunca mais noites vazias!!!


Horas passando...
Horas passando... São breves
Os meus cantos de esperança...
Quem soubera plumas leves,
Nos meus braços não descansa...

Te peço: nunca me leves
Com teus olhos de criança.
Minhas lágrimas são neves,
A chuva molhando mansa...

Me deste tal fantasia
Que nunca mais me esqueci.
Navego na poesia...

Vejo: nunca estás aqui!
Jornadas da solidão,
Jorrando meu coração!


Resquícios
Farsante caminheiro nega o passo...
Os trapos que vesti já não me cabem!
As cordas do silêncio, meu compasso.
As hordas truculentas nada sabem.

Respeito teu carinho e teu cansaço.
Não quero essas montanhas que desabem
Sobre os restos mortais onde me esparso...
Pergunto muitas vezes, não sei quem!

Farsante companheiro me roubaste!
Bastardas tais sangrias não se curam...
As fardas esquecidas, velho traste,

Nas ruas estouvadas já se calam.
Carícias mais audazes se procuram
As balas meretrizes não me embalam...


Non Sense II
Auréolas vorazes me devoram...
Nas sacras escrituras são falsárias.
As pétalas felizes me decoram
Nas ilhas que fugi, velhas Canárias

Os bares que embarquei frágeis defloram
As luas que portei de formas várias
Delírios que sorvi, tão cedo auguram...
Nas lutas que ganhei podres sectárias

Arresto e capuccino são meus cordéis
As marcas que deixei são menestréis
A vida que passei, vem de viés

Não sei por que cortei, as mãos e pés.
Nas horas que sorteio peço dez...
Nos navios vou lavando os teus convés!


A Minha Sina capítulos 1 a 11
Cordel - A minha sina - capítulo 1 - O coronel e o doutor

Vou curvando minha vida,
Nas capotadas da sorte,
Perdoando até a morte,
Que sei que traz despedida.
Minha sina, minha vida,
Carrega tanta certeza,
De fundear a tristeza,
De trazer pano pra manga,
A morte, minha capanga,
Flutua desta leveza.

Fiz parto de sucuri,
Namorei onça pintada,
Minha sorte não foi nada.
Carreguei o que perdi,
Travei luta e não venci.
Deu empate nessa joça.
Fiz uma nova palhoça
Para morar com você;
Queria lhe conhecer,
Plantei uma nova roça.

Você foi minha quimera,
Não conheci sua manha,
Minha lida foi tamanha,
Dentro da minha tapera,
O sal da vida tempera.
Plantei feijão, plantei milho,
Plantei, em você, um filho.
Fiz da lenha essa fogueira,
Minha velha companheira,
Só tem cano e tem gatilho.

As armas da solidão,
São as mesmas que disparo,
Com meu amor, eu deparo,
Nas rotas do meu sertão,
Bebo o sim, conheço o não.
Vadiando sem parar,
Sem ter nem onde chegar,
Sou um passo da saudade,
Vou mesmo sem ter vontade,
No sertão virando mar...

Cravo dente na maçã,
Da cara de quem me escarra,
Tenho dentes tenho garra,
A vida segue mal sã.
Tem tempero d’ hortelã...
Nas enchentes da ribeira,
Desabou a barranceira,
E cobriu casa e estradão,
Nada restando, senão
Uma cama e uma esteira...

Nas ligas dessa fornalha,
As plagas se confundiram,
Vieram e se fundiram
Numa ponta de navalha,
Nessa dor bem mais canalha.
No medo da poesia,
Fiz a minha moradia,
Nos altos desse penedo,
Mas a chuva meteu medo,
Só restou melancolia...

Coronel Antonio Bento,
Cabra muito descarado,
Só matou pobre coitado,
Sempre a gosto e a contento,
Nem precisa juramento...
Pois mesmo de safadeza,
Carregado na pobreza,
Matou sem pedir licença.
Matou mais que a doença,
Por causa de miudeza.

Deu três tiros em criança,
Comeu ovo de valente,
Matou cabra já doente,
Se não me falta a lembrança,
Matou até esperança...
Sem dar chance de defesa,
Foi o rei da malvadeza,
Não perdoa nem defunto,
Quando a morte é o assunto,
Coronel é realeza...

Pois bem, meu companheiro,
Conto sem titubear,
Pela luz desse luar,
Juro pelo mundo inteiro,
Que no dois de fevereiro,
No sertão da Muriçoca,
Coronel virou paçoca,
Nas mãos desse matador,
Contratado por Doutor,
Lá da serra da Minhoca...

Doutor lá da medicina,
Homem muito conhecido,
Famoso por ser sabido,
Que conhecendo Marina,
Pelo amor, mal assistido,
Quis levar ela pro céu,
Nessa vida assim, ao léu,
Nos colos dessa montanha,
Conheceu a dor tamanha,
Na filha do Coronel...

De emboscada, na tocaia,
Foram três tiros com fé,
Dois na cabeça e um no pé,
Estribuchou qual lacraia,
Bem antes que o mundo caia,
Escapou por um milagre,
Mas a vida pro vinagre,
Ficou quase sem andar,
Agora deu de sonhar,
-Vou pescar aquele bagre...

Lá na capital mineira,
Escondido na grandeza
Da cidade, na certeza,
De que numa vez primeira,
Preparava uma rasteira,
Para o Coronel safado,
Mundo gira, tá girado,
Tempo passa sem parar,
Não perde por esperar,
Já tá tudo combinado...

Passa mês, passa dois, três,
Passa um ano sem notícia,
A vida naquela delícia,
Coronel matando rês,
Volta e meia, outro freguês.
Tudo em paz, na paz da morte,
Quem tiver pouco de sorte,
Escapa da covardia,
Vê nascer mais outro dia,
Sabe que é gado de corte...

Numa ponta de fuzil,
Na bala bem atirada,
Vida não valendo nada,
Coração batendo vil,
Nessas terras do Brasil.
A morte por encomenda,
A solidão vira tenda,
Vai cortando esse caminho,
Cabra andando tão sozinho,
É, da morte, compra ou venda...

Acontece que, Marina,
Moça bonita e safada,
Me pegou só, de empreitada,
Pela luz que me ilumina,
Foi a minha triste sina...
A moça bem sem vergonha,
Me deitou mesmo sem fronha,
Num travesseiro de terra,
Lá bem n’alto dessa serra,
Que prazer e dor medonha!

As pernas da moça prendiam,
Eram como um alicate,
Prontas para esse arremate,
Davam prazer e ardiam,
Depois, de novo, fugiam...
Madrugadas com Marina,
No mato, bem de surdina,
Dos grilos, de companhia,
Mordia, depois gemia,
Marina, doce menina...

Sabendo que essa querência
Era coisa do diabo,
Pisando em Satã, no rabo,
Imaginei qual valência
De morrer sem clemência...
Mas a vida tem seu jeito,
De fazer desse mal feito,
Uma nova circunstância,
Mesmo tendo na distância,
Essa dor que dói no peito...

Quis a vida, no seu bote,
Trazer minha solução,
Sem ter mesmo precisão,
De sangrar o seu cangote,
Nem viver desse rebote,
Tive a sanha mais querida,
De salvar a minha vida,
No meio desse pagode,
Matar esse velho bode,
Era a minha despedida.

Acontece que o doutor,
Sabendo da valentia
Que meu nome já dizia,
Entre os cabras de valor,
Escolheu, pra matador,
Dentre os homens do quartel,
Que sangrasse o Coronel,
Esse que aqui vos fala,
Me deu rifle, me deu bala,
Pra mandar ele pro céu...

Fiz que não queria tento,
Pois já conhecia a fama,
De deitar gente na lama,
De não ter um pensamento,
De saber que esse jumento,
Era a mais terrível fera,
Que riscava até cratera,
Nas pontas do cravinote,
Era preparar o bote
Que a morte sempre se gera.

Cobrei desse Satanás,
Pra fazer esse serviço,
Que eu mesmo já cobiço,
Quase vinte mil reais,
Se pedisse, dava mais...
Da raiva que ele mantinha,
Da tristeza que ele tinha,
De não poder mais andar,
Da querência de vingar,
As balas que ele retinha...

Numa noite sem ter lua,
Me preparei para a caça,
Com uns goles de cachaça,
Me dirigi para a rua,
Onde o medo não atua,
Onde a saudade não vinga,
Eu tomei mais uma pinga,
Prá coragem não fugir,
Na certeza de engrupir,
Os quatro ou cinco safados,
Que, pau desses bem mandados,
Dali não iam sair...

Acontece que, chegando,
Na casa do celerado,
Olhando assim, bem de lado,
Eu fui logo reparando,
Nesses olhos que, m’olhando,
Diziam pois sem dizer,
Que bem queriam me ter,
Da forma que sempre teve,
Na cama que me conteve,
Do jeito que fosse ser...

Marina, bem safadinha,
Camisola transparente,
Dizendo ser eu parente,
Do mesmo saco, farinha,
Me fez de galo, a galinha.
Colocou dentro de casa,
A fogueira e toda a brasa,
Que queriam tanto arder,
Era matar ou morrer,
A vingança não se atrasa...

Fiz da sorte, o sortilégio,
A vida foi na maçada,
Sangrou até na calçada,
A morte sei do colégio,
Matar foi meu privilégio.
Sei de tanta valentia,
Que não viu raiar o dia,
Sangrada no coração,
Não deixou sequer razão,
Nem a sorte que queria...


Cordel - A minha sina - capítulo 2 - Jacinta
Marina, minha menina,
Safada como ela só;
Na minha vida deu nó.
Depois da mão assassina,
Continuei minha sina;
Em busca do meu caminho,
Mas dei tempo, fiz um ninho;
Com Marina fui morar,
Tanto prazer para dar,
Por que vou ficar sozinho?

O doutor nem me pagou,
Nem precisava pagar;
Marina foi no lugar,
Foi tudo que me restou;
E, de novo, aqui estou...
Na cama dessa pequena,
Que faz bico e que faz cena;
Pronta para me engrupir,
Bastava só me pedir,
Rezava até em novena...

Mas, num dia de tristeza,
Por causa de romaria,
Cismou de ir com Maria;
Filha da dona Tereza,
Que fez voto de pobreza;
Duma forma diferente,
Dando pra todo vivente,
O que Deus lhe deu com fé,
Ia a cavalo ,ia a pé;
Toda noite um diferente...

Juntando pólvora e fogo,
O troço todo fedeu;
Marina, então se esqueceu,
E mesmo com todo rogo,
Fugiu com um tal Diogo;
Sem deixar rastro e sinal,
Juntei então no bornal,
E pra outras cercanias,
Em busca das valentias,
Recomecei meu jornal...

Nessas estradas mineiras,
Sem ter medo mais nada;
Na serra ou noutra baixada,
Fiz das rimas verdadeiras,
As ramas foram esteiras,
Onde dormi sem ter medo.
Desse meu novo degredo,
Exilado sem ter casa,
Meu peito ardendo na brasa,
Na solidão, meu segredo...

No bornal levo cachaça,
Três pistolas carregadas,
Luares e madrugadas,
Que é coisa que dá mais graça,
Cigarro prá ter fumaça;
Um monte de valentia,
Um novo romper do dia,
Quatro mortes nas “costa”
Três foram de pau de bosta,
Que nem pra bosta servia...

Num canto desse cerrado,
Onde vi onça pintada,
Pelas ribeiras, jogada,
Tudo me foi preparado
Encoivarei um roçado,
Das coisas que sei plantar,
Quiseram me contratar,
Pra fazer mais três “defunto”,
Que, pra terra de pé junto,
Era fácil de levar...

O serviço foi moleza,
Eles morreram no susto,
Tavam atrás dum arbusto,
Se borraram na certeza,
Nem me causaram grandeza.
Servicinho mais vulgar,
Mas deu pra comemorar,
A filha dum tal meeiro,
Nunca vi, no mundo inteiro,
Uma beleza sem par...

Jacinta, a moça chamava,
Tinha um rosto mais perfeito,
Tudo que tinha direito,
A moça tinha e sobrava,
Mas eu nunca imaginava
O que tinha diferente,
Pois se toda aquela gente,
Ninguém me contava nada,
Por que estava, ali, jogada,
Uma moça, assim, ardente...

Sem querer saber por que,
Não me importava a peleja,
Pois quando um homem deseja,
Nada pode convencer,
Não há do que se temer,
Nem há o que perguntar,
É só correr e pegar,
Pois, na vida o que é do home,
Nenhum bicho vai e come,
Nem preciso comentar...

Pois bem, essa tal Jacinta,
Tinha a beleza da flor,
Nem conhecera o amor,
Não procurou fazer finta,
Fui pintando, tanta tinta,
Sem licença pra pedir,
Chegando, fui conferir,
A moça bem de pertinho,
No seu colo fiz um ninho,
O seu cheiro quis sentir...

A moça ficou só no beijo
Não aceitou meu carinho,
Que, mesmo indo de mansinho,
Acendendo seu desejo,
Me deixou só no cortejo,
Fechando as pernas pra mim,
Pensei logo ser assim,
O jeito dessa donzela,
Que depois, numa esparrela,
Ia tintim por tintim...

Depois de tanto alvoroço,
Sem dar ouvido a ninguém,
Que quando a gente quer bem,
Angu não tem nem caroço,
A gente mergulha no poço,
Sem saber profundidade,
Nem pergunta da maldade,
Nem quer saber de mais nada,
A moça, perna fechada,
Parecia santidade...

Mas, depois de três semanas,
De tanto rala e não abre,
Mostrei a ponta do sabre,
Os olhinhos mais sacanas,
Que engana mas não me enganas;
Jacinta não resistiu,
De beijos, então cobriu,
Fez que teve uma vertigem,
Surpresa: não era virgem,
Onde entra um entra mil...

Quis saber dessa safada,
Por que foi que me fechou
Porteira por onde entrou,
Um boi, talvez a boiada,
Ela então, desesperada,
Me disse bem deslambida,
Que nunca na sua vida,
Ela poderia ter,
Um outro amor pra viver,
Sua sorte era perdida...

Me contou: quando menina,
Com doze anos de fato,
Deitada nesse regato,
Que a lua mais ilumina,
Nessa água tão cristalina,
Foi, um dia, se banhar,
Mas não podia esperar,
Que toda nua, e bonita,
O coração que s’agita
Nunca iria imaginar...

Na margem daquele rio,
Um moço que lá chegava,
Belo cavalo montava,
Um príncipe em pleno cio,
Enchente em tempo de estio,
Não conseguiu resistir,
A boca então quis abrir,
Num solavanco com força
Ali, acabou-se a moça,
Se deixando possuir...

Acontece, não sabia,
Que esse príncipe fajuto,
Era o safado dum bruto,
Que não tinha serventia,
A não ser na sacristia,
Que tristeza dessa sina,
Quando tirou a batina,
O padre por pilantragem,
Fez tremenda sacanagem
Com essa pobre menina...

Saiu correndo depressa
Mal completou o contado;
Eu fiquei descompassado,
Com toda aquela conversa,
A quem quer que isso interessa,
Vou contar bem devagar,
Nessa noite de luar,
Vendo de novo essa cena,
Ouvi de longe a pequena,
Num lamento, relinchar!

Sai correndo ligeiro,
Deixei tudo de empreitada,
E, naquela madrugada,
Naquele triste janeiro,
Perto daquele ribeiro,
Antes que a terra me engula,
Só falar, coração pula,
Te juro e falo verdade,
É pura realidade:
Eu tinha comido a mula!


Cordel - A minha sina - capítulo 3 - Virgulino
Minha vida vai depressa,
Nas matas desse grotão,
Onde bate coração,
Vida fazendo remessa,
Vou passando sem ter pressa,
Buscando um novo cantar,
Procurando por lugar
Onde possa ter certeza,
Que não tenha mais tristeza,
Nem do que me admirar...

Depois dessa confusão
Com Jacinta e sua laia,
Não quis saber de gandaia,
Muito menos procissão,
Procurando um novo chão,
Bicho de saia, tô fora,
Pelo menos por agora,
Nem que peça a condessa,
Até mula sem cabeça.
Encontrei por mundo afora...

Cheguei nas terras do Juca,
Pelos matos da Terena,
Naquela serra pequena,
Alma da gente cutuca,
Vivendo dessa arapuca,
Não posso dela fugir,
Vou morrendo sem sentir,
Cheiro de terra molhada,
Pelo sangue, temperada,
Brotando sem se pedir...

Pois te conto seu doutor,
Não podendo ficar quieto,
Peguei caminho mais reto,
Todo cabra de valor,
Debaixo do sangrador,
De sujeito mais safado,
Abriu desde seu costado,
Descendo o pau mete ripa,
Revirando então as “tripa”,
Deixando bem perfurado...

Empreitada como aquela,
Nunca mais eu vou saber,
Era coisa pra querer,
Sem pensar direito nela,
Por conta duma costela,
Que um sujeito me quebrou,
Mas deu o fora, vazou,
Nem notícias nem recado,
Correu pelo descampado,
Nem rastro dele ficou...

Esse maldito chulé
Dera de contar vantagem,
Isso é muita sacanagem,
Não vou deixar isso a pé,
Nem que fique tereré,
Não vou fazer de rogado,
Eu pego esse desgraçado.
Eu vou tirar isso a limpo,
Soube que está num garimpo,
Vou matar esse viado...

Peguei a minha mochila,
Despenquei, fui para lá,
Tem gente falou não vá,
Mas tem defunto na fila,
Fui correndo pr’essa vila,
Eu nem pensei duas vezes,
Quero a cabeça do sapo,
Arranco logo no papo,
Que é assim que matam reses...

No garimpo lá no Norte,
Procurei por toda parte,
Não pedindo nem aparte,
Estava com gosto de morte,
Apostei na minha sorte,
Pro garimpo fui correndo,
Mal o sol ia nascendo,
Eu nem esperei brotar,
Querendo depressa chegar,
Vingança assim, vou vivendo...
Chegando no mafuá,
Encontrei cabra valente,
Ouro tinha até no dente,
Tanta gente tinha lá
De todo jeito que dá;
Tinha velho desdentado,
Tinha cabra magoado,
Por causa duma mulher,
Todo jeito que quiser,
Muito pudim de cachaça,
Tem sujeito boa praça,
A desgraça que vier...

Perguntei pra todo mundo,
Onde estava o desafeto,
Que por certo, tava perto,
Ele chamava Raimundo,
Era um cabra vagabundo,
Tinha cicatriz na cara,
Bigode tinha na apara,
Uma cara de paçoca,
Uma cor de tapioca,
Ia sangrar numa vara...

Me pediram com cuidado,
Muita vagareza e tino,
Pois ele tinha o destino,
E o corpo tava fechado,
Que por mais que fosse errado,
Com ele ninguém bulia,
Era o rei da valentia,
Sujeito muito covarde,
Que antes que a noite tarde,
Matava mesmo de dia...

Camarada sem tempero
Senhor dessas taperas,
Maior fera entre essas feras,
Temido por companheiro
Rei dum reinado inteiro,
O maior dos assassinos,
Herói de todos meninos,
O superhomem de lá
Nó em jararaca dá,
Dobrava todos os sinos...

Sem ter medo de valente,
Cara feia e assombração,
Matador desse sertão,
Pensei dum modo decente
De levar esse vivente
Pra casa de Satanás,
Dei dois passos para trás,
Chamei esse tal Raimundo,
Que era fedorento e imundo,
Que só morte satisfaz...

Na hora do desafio,
Ele me reconheceu,
E sabendo quem sou eu,
Chamou espada no fio,
Convidando mais um trio,
Prá “mode” poder brigar,
Gostei do desafiar,
Quatro sujeito é demais,
Mesmo assim eu quero mais,
Nunca vou me acorvadar...

Porém com o sangue quente,
A gente não pensa, demora.
Eu nem pensei, nessa hora,
Que tinha lá muita gente,
Que era melhor, de repente
Esconder e tocaiar,
Podia escolher lugar
Pra pegar esse safado,
Mas deixei tudo de lado,
E com ele fui lutar...

Depois de já ter furado,
Um dos cabras de Raimundo
Uma faca entrou bem fundo ,
Me machucou desse lado,
Agora eu já tô ferrado,
Chegou a hora da morte,
Acabou a minha sorte,
Minha sina terminou,
Pensei que tudo acabou;
Mas meu Deus tem muito porte...

Na hora que eu precisava,
De uma ajuda de meu Deus,
Surgiu um cabra dos meus,
Que eu nunca que imaginava
Que esse camarada tava,
Endiabrado, esse dia,
E no mei da ventania,
Sacou de sua peixeira,
Na porrada fez fileira,
Fez à sua serventia...

Esse sujeito do Norte,
Parecia mais menino,
Chamado de Virgulino,
Não temia dor nem morte,
Para culminar a sorte,
O moço meio zarolho
Era cego só dum olho,
Mas enxergava por dois,
Numa conversa depois,
Temperou com muito molho...

Contou que era garimpeiro,
Veio de Serra Talhada,
Corria na vaquejada,
Percorreu sertão inteiro,
E que desde fevereiro,
Nesse garimpo chegara,
Que cedinho já notara,
Naquele tal de Raimundo,
Um sujeito vagabundo,
Que esse dia preparara...

Força de eu ter conhecido,
Pros lado de Pernambuco,
Um cabra bom de trabuco,
E muito do divertido,
Resolvi por mais sentido,
Nessa nossa ladainha,
Perguntei nessa tardinha,
De quem ele era parente,
Fiquei quieto de repente,
Com a resposta que tinha...

Contou-me, pra susto meu,
Que era neto de Zefinha,
Moça dessas bonitinha,
Que no passado viveu,
Que de perto conheceu,
Com muito beijo e abraço,
Moça pegada no laço,
Nas terras desse sertão,
Que teve com Lampião,
O rei de todo cangaço,

Um moleque bem criado,
Um sujeito musculoso,
Cabra muito perigoso,
Campeão de todo o gado,
Esse peão afamado,
O rei de todo sertão,
Era cara e coração
Do pai, sujeito valente,
Compreendi, bem de repente,
Que o neto de Lampião

Era o tal de Virgulino,
Que lutou junto comigo,
Sem temer nenhum perigo,
Sem ter medo do destino
Que com todo desatino,
Ajudou a terminar
Com quem quis me machucar,
Me pegar na covardia,
Mas com toda valentia,
Me ajudou comemorar...

E desde aquele incidente,
Agora não tem jeito não,
Quando vamos no sertão
Ninguém bole com a gente,
Nem na faca ou no repente,
Quem queira corre perigo
Mexeu com ele ou comigo,
Na ponta duma peixeira,
Arrepende a vida inteira,
Depressa vem o castigo...


Cordel - A minha sina - capítulo 4 - No dia em que o Diabo criou chifre
Depois de ter conhecido,
O neto de Lampião,
Lenda viva do sertão,
E tendo me convencido
Que nada mais é perdido;
Fiz pro moço, uma proposta,
Coisa de gente que gosta,
Ir pelo sertão afora,
Sem ter dia mês e hora;
Mas partiu, nem deu resposta...

Sozinho pelas estradas,
No meio de tanta areia,
Procurando pela teia,
Seguindo novas pegadas,
Esperando outras jornadas.
Homem valente de fato,
Encontrei uns três ou quatro,
Mas não queria de sócio
A vida precisa d’ócio,
Pescando nesse regato.

Acontece que sujeito
Que vive dessa maneira,
Pulando da barranceira,
Não pode ver um mal feito,
Acha que tá no direito,
De se meter em rabuda,
Não pode ver da miúda
Que entra em nova enrascada,
Saindo de madrugada,
Atrás de moça taluda...

Joaquim me deu pousada,
Pros lado do Patrocínio,
Falou num tal vaticínio,
Coisa das muito enrolada,
Botei meu pé, nova estrada,
E parti bem de mansinho,
Levando meus bagulhinho,
Guardados no meu bornal,
Quarta feira, carnaval,
Ia de novo sozinho...

Nessa mesma quarta feira,
Que é de cinzas pode crer
Montado num zabelê
Filho duma égua estradeira,
Pru móde ser mais ligeira,
Que eu precisava chegar,
Determinado lugar,
Na curva do Zebedeu,
E lá mesmo é que se deu
Isso que eu vou lhe contar...

Chegando nessa serrinha,
Que é lugar bem diferente,
Um monte de gente crente,
Disse que toda tardinha,
Avoa umas avezinha
Fazendo gesto indecente,
Mas é coisa de veneta,
Imagina, coça as teta,
Dando banana pro povo,
Os cabra mexe nos ovo,
Que isso é coisa do capeta!

Fui pagando para ver,
No que essa história daria,
Subindo na ventania,
Sem ter medo nem por que,
Esse trem vou resolver.
Num tem nem mais precisão,
De fazer sua oração,
Sou um cabra penitente,
Num tenho medo de gente,
Que dirá d’assombração!

O lugar era bonito,
Tinha cor do meu tiê
No meu velho metiê
Nunca tive tanto grito,
De mulher vaca e cabrito,
Zoando feito vespeiro,
Até fiquei mei besteiro,
Mas não arredei meu pé,
Chegando com pontapé,
Entrei nesse pardieiro.

No meio da confusão,
Reparei numa bobagem,
Reparei na sacanagem
Que não tinha nem perdão,
Um tremendo mocetão,
Tava toda machucada,
A bunda toda lanhada,
Riscada com um chicote,
Mesma hora dei o bote,
Levando a destemperada...

Moça bonita e dengosa,
Tinha os olhos rabichados,
Os lábios grossos, inchados,
Um perfume igual a rosa,
Eta bichinha gostosa!
Eu, na hora pensei nela,
Arretada matusquela,
Banquete prum homem só,
Nem pensei em ter mais dó,
Esqueci dessa esparela...

A moça num conseguia,
Falar na minha linguagem,
Mas pra quem quer sacanagem,
Era de pouca valia,
Entender o que dizia,
Não preciso nem falar,
Comecei a cutucar,
A moça de pouco a pouco
O troço deixando louco
Vontade de não parar...

Que boca boa, eu beijava,
A minha mão bem safada,
Fazia sua jornada,
Enquanto ela delirava,
Sua blusa eu abaixava,
As tetas todas macias,
Minhas mãos eram vadias,
Chegavam nas suas coxas,
As florizinhas mais roxas,
Não tinham tais serventias...

A perna da moça aberta,
Esperando pela clava,
Tanto gozo que se lava,
A danadinha era esperta,
Coisa boa que se flerta
Nunca se esquece mais não,
Deitei gostosa no chão.
Cavalguei essa danada,
Minha vida desgraçada,
Parecia ter perdão...

Tanto gosto, tanta festa,
Depressa a noite chegou
Quem gozou não reparou
Uma porrada na testa,
Uma pancada indigesta,
Acabei desacordado,
Quando vi, tava danado,
No meio desse barraco
Que recendia a sovaco,
Misturado com meleca
Reparei nessa boneca,
Mas sentindo do meu saco...

Num canto, tava amarrado,
Pelo saco sim senhor,
Por isso senti a dor,
Um calor desesperado
Tô frito, talvez assado,
Eu pensei por um segundo,
Nessa merda eu me afundo,
Não vai sobrar nem pentelho,
Vi um cabra de vermelho,
Mais feio que o tal Raimundo...

A morte não tinha pressa,
Fiz promessa de jurar,
Que nunca mais vou matar,
A minha mão Deus engessa,
Atadura nem compressa,
Precisa mais ter valor,
Nunca mais um matador,
Nunca mais um sanguinário,
Se meu Deus me der contrário,
Prometo agir com amor...

Apois bem, nem compensava
A morte via de perto,
Nem podia ser esperto,
O troço se complicava,
O moço os olhos injetava,
Com brabeza sem igual,
Meu último carnaval,
Era fava mais contada,
Toda tristeza instalada
Morto naquele arraial...

Uma voz de touro bravo,
Foi berrada neste instante,
Com três metro o tal gigante,
Me disse: em teu sangue lavo
Tu não serves nem pra escravo,
Depois dessa que aprontou,
Essa mulher que pegou,
Fez safadeza de fato,
Fez dela gato e sapato,
Pro chão, você arrastou...

Essa dona é melindrosa,
Com ela não bole não,
Ela é minha tentação,
Do jardim é minha rosa,
Eu sei que ela é bem fogosa,
Já lhe dei muita pancada,
Mas bem sei que a desgraçada,
É chegada em aprontar,
Qualquer um que for chegar,
A vadia é bem chegada...

Mas nunca tinha me dado,
Tanto trabalho afinal
Nesse fim de carnaval,
Parece ter despertado,
O que tem de mais tarado,
As pernas não sossegou
Depressa ela se entregou
A um vagabundo sem eira,
Depois de tanta besteira,
Um par de chifre botou...

A minha cabeça lisa,
Tá ficando encaroçada,
Por causa da disgramada,
Que tanta lição precisa,
Em teus bagos se batiza,
Não vai sobrar mais nada,
Nem sombra dessa safada,
Nem de você seu matuto,
Agora cansei, fiquei puto
Essa conversa fiada!

O trem estava fedendo,
Eu não vi mais solução,
Amarrado no culhão,
O calor já tava ardendo,
Eu pensei: já ‘to morrendo,
Num tem outro jeito não,
Pedi a Deus seu perdão,
E rezei com muita fé,
Mas, de repente, num pé
De vento uma solução...

Quando senti ventania,
Olhei de beira pro lado,
O troço tava arretado,
Meu Bom Deus me protegia,
Apesar das covardia
Que tanto fiz por aí,
Nesse momento eu senti,
Que meu Pai não me deixara,
Nesse vento que ventara,
Surgiu, do nada, o Saci...

Junto com o Pererê
Tava amigo Virgulino,
Que em todo esse desatino,
Nunca iria se esquecer
Dum amigo pra valer,
Companheiro do perneta,
Um tocador de trombeta,
Um arcanjo lá do céu,
Que no meio desse escarcéu,
Deu porrada no capeta!

Trazia de tira colo,
Aquela santa menina,
Ela mesmo, a tal Marina,
Por pouco que eu não me enrolo,
Vendo nesse mesmo solo,
O trio que me salvara,
Tomar vergonha na cara
E parar de safadeza,
Me perdendo nas beleza,
Vou parar com essa tara...


Cordel - A minha sina - capítulo 5 - Na terra do cirandar...
Depois de ter conseguido,
Sair do tal Tororó,
Vazado, comendo pó,
De me sentir perseguido,
Tanto tempo lá perdido,
Nessa ciranda de roda,
Minha vida tendo poda,
Por causa desse diabo,
Tá tentando me dar cabo,
Não vou cantar essa moda!

E quase que ele me pega,
Usando da fantasia,
Que meu peito já queria,
Mas a verdade me nega,
Amor é coisa que cega...
Tenho que ter mais calma,
Pois senão perco minha’alma,
A coisa pode estourar,
Não quero mais complicar,
Nem enfiar minha palma...

Nesse mundo da ciranda,
Pensei sair bem depressa,
Mas a vida me confessa,
Que pra frente é que se anda
Senão a coisa desanda,
Não vai sobrar nem poeira,
Dançarei a vida inteira,
Sem ter como nem dizer,
Eu não quero assim morrer,
No meio dessa besteira...

Bem perto do Tororó,
Tem as terras do De Conta,
Onde tem gente que apronta,
Faz e nem sente mais dó,
Comendo um saco de pó,
A gente passa por lá,
Tem tanta gente que dá,
Vontade de ficar triste,
O meu peito não resiste,
Dessa gente muito má...

Um grito desafinado,
Bem agudo por sinal,
Foi todo meu grande mal,
Eu ouvir o tal miado,
Um bicho pobre felino,
Tava nesse desatino,
Amassado qual paçoca,
Corria de toca em toca,
E pedra em cima, zunino...

Foi pedra e foi paulada,
O bichano quase urrava,
De tanto que apanhava,
Mas não pensei mais em nada,
Também dei u’a cacetada,
Acertei bem de primeira,
Foi uma bruta sangreira,
O gato tá esfolado,
Dessa vez tá bem matado,
Mas vazou na capineira...

Dona Chica s’admirou
Do berro que o gato deu,
O danado não morreu,
E bem depressa escapou.
Pras terras pr’onde vou,
Vou guardar acontecido,
Dele não ter se morrido
Não vou mais m’esquecer,
Quase vi gato morrer,
Mas agora tá fugido...

Saí depressa dali,
Fui em busca d’outro canto,
Mas, logo ouvi novo pranto,
Escorrendo qual xixi,
Nessa mata me perdi,
Procurando quem chorava,
Uma bela moça estava,
Triste que dava pena,
Sua mão de longe acena,
Perguntei que se passava.

A moça então já me disse,
Que um moço cirandeiro,
Acendeu o candeeiro,
Depois fez muita bobice,
Que bem antes que s’ouvisse,
Deixou ela tão sozinha,
A moça era bonitinha,
Minha vontade coçou,
Logo se recuperou,
Pensei logo na Ritinha...

Ela falou da ciranda,
Da meia volta prá dar,
Onde fora cirandar,
Mas caiu meio de banda,
No mundo fez a quitanda,
Mas a vida foi mesquinha.
“O amor que ele me tinha,
Era pouco e se acabou”;
Me mostrou ali no lado,
Um anel todo quebrado,
Foi tudo que lhe restou...

Deixei a moça tristonha,
Não pude falar mais nada,
Passei para outra estrada,
Numa curva mais medonha,
Dessas que nem gente sonha;
Pesadelo sei de cor,
Uma dor foi bem maior,
Quando tive o desprazer,
De perto conhecer,
Uma sina bem pior...

Um moleque bem safado,
Filho do Seu Francisco,
Um pivete bem arisco,
Ria-se tanto o danado,
Um jeito desengonçado.
Quis saber logo o porquê,
Só pedi pra me dizer,
Ele me contou sorrindo,
Foi contando achando lindo
O que passo pra você:

“Pai Francisco entrou na roda,
Tocando seu violão”.
Não fazia nada não,
Mas tem gente que vem, poda,
Nem pode cantar mais moda,
Delegado não quis não,
“Pai Francisco foi pra prisão”.
“E como ele vem faceiro”,
Contava pro mundo inteiro,
O seu filho, sem perdão...

O pobre tão machucado,
Depois de tanto apanhar,
Não podia nem cantar;
“Vem todo requebrado,
Boneco desengonçado”.
Eta filho desumano,
O velho entrou pelo cano,
Tomou tanta da porrada,
Inda agüentar a gozada,
De beltrano e de sicrano!

Deixei depressa esse mato,
Fui buscando outra paragem,
Mas a tal da sacanagem,
Não respeita nem regato,
Como digo, assim, de fato.
Percebi, numa sacada,
A rosa despedaçada,
Que, por causa dum entravo,
Brigou com um velho cravo,
E saíram na pancada...

E logo ali, adiante,
Vinha moça bem tristonha,
Roupa amarrada na fronha,
Que por tristezas que cante,
Me mostrava estar diante,
Dum caso que me entristece,
A moça bonita padece,
Duma pobreza sem dó,
A vida fazendo nó,
A dor no meu peito cresce...

Me dizia não ter cobre,
Tanta coisa assim perdi
De marré, marré, dici;
Eu sou pobre, pobre, pobre...
Eu tentei um gesto nobre,
Mas reparei meu bornal,
Não dava nem pro mingau,
As migalhas que trazia,
Meu bem, fica proutro dia,
Quem sabe lá pro Natal?

Andando mais um pouquinho,
Passando naquele rio,
De noite um tremendo frio,
Reparei, bem de mansinho,
Um sapo dando pulinho...
Mas não era um pulo só,
Tanto pulo dava dó,
Tava todo jururu,
Era um sapo cururu,
Cum frio no fiofó!

No meio do sururu,
Uma coisa também vi,
Me deu vontade e eu ri,
Um tremendo brucutu,
Falando assim pro bitu:
“Vem aqui, bitu, vem cá”,
“Não vou lá, eu não vou lá”,
Respondia o bicho arisco,
“Você me quer de petisco,
Não quero mais apanhar”.

Saindo desse buraco,
Passei por rapaz chorão,
Chorava de borbotão,
Eu fui logo dar pitaco,
Me respondeu num só taco:
“Deus, o que será de mim,
Como vou viver assim.
O meu boi, tadim, morreu”...
Mas antes ele que eu:
“Vai buscar no Piauí!”

Depois de tanta mazela,
Encontrei uma saída,
Dei um tchau na despedida,
‘Tô ficando matusquela,
Escapei dessa esparrela,
Mas pra nunca me esquecer,
Do meu grande bem querer
Pra não perder a centelha,
Peguei a rosa vermelha,
Hei de amar até morrer!


Cordel - A minha sina - capítulo 6 - Boi bandido e Catirina
Depois de ter escapado
Da terra do cirandar,
Eu voltei a procurar,
O meu destino marcado,
Ter meu mundo desolado,
Num momento diferente,
Voltar ser, de novo, gente;
Podendo ter paz na vida,
Buscando sem despedida,
Viver, de novo, contente...

Partindo do tal reinado,
Encontrei novo caminho
Entrando, bem de mansinho;
Num belo mundo marcado,
Pelos campos, verde prado,
De beleza assim, sem par;
Pois esse belo lugar,
De bonito dava brilho,
Não quero perder o trilho,
Mas preciso descansar!

Coisa mais sensacional
Era tal lugar bonito,
Digo, redigo e repito,
Eu nunca vi nada igual,
Parecia um festival
Dessa natureza em flor,
Nunca tanta vi tanto verdor,
Nem em sonhos ‘maginei
Pois foi lá que desbanquei
Esse peito sofredor...

Conheci moço bacana,
Um doutor muito educado,
Me falou ter procurado,
Um cabra que não engana,
Tinha muito safardana,
Enganando o pobre moço,
Eu não fiz muito alvoroço,
Mas pedi logo um emprego,
Cuido de vaca e burrego,
Carregando água de poço...

Olhei pra cara do dono,
Me disse que tava bem,
Não confiava em ninguém,
Vivendo nesse abandono,
Um rei grande no seu trono;
Mas, porém, sem confiar,
Tanto deram de enganar
Um moço tão confiado,
Entendi o seu recado,
Comecei a trabalhar...

Me falou dum boi bandido,
Que era boi dos premiado,
Um tal boi condecorado,
Boi daqueles bem vestido
Por Deus, boi escolhido,
Um campeão de rodeio,
Tinha um couro bem vermeio,
Era grande pra danar,
Era boi pra se ganhar
Bem mais de milhão e meio!

Costumado a criar gado,
Nos tempos lá das Gerais,
Pensando não querer mais,
Esse mundo disgramado
De correr lado pra lado,
Buscando por valentia,
Escapar da covardia,
Do capeta mais chifrudo,
Entro calado, vou mudo,
Viver essa regalia!

Eta mundinho dos bão,
Viver aqui na moleza,
No meio da natureza,
Sem ter preocupação,
Não quero mais nada não.
Só quero essa vida boa,
De tardinha na garoa,
De noitinha no meu quarto,
A vida enfim, me deu trato,
Fez canoeiro e canoa...

Nesse campo bem verdinho,
Sem ter seca nem ter fome,
O que se quiser, se come,
Só tá faltando carinho,
O resto vai direitinho,
Não quero sair daqui,
É, pois, tudo o que pedi,
Pensei estar realizado,
O meu coração, danado,
Resolveu se divertir...

Tinha moça bem faceira,
Filha dum sujeito bravo,
Mas sem temer por agravo,
Eu cantei a noite inteira,
Esperei, falei besteira,
Essas coisas de quem ama,
Esquentei brasa na chama,
Chamei pra dar uma volta,
Aceitou, não fez revolta,
Foi parar na minha cama!

O pai, depois do mal feito,
Reclamou com o patrão,
Esse não deu bola não,
Os dois quer tá no direito,
Agora vamos dar jeito,
Os dois precisa casar,
Aceitei sem nem pensar,
Eu casei com Catirina,
Era o nome da menina,
Mais bonita que o luar...

Passa mês três mês, um ano
Eu me sentindo feliz,
É tudo o que sempre quis,
Vivendo assim sem ter plano,
De tanto saber engano,
Desconfiava de nada,
Tudo de carta marcada,
Na jogatina da vida,
A tristeza tá perdida,
A vida dá gargalhada...

A moça então, embuchou,
A barriga tá crescida,
Minha sorte decidida,
É nesse mundo que vou,
Devagarinho chegou
O meu tempo de ser rei,
Doutro caminho não sei,
Até que enfim tenho paz,
Me esqueci de Satanás
Nem pros lados eu olhei!

Acontece que a danada,
Uma noite então me disse,
Que seu coração ouvisse,
Pro móde tá embuchada,
Sonhou nessa madrugada,
Um desejo diferente,
Vai ouvindo minha gente,
Veja só se isso tem jeito,
Com todo amor no meu peito,
Me pediu, de modo urgente,

Pra matar essa vontade,
Coisa que não tem juízo,
Me falou que era preciso,
Lhe trazer até de tarde,
Coisa de gente covarde,
Me pegou desprevenido,
Agora tô convencido,
Não tenho mesmo sorte,
Isso me cheirava a morte,
A língua do boi bandido!

Eu tentei desconversar,
Catilina então chorava
Dizia que eu não amava,
Me falando, sem parar,
Que se não fosse pegar,
A língua do desenfeliz,
Nosso filho tão feliz,
Ia ser um desgraçado,
Nesse choro, maltratado,
Minha vida por um triz...

Sem ter jeito nem escapo,
Cheguei perto desse boi,
Nesse dia então se foi,
Dei pancada até sopapo ,
Por pouco que não fui capo,
Numa chifrada mal dada,
A calça saiu rasgada,
Quase que fico capado,
Mas o boi foi deslinguado,
Sua língua ensangüentada...

Peguei, então tal troféu,
Voltei correndo pra casa,
Coração queimando brasa,
Descortinei esse véu,
Nesse inferno, cadê céu?
Reparei na gargalhada,
Eu não pensei em mais nada,
Minha vida não tem jeito,
Reparando bem direito,
No riso da desgraçada,

Eu vi que fora enganado,
A tal dessa Catirina,
Que pensei ser a menina,
Por quem fui apaixonado,
Tinha já se transformado,
De maneira diferente,
Num jeito mais repelente,
Com dois chifres apontando,
Era o diabo enganando,
Rindo seu riso contente...

Vazei então no capinado,
Deixando tudo depressa,
Não querendo nem conversa,
Com o bicho disgramado,
Sem vergonha e tão safado,
Ter me deixado sozinho,
Procurei o meu caminho,
Não posso mais ter nem paz,
Esse bicho ruim é capaz,
De me comer picadinho...

Cordel - A Minha Sina Capítulo 7 - Caçando o porco errado...
Depois de ter escapado,
Das terras do faz de conta,
Tanta coisa que se apronta,
Meu mundo vai enganado,
Não me resta nem recado.
O bornal ficou por lá,
Quem mandou me casá
Com a tal de Catirina,
Quase me pegou de quina
De modo a me extropiá.

Minha sorte é que deixei,
Escondida nesse mato,
Na beirinha do regato,
Foi depois que me lembrei,
Quando na mata cacei,
A minha velha espingarda,
Senão a vida danada,
Acabava duma vez,
Já tava morta essa Inez,
Não ia sobrar mais nada...

Com espingarda na mão,
De fome não vou morrer,
Riacho dá de beber,
Vou seguindo a procissão,
Vazando pelo sertão,
Deixando tudo pra trás
O Maldito Satanás
Não vai desistir da caça,
Passa vila passa praça,
‘Tô precisando de paz...

Depois, pensando direito,
É que fui lembrar com calma,
O que vai ser da minh’alma,
Mas o feito já tá feito,
Metendo as caras e o peito,
Eu pensei bem devagar,
Como fui engravidar,
Pensei na minha veneta,
A mulher desse capeta,
No quê que isso vai dar?

Deixei de lado a bobiça,
Vazei no trecho, direto,
Seu capetão vadre reto,
Eu não posso ter cobiça ,
Senão essa joça enguiça,
Vou deixar de lero lero,
Se me dar também eu quero,
Vou caçando esse meu rumo,
Quem sabe acerto meu prumo?
Assim seja, assim espero...

Depois de muito caminho,
Estou de novo sozinho,
Nas matas do Jequibá,
Sem vontade de casar,
Vou caçando passarinho,
A fome tá me matando,
Assim eu vou reparando,
Nas belezas dessa serra,
O bom cabrito não berra,
É melhor sair caçando...

Logo perto dum regato,
Achei um rastro bendito,
Eu vou poder comer frito,
Rastro de porco do mato,
Vou rapidim dar um trato,
A carne é muito gostosa,
É caça das preciosa,
Dá pra gente empaturrar,
Saí depressa a caçar,
Minha barriga já goza...

Mas, essa maldita sina,
Não dá sossego nenhum,
Senti um cheiro, um futum,
Um fedor mei de latrina,
Me lembrei de Catirina,
Um tremendo pescoção ,
Me jogou, logo no chão,
Quase me arranca o papo,
Tomei um outro sopapo,
Apanhei pior que cão...

Em cima do tal do porco,
Um anãozinho dos feio,
Com o cabelo vermeio,
Tava me dando um sufoco,
Eu peguei então um toco,
Dei pancada demais,
O danado foi pra trás,
Num segundo pus sentido,
Os pé do bicho invertido,
Eu não posso ter mais paz...

Deu risada e gargalhada,
Reparei então nos dente
Os dente desse demente,
Tinha a cor esverdeada,
Tomei tanta porrada,
Por pouco ele não me estora,
Eu ‘tô ferradim agora,
Não tenho mais nem saída,
Eu vou perder minha vida,
Nas mãos desse Caipora...

De repente ele parou,
Me falando assim de banda,
Quase que tudo desanda,
Quase que você matô,
Um bicho de muito valô
O meu porco é montaria,
É por isso que eu batia,
Pra você se sussegá,
Agora, pode caçá,
Mas manera a valentia...

Num precisa de regalo,
Nem de fumo nem de esteira,
É só num fazer besteira,
Mata passarim ou galo,
Prá comer não atrapalho;
Só num gosto de maldade,
Nem de saber crueldade,
Com os bicho cá do mato,
Entonce tá feito o trato,
Você ganhou liberdade...

Não me bastou Satanás,
Quase que eu estou ferrado,
Fui caçar o bicho errado,
Minha vida deu pra trás,
Nessas matas, nunca mais...
Vou pegar minha espingarda,
Vou vazar dessa invernada,
Vou sair do matagal,
Depois de tomar um pau,
Não quero saber de nada...


Cordel - A minha sina - capítulo 8 - Um tiro dado pela culatra... E salvador.
Acontece que, na pressa
De sair do matagal,
Eu trupiquei nesse pau;
Minha vida anda as avessa,
Inda morro numa dessa!
As perna quase parti,
De cara pru chão caí,
O negócio tava feio,
Eu num arranjava meio,
Desse fardunço saí...

Machucado, bem doído,
Tive que ficar parado,
Cheiro de mato queimado,
Eu pensei: eu tô perdido,
Nesse caminho comprido,
Eu num tenho salvação,
E não tem mais jeito não,
Como posso me escapar,
Se não encontro lugar,
Nem encontro solução...

A noite tava chegando,
Escura e muito fechada,
É parar a caminhada,
Ali ficar matutando
Num posso sair andando.
O mato pegando fogo,
Complica mais esse jogo,
Brilhando lá d’outro lado,
Se chegar eu tô ferrado...
Rezei, pedindo num rogo.

Arrastei dentro da mata,
Devagar, fui deslizando,
Vi dois foguinho brilhando,
Tanto medo me maltrata,
Procurei marca de pata,
Encontrei um rastejar,
Trem começa a complicar,
Os dois olhinhos brilhando,
Nesse bicho rastejando,
Pensei logo : Boi Tatá...

Escondido desse bicho,
Fiquei nesses matagá,
Eu sei que esse Boi Tatá,
É pior que carrapicho,
Se não vazar num esguicho,
O troço pode feder,
O danado vem fazer,
Com o pobre do coitado,
Um fogaréu desgraçado,
Fazendo o cabra morrer...

Depois é que me lembrei
De ter matado um gambá,
Os restos dele deixá,
E pelo que eu já bem sei,
Esse gambá que matei,
É que trouxe esse malvado,
Não vivo mais sossegado,
Minha sina é de matar,
Como é que vou escapar,
Desse bicho disgramado...

Mas pru sorte, seu dotô,
Deus é muito meu amigo,
Com Ele corro os perigo,
Me protege sim sinhô,
O meu maior protetô!
Um caçador, nesse instante,
Deu um tiro na vazante,
Do rio que passa perto,
Esse tiro foi incerto,
Passando bem raspante...

Esse tiro salvador,
Dado sem ter direção,
Foi a minha salvação,
Esse tal de caçador,
Sem ter noção, atirou
Na casa do Boi Tatá,
Acertando tudo lá;
E fazendo um grande estrago,
Escapei dessa, tô pago,
Mato parou de quemá...

O caçador, desastrado,
Me salvou desse bagaço,
A faca que corta é d’aço,
O medo traz estampado,
Eta mundão mais danado,
Feito de cruz e diabo,
Vou babando igual quiabo,
Eu tô fedendo defunto,
Mas vamo mudá d’assunto,
Pois senão assim, acabo...


Cordel A minha Sina Capítulo 9 Matinta Perêra


Escapando dessas matas,
Nas terras do Boi Tatá,
E precisando encontrar,
Por terras menos ingratas,
Passei por morros, cascatas,
Por luares e sol forte,
Seguindo o rumo do Norte,
Na busca da solução,
Não via outro jeito não,
Tentar escapar da morte...

Seguindo lá pra Bahia,
Tanta coisa por dizer,
Não queria me perder,
Tanta coisa que eu fazia,
Esperava pelo dia,
Da verdade, libertar..
Nem podia descansar,
Chegar de manhã, de tarde,
Sair sem fazer alarde,
Novas matas chafurdar...

Depois de muito caminho,
Precisando d’acalento,
Dormindo só no relento,
Tive que procurar ninho,
Não me importa estar sozinho,
Noite não tinha luar,
A mata pra se embrenhar,
A vida fica de fora,
Escapei do caipora,
É melhor pra descansar...

No meio da noite escura,
Um passarim lá cantando,
Com o bico se espraiando,
Dizia, tal criatura,
Canto que ninguém atura,
Reparei nessa bestêra,
Por detrás da capoêra,
Procurei nem deu pra ver,
Depois pude perceber,
Era o Matinta Perêra...

Procurei donde chegava,
O canto dessa agourenta,
Escutei mais de quarenta,
A peste nunca parava,
A diacha só cantava,
Trazendo uma maldição,
Corri, diantava não,
A danada arrepetia,
A terrível cantoria...

Já cansado de correr,
Vi que não tinha mais jeito,
Não tenho mais nem direito,
Maleita, peste, vou ter...
E depois d’adoecer,
É torcer pra ficar bom,
O danado desse som,
É coisa pior que praga,
Inté valente se caga,
Não canta num outro tom...

Bem mais tarde se lembrou,
Duma coisa que sabia,
Convidar para outro dia,
O passarim que piou,
Com o qual já s’assustou
Para tomar um café,
Gritou com força e com fé,
O Perêra concordou,
Foi pelas mata, avoou,
Fui devagar pé no pé...

Na madrugada alvorada,
Ouvi tremendo barulho,
Parecia que os entulho
Das mardita alma penada,
Tava a fazer revoada,
Perto donde eu lá dormia,
A noite tava bem fria,
A mata tava sem lua,
Vi uma mocinha nua,
Me chamando, essa vadia...

Eu pensei ser o Perêra,
Que chegava pro repasto,
Olhei de banda, de fasto,
Valeu essa noite intêra,
Já pensei nas bandaiera,
A moça era bem bonita,
Tinha jeito de cabrita,
No cio, a bichinha tava,
Então me refastelava,
Eta mocinha catita...

Dei meu braços pra safada,
Agarrei nessa cintura,
Com tamanha formosura,
Viva a vida a madrugada,
Vou lhe dar uma pernada,
Vou fazer festa de monte,
E bem antes que s’aponte,
O sol na barra do dia,
Vou pegar essa vadia,
Já tá feito meu apronte...

Acontece que a demente,
Agarrou com tanta força,
Que nem parecia moça,
Eu até fiquei descrente,
O sol lá no seu nascente,
Apontava sua cara,
A moça ria da tara,
Chegava, então, gargalhar,
Num mexia do lugar,
Todo mordida se sara...

Nesse embrolho de dar dó,
A moça deu um chupão,
Acelera o coração,
Quase que virei foi pó,
Na garganta deu um nó...
Nesse momento, a portera,
Aberta na ribanceira,
Eu vi um redemoinho,
Pensei não tou mais sozinho,
Deve ser a tal Perêra...

Quando vi tal reboliço,
A garganta já mordida,
Minha vida tá perdida,
Já tô no mei desse enguiço,
Espetando como ouriço,
A moça largou as mão,
Assim, mei de supetão,
As mão da moça era garra,
Escapuliu dessa farra,
Me largou, depressa então...

Reparei, nesse momento,
A coisa de se estranhar,
Logo depois de largar,
Bem no meio desse vento,
Arreparei tomei tento,
Eu vou contar pra você,
Pode inté te surprendê,
Um perneta bem risonho,
Como que fosse dum sonho,
O tar saci pererê!

Me contou que já sabia,
Dos caminho meu nas trilha,
E sabendo da armadilha,
Veio depressa, de dia,
Me tirar dessa arrelia,
Me livrar dessa estribeira,
Arrancando de primera,
Das mão desse Satanás,
A sorte é que veio atrás,
Ele, Matinta Perêra!


Virgulino, meu cumpade,
Sabendo dessas encrenca,
Tando com vida da avenca,
Vivendo lá c’a cumade,
Pensou na realidade,
Da vida do seu amigo,
E pediu preu vir contigo,
Prá te sarvá da peleja,
Ah! E que ele te deseja,
Munta sorte nos perigo...

Partindo sem mais dizê,
Sumiu numa ventania,
Me deixou na manhã fria,
Varejou sem perceber,
Nas mata do bem querer,
Foi correndo, foi na fé,
Não dexou nem seu chulé,
Na perna que lhe restava,
Adepois que eu reparava...
Nem tomou o seu café!!!!!


Cordel - A Minha Sina Capítulo 10 - A Cabeça Satânica


Depois de ter escapado,
De novo dessa mulher,
Pensei preciso de fé,
Senão eu já tô ferrado,
Nesse mundo desgraçado,
Sem tentar escapatória,
Dei a mão à palmatória,
Vazei daquele lugar,
Preciso me concentrar,
Senão nem resta memória...

Procurando me esconder,
Entrei na mata bravia,
A gente, quando se fia,
Não tem nada pra temer...
Nas matas do Zabelê,
Nas minhas Minas Gerais,
Espero poder ter paz,
Aqui a terra eu conheço,
Não pode dar nem tropeço ,
Descansar, eu sou capaz...

A noite estava bonita,
Noite de lua e luar,
Um bacurau a cantar,
Outra coruja que grita,
E quem não é bobo evita,
Escapar donde se encontra,
Não tenho medo por conta,
Mas não quero vacilar,
Deixando só por deixar,
A noite, bobeia, apronta!

Debaixo dum jetibá,
Aqui vou ficar, parado,
Descanso bem sossegado,
Repouso não vai faltar,
É melhor ir repousar,
Não perder um só segundo,
Depois eu vazo no mundo,
Procurando Deus M’acuda,
Por certo terei ajuda,
Vou dormir sono profundo...

Sonhei com tanta beleza,
Satisfiz o meu desejo,
Em anja dei muito beijo,
Espantei minha tristeza,
Nadei contra a correnteza,
Fiz a casa de sapê,
Isso é lugar de viver,
Não tem outra solução,
Pr’essas terras, pr’esse chão,
Só no sonhar dá prazer!

Encontrei com Virgulino,
Em Marina dei abraço,
Vencendo esse meu cansaço,
Eu cruzei todo destino,
Virei de novo menino,
Nas cordas dum violão,
Levantava o poeirão,
Dançando muito forró,
Da vida nem tive dó,
Balançou meu coração...

As danças que lá dançava,
Não parava de dançar,
Dançando bem devagar,
Nessas danças me encontrava,
Dancei do jeito que tava,
Não corria mais perigo,
Acabara-se o castigo,
Nem ligo pra mufuá,
O pau pode vir quebrar,
Eu finjo nem é comigo!

Sonho gostoso de ter,
A noite fazia frio,
O coração mais vadio,
Despencado de bater,
Acostumado a sofrer,
Tava bem sossegado,
Eu também tava cansado,
Precisava repousar,
Mas não dá pra descansar,
Sem ficar preocupado.

Um barulho, então ouvi,
Era o mato se mexendo,
Reparei que tava havendo,
Acordei depressa, eu vi,
Há uns dez metros dali,
Uma coisa me espantou,
Do mato se levantou,
Uma coisa diferente,
Uma cabeça de gente,
Que parece, alguém cortou...

A cabeça se mexia,
A danada até falava,
Dava riso, gargalhava,
Tanto medo ela metia,
Desabei na correria,
Sem pensar em direção,
O terrível cabeção,
Não se fez nem de rogado,
Disparou para o meu lado,
Eu não via solução...

Atrás da tal cabeçona,
Eu vi um descabeçado,
Pensei, já tô ferrado,
Meu pai já to na lona,
Vou correndo pr’outra zona,
Aqui não fico mais não,
Procurei o meu facão,
Correndo sem pena e dó,
Cortei mato, até cipó,
Vazei no capoeirão.

Me lembrei então na pressa,
O que contava vovô,
A cabeça se criou,
Na noite que não confessa,
Eu não escapo mais dessa,
Gosmenta como o quiabo,
Com essa agora me acabo,
A cabeça vem atrás,
Foi feita por Satanás
A cabeça do diabo!

Então reparando bem,
Eu vi no descabeçado,
Aquele jeito safado,
Que me lembrava d’alguém,
O capeta agora vem,
Atrás de mim, não tem jeito,
Meti as caras e o peito,
Num buraco qu’encontrei,
Lá dentro eu me enfiei,
Me dou bem por satisfeito...

Quando entrei nesse buraco,
O danado se fechou,
Quem tava fora ficou,
Escapei, foi por um naco,
Confiando no meu taco,
Fui entrando pela terra,
Um bom cabrito é que berra,
Calado morre, sem pena,
Ao entrar, que bela cena,
Um monte no mei da serra!

Tudo brilhava, dourado,
O sol lá tinha nascido,
Até hoje eu duvido,
Daquele meu novo achado,
E fiquei maravilhado,
Com o que meus olhos viu,
Nem parecia o Brasil,
Uma lagoa dourada,
Muito bela, iluminada,
Por um céu azul, anil...

Quando ouvi então sussurro,
Duas moças que se ria...
Me escondi, sem covardia,
Que eu não sou um cabra burro,
Ponta de faca dei murro,
Não quero mais confusão
Me deitei naquele chão,
Reparei que ele brilhava,
Toda a terra clareava,
Um bonito amarelão...

As duas moças branquelas,
Com o cabelo bem liso,
Vou me calar pois preciso,
Escapar pra longe delas,
As roupas bem amarelas,
Os cabelos alourados,
Até chinelos dourados,
Uma riqueza de brilho,
Parecendo até o milho,
Os cabelos cacheados..

Pensei bem onde é que estava,
Depois é que recordei,
Tanta coisa que não sei,
Mas aquela eu me lembrava,
Tanto brilho que brilhava,
Até num lago dourado,
Já tava tudo explicado,
Esse lugar diferente,
Adivinha minha gente:
Encontrei o Eldorado!

Nada mais belo no mundo,
Precisei me beliscar,
Não dá nem pra acreditar,
Que nesse buraco profundo,
Aqui nesse fim de mundo,
Lugar de muita beleza,
Lugar de muita riqueza,
Guardado nesse buraco,
Já tava ficando fraco,
Esperei na correnteza...

Quando vi, bem de repente,
Um bicho bem engomado,
Num caminho rastejado,
Apareceu bem contente,
A danada da serpente,
Começou a me falar,
Então eu fui reparar,
O negócio complicou,
Um bicho que me falou,
Já dá pra desconfiar...

De repente a gargalhada,
Conhecida já faz tempo,
Me criou um contra tempo,
Eu não pensei mais em nada,
A risada da safada,
Da mulher de Satanás,
Corri, deixando pra trás,
Tanto ouro que nunca vi,
Nem da terra despedi,
Mais que o ouro vale a paz!

Voltei de novo, correndo,
No buraco do tatu,
Tô cagado d’urubu,
Viver assim, me escondendo,
Tantas terras percorrendo,
Até descansar da sina,
Pela luz que me ilumina,
Já tô ficando cansado,
Pelo capeta marcado,
Outras tantas me destina!


Cordel A minha Sina Capítulo 11 A Besta Fera


Escapando dessa terra,
Desse famoso Eldorado,
Num caminho desgraçado,
Subindo naquela serra,
Onde coração se enterra,
A vida não tendo jeito,
Lutando pelo direito
De viver a vida em paz,
Escapei de Satanás,
Me dando por satisfeito...

Depois deste descaminho,
Nas matas não ando mais,
Eu deixei tudo pra trás,
Procurei o meu caminho,
A vida sem ter um ninho,
Onde possa descansar,
Tô precisando parar,
A vida não faz sentido,
Meu mundo está mais perdido...

Encontrei um vilarejo,
Lá perto de Sucupira,
Onde cabra bom atira,
Por vontade e por desejo.
Numa morena dar beijo,
Deitar de novo na rede,
Matar a fome e a sede,
Sem ter dó e piedade,
A danada da saudade,
Encostada na parede...

Nessa terra do pé junto,
Que se chama de Ramela,
Onde todo cabra pela,
Tesconjuro seu defunto,
É melhor mudar de assunto...
Encontrei com Virgulino,
Contei os meus desatino,
Ele respondeu na lata,
Me deu um punhal de prata,
Pra cuidar do meu destino...

Depois de muita conversa,
Se despediu o amigo,
Me disse: agora é contigo,
Me desculpe minha pressa,
Tenho que voltar depressa,
A Marina tá esperando,
É melhor ir terminando,
Que essa noite não demora,
É melhor eu ir embora...
Se despediu, me abraçando...

Fui então procurar casa,
Encontrei uma viúva,
Me fez bolinho de chuva,
O seu corpo andava em brasa,
Tanta saudade me arrasa,
Me chamou pra ir dormir,
É melhor ficar aqui,
Um lado meu me dizia,
O outro lado me pedia,
Foi esse que obedeci...

A mulher era fogosa,
Deitada naquela rede,
Viúva igual galho verde,
Balancei então a rosa,
Com dois dedinhos de prosa,
Tava feita a sacanagem,
No mei daquela engrenagem,
As coisas perderam rumo,
Alisei mantive prumo...
O resto todo é bobagem..

A noite de lua cheia,
Era plena madrugada,
Foi então que a cachorrada,
Como que tivesse peia,
Numa bagunça incendeia
Todo aquele povoado,
Num barulho desgraçado,
Assustando até defunto,
Não gostei daquele assunto
Fui depressa conferir,
Mal a porta pude abrir,
Nunca vi tanto cão junto!

Os danados dos cachorro
Corria feito o diabo,
Nesse trem inda me acabo,
Fui conferir, subi morro,
Fui prestar o meu socorro,
Quando vi um bicho feio,
Cavalo e homem no meio,
Sobre os cascos galopando,
Nos cachorros chicotando,
Sem parar sem ter nem freio...

A viúva então me disse,
Que era a tal besta fera,
Que nessas noites impera,
E se a danada me visse,
Se por acaso me ouvisse,
Era melhor cair fora,
Tô frito, pensei na hora,
Eu não dou sorte me ferro,
O bicho então solta um berro,
É hora de eu ir embora!

Não deu tempo nem daria,
Olhando pra minha cara,
Relinchou, fez que anda e para,
Disparou na montaria,
Eu vazei na noite fria,
Ele correndo por trás
Parecendo Satanás,
Não me deixou nem por reza,
Tudo que demais se preza,
A gente não é capaz...

Me lembrei do tal punhal,
Que Virgulino me dera,
Parei, olhando pra fera,
E mostrei fiz um sinal,
Pus na mão direita um pau,
O punhal também mostrei,
Parecendo que era um rei,
O bicho não quis correr,
Fez que iria até morrer,
Pra outras banda vazei...

O danado do mistério,
Se mostrou na solução,
Trotando pediu perdão,
E vazou pro cemitério,
Fiz de bravo, fiquei sério,
Ele então se acovardou,
Num momento se abaixou,
Fez então cara de triste,
O diabo não resiste,
Ao punhal que prateou...

Nem voltei para a viúva,
Peguei o meu embornal,
Varejei no matagal,
Eu prefiro até saúva,
Comi bolinho de chuva,
Fiz festança com mulher,
Vivendo como Deus quer,
Me embrenhei então na mata,
Meu destino me arrebata,
Seja lá o que Deus quiser!


A minha Sina Capítulo 12 O sonho e a nova vida
Sonhei um sonho acordado
Que me deu essa clareza.
Depois de tanta surdeza
Depois de tanto roçado
Meu caminho revelado
No sonho que eu pude ter
Era subir e descer
Quarenta e cinco montanha.
Tanta coisa assim assanha
Nunca dá pra comprender

Um nome logo guardei,
Depois da terra de Juda
Um tar de Deus nos acuda.
Que é terra de munto rei.
Esse caminho bem sei
É caminho diferente
Pregunte pra toda gente
Ninguém sabe bem dereito
A gente dá logo um jeito
De descubri, de repente...

Virgulino me dizia
Que logo que o sol raiasse
Essa estrada que eu pegasse
Dispois do tár Zé Maria
As montanha que eu subia
E dispois ia descê
Num dava pra arrependê
Era pudê incontrá,
Nas terra do Seu Babá
Os prado do Zabelê!

Apois intão ansim fiz
Caminhano mais deiz dia
Eu num tinha montaria,
Mas caminhava feliz
Levantei o meu nariz
E parti pra arribação
Clareô o coração
Pensei agora eu escapo
Nesse mundo de supapo
Já levei o meu quinhão!

Pensei nesse tár diabo
Um chifrudo de dá dó,
Logo num vô tá só,
Babendo qui nem quiabo
Em Deus me acuda me acabo!
Vô vazá da tremedêra
Caçando essa vida entêra
Um cantinho pra escapá,
Num percisa nem me contá
O resto todo é bestêra!

Apois bem, assim eu faço
Num tenho medo de macho,
O pobrema é esse diacho,
Num me vence no cansaço
Prá quem ficar um abraço,
Vô vazá no capinado,
Quem quisé fique de lado
Eu num tenho medo não
Nem desse tár capetão,
Desse bicho disgramado!

Êta caminho cumprido...
Depois de oito noitada,
Minha perna estrupiada
Quarenta morro subido
Outros quarenta descido
Deus me acuda já chegava.
A terra toda mudava
O chão já tava verdinho,
Tudo munto bunitinho
Quanta alegria me dava!

Adormeci na ribêra
Dum riacho mais bunito
O meu peito num agito
Uma coisa de premêra
Nunca vi, na vida entera
Um sonho igual eu sonhei.
Parecia inté um rei
Um moço sentado rindo
Num trono que era mais lindo
De tudo que já pensei.

Ele me chamo num canto
Me disse das safadeza
Que me dera inté grandeza
Me falô: cê num é santo,
E num percizava tanto
Que eu tinha era de pagá,
Que eu aprendesse a rezá
Senão eu tava perdido.
O meu distino cumprido.
Nunca houvera de pará...

Acontece, seu dotô
Que nesse instante passava
A muié que embelezava
Cum um cherinho de frô.
A rainha dos amô,
Cumade de Santa Rita
Me deu um laço de fita
Prá esse rei ela disse:
Meu fío dexa a tolice
A vida dele é mardita

Mas vancê vai perdoá
Esse cabra ele é do bem.
Se já feiz már prá arguém
Se ele aqui pode chegá
Se ele incontrô o lugá
Acho que tá no dereito
Apesá desses defeito,
De nova chance ele tê
Vâmo vê se vai fazê
As coisa do nosso jeito!

O rei, mei que cabisbaxo,
Oiando pra minha cara
Que essa duença se sara
Eu chorei que nem capacho
Eu ví nus ói desse macho
A brandura de Jesus,
Oiei pras marca da cruz
E implorei o seu favô
Ele de riba me oiô
Dus seus óio vi a luz...

Quano acordei desse sonho
Óiano pras cercania
Eu vi crareá o dia
Um sór danado, risonho.
Clareô mundo tristonho
Dêxano tudim bonito.
Me deu vontade de grito
Mai num falei nada não
Me mirei na direção
Dum caminzim mais restrito.

Prá sarvá meu coração
Num pérciso de pecado,
Vô ficá acomodado,
Cumecei pedi perdão,
Dexei mata dexei chão
Subi nas tár corredêra,
Era numa sexta fêra
Adentrei pelas montanha
Já vô terminá a sanha.
Mas eu errei de premêra.
Amor Canibalesco
Nosso amor canibalesco
Devora-se num segundo.
Nosso sonho mais dantesco
Corta, penetra bem fundo.

Num turbilhão gigantesco
Amor se torna profundo
Não permite nem refresco
Amor maior desse mundo...

Quis meus versos transformar
Num poema mais diverso
Procurei por céu e mar,

Não encontrei nem metade,
Viajando no universo,
Eu só encontrei saudade



Falsários
Meus versos não são recados,
Muitas vezes são falsários
Tantas vezes meus pecados,
Invadem mares, corsários.

Tais versos imaginados
Esperneiam são hilários
Nas sinas ouros e fados
Vivem nos dicionários.

Amores vapor barato
Seguem sempre o mesmo canto.
Comem nesse mesmo prato.

Esquinas vivem dobrando,
Não pedem restos e encanto
A vida à toa passando...

Bodegas
Nos botecos da cidade
Nessas bodegas cubanas
Cativo sinceridade
A nova leva me explanas

Maria da Soledade
Viveu na noite baganas
Estranhou essa saudade
Dançando noites insanas...

Aguardente que me traga
A noite nunca tem fim,
No prato de porcelana,

Calores teu leque abana
Um boneco de marfim,
Nas pernas abertas, draga!

A minha Sina Capítulo 13 O Arroiz e o Capim
Dispois de drumi dimais
Levantei di minhã cedo
Num tinha resto de medo,
Eu tava cheim di paiz,
Num timia Satanáis,
Já tava liberdo da dô,
Cum meus pé caminhadô,
Disparei a passiá
Era bunito u lugá,
Um lugá incantadô!

Lá nu céu o sol qui bría
Um brío desses que incanta,
Um passarim livre, canta
Numa grande maravía
Que belezura di dia!
Isquicido da mardade,
Num tinha minó sôdade
Dessa tár pirsiguição,
Fugino qui nem ladrão
Incontrei filicidade!

Disci dos árto da serra
Dispois eu vi na baxada
Um cabôco cum inxada
Cavucando ansim a terra,
Qui bom cabrito é que berra!
Me aproximei do sujeito,
Preguntei do que era feito
Aquele seu labutá,
Disse sem titubiá
Prá dexá o chão prefeito
Prá móde pudê prantá!

Deixei o véio de lado,
Seguino na caminhada
Dispois de munta passada
Deitei nuns campo cansado
Inda tava istrupiado
De tanto que caminhei
Nessa terra me encontrei
Tô mi sintino quár gente
Todo mundo di repente
Nesses canto vira rei!

Risrurvi vortá dispois
Pros canto adonde chegara
Onde o sonho me amparara
Vô prantá feijão arrois,
Se pudé criá uns bois
Daqui num quero vortá,
Aqui é o meu lugá.
Aqui eu posso vivê
Num mi importa nem morrê
Coração pacificá!


Medi as terra prás pranta
Uns dois arquere bastava
Mais ainda percisava
Pois qui sozim num se canta
A vida boa é qui encanta,
Cavalo bão num dá coice
Vô percisá duma foice
Inxada e otros petrecho,
Eu vô vortá lá prus trecho,
Vê si o véio num se foi-se

Dispois de tê caminhado
Prás banda que eu cunheci
Num negóço me perdi,
No lugá do véio calado,
Um hôme disingonçado
Cum uma fuça isquisita
Istranha aquela visita
Umas simente, capim,
Espaiáva bem ansim,
Naquelas terra bunita.

Eu reparei nu sujeito
Era dos mau encarado,
Um sujeto disgramado,
Queria punhá defeito
Nu qui o véio tinha feito!
Num gostei daquele fato,
Escundido lá no mato,
Isperei ele saí,
Poco dispois foi qui vi
Pru riba lá dum regato

O véio táva vortando,
Cum a carma que Deus deu
Divagá apareceu...
Logo fui prele contando
Falei sem nada ocultando...
O danado deu risada,
Munto brigado, di nada
Eu istranhei tanta carma.
Me disse: é uma pobre arma
Qui véve disisperada.

Cumo num sabe prantá
Arroiz como eu prantei,
Ará cumo eu já arei,
Gosta ansim misturá
Uns capin nos arrozá
Prá móde me confundi
É ansim dês qui nasci,
O pobre num tem respeito
E nunca mais vai tê jeito.
Ele vórta sêmpe aqui!

Már sabe o pobre coitado
Que num dianta fazê mardade
É só tê tranquilidade
Que nunca vai dá errado
É isperá os prantado
Crescê qui num tem pobrema,
Dispois arrancá os mato
Qui os dois nunca faiz trato,
No ovo tem crara tem gema,
Isso num dá nem dilema!!!

Ansim minha prantação
Todo esse meu roçado
Toda veiz que ele é prantado
Sêmpe a mêma confusão
Má num tem pobrema não.
Tudo fica bem ansim,
Fica tudo bem pra mim
Quem num sábe nem prantá
Num dianta misturá
Os arroiz cum os capim!


Tempos de Criança

Tempo da minha inocência
Sonhava com meus quintais,
A vida não dá clemência,
Os tempos não voltam mais

Hoje minha impaciência,
A falta total de paz,
Vida virou penitência,
Voltar; quem dera capaz!

Os meus dias de reinado,
Soltando pipa e pião,
Todo bem que está guardado

Nunca mais os terei não!
Tempo feliz do passado,
Me maltrata o coração!


Bruta
A dor se anuncia bruta,
Dor cruel que me destrata
A vida merece essa luta
Os brilhos desta cascata

Do meu peito colho a juta
Que plantaste, dor ingrata.
Tuas mãos, triste batuta,
Embrenham na minha mata.

A dor que fora primeira
Fez descanso no meu peito
Minou minha vida inteira

Não restou nem o direito
De buscar a companheira
Que me deixe satisfeito...


Tiras
Do mar o belo marulho,
Nos olhos da cobra verde
Meu peito carrega entulho
Quero descanso na rede

Da vida, tanto barulho
P’ra nada. Nunca mais hei de
Tentar um novo mergulho.
Água me basta p’ra sede!

Basta de tantas mentiras
Nunca mais me diga nada
Coração? Deixaste em tiras!

Minha voz anda cansada
De tanto destilar liras
Deixadas por minha amada!


Coração
Amor que fora nostálgico
Dói no meu peito cansado
Resto aqui, me quedo antálgico.
Coração desesperado

Batendo sobrevive álgico
Não lhe restará nem fado,
Latejando vai nevrálgico
Vai, por tuas mãos, cortado!

Coração quem dera fosse
Mais forte rígida rocha.
Mas, sensível, bate doce...

Coração nunca mais ame!
Não acenda mais tal tocha,
Nem deixarei que reclame!


Coronéis
Teus olhos doces, tão mágicos
Trazem dores que não sei
Passaram momentos trágicos
Desta vida, cruel lei.

Negaste tantos escândalos
Não fora culpa do rei!
Foram tantos esses vândalos
Em teus olhos me acabei

Não quero pedir desculpas
Não as tenho nem as quero
As procuram com tais lupas...

Neste mundo me cratero!
Tanto sangue foi jorrado,
Deste povo desgraçado!



Novos Anjos

Disfarçando santidade
As vadias se vingaram
Rainhas da iniqüidade
De santas já se postaram

Matam,sangram de verdade
Nada mais aqui deixaram
Os restos desta cidade
Os olhos arregalaram

O pobre trabalhador,
Acoitado não sabia
Que essa mão que finge flor

Sempre foi a que batia
Quem tão “puro”, “doce” amor
De nosso sangue nutria...


Pobres Hemácias
Noite escura já renasce
Nos olhos de quem chorara
Vampiros portam disfarce
Destruindo quem sonhara

Nunca mais a mesma face
De quem sempre se enganara
Antes que a vida encontrasse
A noite podre acordara...

As mãos que tanto feriram,
Ressurgidas com violência
Nossas entranhas abriram

Vomitaram tais falácias,
No horizonte ressurgiram
Pobres das nossas hemácias!


Escarradeira
Esperança adormecida
Esquecida noutro canto
Pobre semente da vida
Tentam roubar teu encanto

De novo pedem guarida
Os que trazem desencanto
A manhã se vai perdida
De novo raiará pranto...

Nos olhos da sertaneja
Todo verde amarelou
O sonho, doce peleja,

No pesadelo voltou
A mansa boca que beija...
Escarradeira virou!


Velhas Aves de Rapina

Velhas aves de rapina
De volta querem carniça
A mesma mão assassina
Vestindo velha cobiça

Destruindo doce sina
Se finge pobre noviça,
Donzela, mansa menina
A prostituta que atiça!


As velhas aves canalhas
Procuram seus velhos ninhos
Invés de roupas, mortalhas...

Se fingem de passarinhos
Seus bicos, podres navalhas,
Na carne dos pobrezinhos!


Banquetes
Tantas histórias que forjas
São falácias sem perdão
Na súcia dessas vis corjas
Recendendo podridão!

O crime sempre compensa
Se ele for muito bem feito
Pra quem tem ao lado, imprensa
Todo roubo é seu direito.

Escondidas as verdades
São mostras deste retrato,
Um velho poço, maldades!

Poder genético, inato...
Pobre gente, tais saudades,
Banquetes pro velho prato!


Os vendilhões
Entregarás o que resta
Eu bem sei do teu disfarce
Quem, desde origem não presta,
Nem precisa mudar face

Novo nome nunca empresta
Valor novo que me embace
Canibais vivendo em festa
Nada mais há que embarace!

De tudo que foi roubado,
Vendido sem compaixões,
Muito pouco foi deixado...

Velha corja de ladrões
Nosso templo violado
Voltarão tais vendilhões?


Procura
Ter procuro pelos rastros
Que deixaste em teu caminho...
Velhas bandeiras e mastros,
Noite cai bem de mansinho

Olhando todos os astros,
Perseguindo teu carinho.
Os teus braços alabastros,
Não quero mais ser sozinho!!!

Volta, imploram os meus dias
Quero teu corpo no meu
Reviver as fantasias

Nunca mais pude sonhar!
Ilumine, pois, o breu!
Não cansa te procurar!


Desencanto
Cansado desta viagem
Procuro pelo recanto
Espero tal estalagem
Nunca encontro... Desencanto!

Mas penso logo: é bobagem!
Logo terei esse canto...
Mas nem sombra nem aragem!!!!
Só a lua como manto!

Passam noites, morrem dias
Correndo, nunca mais param
Minhas noites são tão frias

Para a morte me preparam...
Onde poderei descansar?
Me apontas, fria, o luar!


Verdes Campos
Nunca mais terei os prados
Onde a vida foi feliz
Meus dias tão machucados
Minha sorte, meretriz!

Onde foram rosas, cardos,
As flores nunca mais lis
Meus ermos estão cansados
Esperança pede bis!

Mas nunca mais retornei
Aos verdes campos que tive
Por tantos mundos errei

Algozes noites cercaram,
Tal fantasma sobrevive...
Os campos já se secaram!


Olhos Tristes
Meu amor espera o sol
Sol que nunca mais veio...
Amor louco girassol,
Preparando um novo esteio

Nada encontra em arrebol
Coração desfere seio
Virando nova ilha, atol!
O sol é pão e centeio...

Tristes olhos querem ver
Onde pode sol nascer
Se tal sol nunca mais brilha...

Nos céus procuras a trilha
Onde mais pode esconder
Os olhos de nossa filha?


Comunhão
Me fizeste mais voraz
Nas cordas deste meu pinho...
A porta aberta mordaz
Na morte certa, sozinho...

Instigo mas incapaz
Tanto sangue, tinto vinho!
No teu norte peço paz
Sou vasto, pequenininho!

As hóstias que me negaste
Nesse divórcio que tive
Cicatrizes, me marcaste.

Sou gado, vivo sem cerca;
Não há força que me prive
Nem distância que se perca!


O Meu Pastor sabe que eu sei...
Monopolizaste Deus,
Teu escravo e teu Senhor.
Os meus pecados são meus
Nunca foste protetor.

Meus dias não são ateus
Não conheces minha dor
Tais poderes não são teus
Nem é luz sequer calor!

Queres traficar perdão!
Impossível te conter
Queres ter a primazia!

Não quero essa comunhão
Sou do Pai, um qualquer ser.
Me dás noite e quero o dia!


Abandonado com estrambote
Abandonado... partiste.
A saudade, minha herança!
Estou só estou tão triste...
Morte encontro na lembrança...

Abandonado... Nada existe
A noite mais fria avança...
Só meu coração insiste
Do que resta em mim, aliança!

Horas passam, dias voam...
Fico cada vez mais só..
As aves não mais revoam.

Até morte, companheira,
Me deixou, não teve dó...
Te procurei vida inteira...

Mas me deixaste sozinho,
Aqui espera teu ninho,
Retorna meu passarinho!


Solidão

Tens tal riso soberbo e doentio
Irônico delírio te faz corvo...
Espalhas tempestades, vento, frio...
És nada mais que resto, é um estorvo!

Caminhas pelos becos, és o nada!
Estes teus olhos, serpe, envenenados...
Viperinos teus dias, desgraçados.
És um cancro vivendo em derrocada!

Não te quero, jamais te suportei.
Tuas presas falseiam e devoram
Rastejas, se preciso burlas lei.

Pútridas tuas garras se descoram,
Voas liberta. Agouro e podridão!
Abutre que retalha o coração!


Serpe
Nos teus dentes, velhas presas,
Masmorras do pensamento.
Minhas mãos atadas, tesas...
Sopras tal qual manso vento,

Mas disfarças! Sem franquezas
Devoras, venal tormento.
Não te quero restas mesas!
Representas desalentos!

Não me permito sonhar
Com falsas melancolias.
Nem te busco brusco mar

Partícipe de bacantes.
Enegreces claro dia
Mortalhas de diamantes!


Clones e Verbos
Sonhei com clones e verbos
Absinto, porres homéricos!
Olhos miravam soberbos.
Medos se tornaram tétricos!

Nunca mais foste vestal,
Apenas fingias riso.
Abarcas velho sinal
Perdeste senso e teu siso...

Imbatível, gladiavas
Os carpos quebravas todos...
A noite que imaginavas

Aspergida nesses lodos!
Cáspite! Podes sair
A tarde ainda há de vir!


Sentinelas
As esparsas sentinelas
Não cuidavam da senzala
Escapavas nas jinelas
Saltavas espessa vala

Cortavas nas fivelas
Essa dor nunca me embala
Uma orada mil capelas
Suspendem meu sono e fala!

As sentinelas não viram
As horas que passei lá;
Velhos fuzis não atiram,

A morte nunca dirá
Tal ermo foi conquistado
O meu mar foi navegado!


Cantilena
Nas cantilenas da frota
Corsário perdi sentido
A faca que cega corta
Nas noites tolas do olvido

A boca que sempre entorta
No meu vale vil pedido
A hora do teu bote, morta
Meu barco já vai perdido...

A farpa que considero
Escarpa que não pulei
Na boca da noite, fero...

Quem sabe nunca seria
O que enfim, nunca sei
Já verei raiar o dia!


Vai Maria
Vai Maria, traga o pão
Poesia sei não traga
Se não tiver teu perdão
O resto tudo não paga

Se faz bem ao coração
Todo carinho me afaga
Só te peço uma canção
Na ponta da faca adaga...

Num verso mais desperto
Nada mais serei, ao certo
Se não for minha saudade

A vida traz claridade
No barco que sei por perto
Meu mundo cruel deserto!


O Retorno dos Párias
Tais tentáculos são vis
Ignóbeis amortalhados
Carnívoros bem servis
Carniceiros espalhados

Da esperança meretriz
Resgatam velhos safados
Nova saga tola atriz
Viperinos desgraçados!

Esgarçaram a bandeira
Venderam toda nação
Os reis dessa bandalheira

Esgotos em podridão
Tentam de qualquer maneira
Retornar escrotidão!


Carniceiros
Nos meus versos teu reflexo
És o fim desta jornada
Não tendo caminho ou nexo
Traficas velha maçada

Nas ondas do teu complexo
Tudo carta já marcada
Ns vergastas sem ter sexo
Minha dor costa lanhada

Vives de nossa carniça
Respaldas as safadezas
A morte tens por cobiça

Castas de tal realeza
Abismas nossos desejos.
Escarras e finges beijos...


Mordazes
Lírica nossa matina
Dores que não me desfias
A morte que desatina
Somente nela confias

As vagas velhas ladinas
São os restos que fias
Escapaste das latrinas
Escarras nas minhas pias...

Formas velhas senzalas
Esperas pelo defunto.
Destruindo minas salas

Nas portas desta fornalha
Estou distante conjunto
Morte dispensa navalha!


Caatinga
Pútridas nossas manhãs
As vésperas de tua morte
Sem vida sem amanhãs
Dispensas toda essa sorte

Minhas vidas bastas, vãs
Vasculho pelo meu norte
As dores e noites cãs
São raios de fino porte.

Não faço minhas palavras
Nem forjo minha cantiga
As mortes traduzem larvas

Minha companheira antiga
O que pesei foram parvas
As urzes dessa caatinga!


Draga
Meu Pai não te peço ajuda
Já por demais te pedi.
Mas ao pobre vê se acuda
Seja paraíso aqui

Não basta um galho de arruda
Nem tudo que já perdi.
A roupa que veste e muda
Desde o dia que nasci...

Vastas as tempestades
Várias as brutais cizalhas
Trastes são veleidades

As podres velhas canalhas
Nos dentes trazem adaga
Os devoram velha draga!


Castas e mantras
Castas e mantras, discorres
As postas expostas sangrando
As bocas, as tocas porres
Nas hóstias hostes passando

Nas tumbas, as lufas, morres
Os restos, as rotas vagando
Carpas, percas, escorres
Mudo, imundo naufragando


Mas meus mastros e matizes
Mês a mês mestres e bruxos
Cartas, cotas e cartuchos

Atos egos e atrizes
Citras cítaras e cânticos
Roma amor romã romântico!


In vino veritas
In vino veritas sei
Nas orlas deste oceano
Nos reinados puro rei
A morte me traz seu plano

E se resta o que sonhei
Não me trazes mais engano
O que me exorcisa, lei
É leve vai soberano...

As tropas estropiadas
As pias mãos santificas
Urtigais mães acoitadas

Nada mais contigo implicas
Nas obras glorificadas
Joelhos com torpes plicas...


Aves
Quando me trazes certeza
Te nego podre verdade
Travestido de pobreza
Quem fora par da saudade

Impedes toda beleza
Com viço desigualdade
Repare naquela mesa
A vida quer sobriedade.

Vesperais carnificinas
Vestais que são ledo engano
Nas portas das oficinas

Não redundam outro plano
Estripam pobres meninas
Secaram todo o oceano!


Ferrão
Aferi tua centelha
Nas pobres vilas favelas
Tua morbidez espelha
As carnes poucas, magrelas

E ferroas, vil abelha
Toda carne que despelas
A terra toda avermelha
Tão sanguinário martelas

Nas bocas esfomeadas
Teu ferrão não perde tempo
Não permite contratempo

As patas enlameadas
Buscas âmago e devoras
No matadouro das horas...


Fotografia
Guardei a fotografia
Numa gaveta do passado
Passei toda fantasia
Esquecido aqui, do lado

Meu canário meio dia
Nunca mais foi retocado
Esqueci a poesia
Naquele velho sobrado

Na rua da solidão
No beco desesperado
Nas portas dessa paixão

No sertão enluarado
O resto deixo de lado
Estraçalha o coração!


Falsa idade
Li teu nome no jornal
Achei tudo uma bobagem
Vida jamais foi igual
Precisa nova paragem

Restitui meu carnaval
Fardos de sacanagem
Nesse meu canavial
Não tem ar sequer aragem...

A vida nunca me alisa
Nunca me deu seu carinho
Nas horas que faço brisa

Nas bocas deste selinho
Nos ouros tive latão
Mentiras do coração!


Mantras
Quero um mantra que me traga
Carinhos e mansidão
Que acalente velha chaga
Que traduza teu perdão

Que essa velha dor apaga
Que me faça solução
Que com calma tudo afaga
Carícias de tua mão

Quero mantras que não neguem
Que nunca sejam mortalhas
Que flambeiem a saudade

Que não cortem pois, navalhas
Que todas as plantas reguem
Que me diga claridade


Salmo 3 em versos brancos
Tantos são adversários meus ó Pai!
Multiplicam-se erguendo contra mim!
E tentam me ofuscar a salvação.
Porém Senhor, és meu escudo e glória!
Ouviste meu clamor do velho monte...
Deitei, dormi, acordo e me sustentas!
Não temerei milhares que me cerquem!
Me salves , meu Senhor, dos inimigos!
Feriste-os nos queixos, dentes partes!
Que Vossa Salvação nos abençoe!




Salmo 4 em versos brancos
Ó meu Deus da justiça, ouça o clamor!
Tenha misericórdia: ouça oração!
Tentam converter glória em vil infâmia!
Buscam vaidade e nas mentiras vivem!
Meu Senhor separou quem for piedoso.
Ouvirá com certeza, o meu clamor!
Não pequeis e falais com coração!
Dês então sacrifícios de justiça!
Confieis nesse Pai que é Salvador!
O Senhor nos exulta o rosto e brilho!
Mais que todo trigo e todo vinho
As alegrias em mim, multiplicaste!
Deitarei, dormirei em total paz,
Por que me fazes habitar seguro!


Salmo 5 em versos brancos
Ouça-me meu Senhor, minhas palavras...
Atenda enfim a voz deste clamor!
Na manhã ouvirás a minha voz!
Te farei oração. Vigiarei!
Iniqüidade nunca foi prazer,
O mal jamais habitará teu reino!
Os tais loucos fugirão dos teus olhos,
Odeias os maldosos e a maldade...
Destruirás também os mentirosos,
Os fraudulentos, sanguinários, cortas...
Tua benignidade e t’a grandeza
Permitirão que eu entre em Sua casa...
Me inclinarei no templo, ao teu temor.
Guia-me na justiça meu Senhor!
Endireita o caminho para mim,
Pois não há retidão senão em ti.
Dos ímpios as entranhas são maldades
Suas gargantas são sepulcro aberto!
As lisonjas são feitas pelas línguas!
Que caiam pelos próprios vis conselhos.
Que das transgressões múltiplas se lancem
Fora! Pois contra Ti se rebelaram!
Que se alegrem os que, em Ti confiam!
Se exultem para sempre defendidos...
Que em Ti pois, se gloriem no Teu nome!
Abençoarás justos, Meu Senhor!
E os defenderá com Teu escudo!


Salmo 6 - em versos brancos

Em tua ira, meu Pai, não me repreendas!
Também não me castigue em Teu furor!
Tenha misericórdia de mim, Pai!
Eu sou fraco, me cure meu Senhor!
Até quando meu Pai? Minha alma está
Perturbada! Livrai-a Pai benigno!
Pois na morte, não há lembrança em Ti,
Pois quem te louvará neste sepulcro?
Do meu gemido estou já bem cansado,
Inundam, minhas lagrimas, meu leito!
Meus olhos envelhecem tantas mágoas
Que causam inimigos meus, meu Pai!
Apartai, de mim, iniqüidades;
Já ouviste meu pranto e minha súplica!
Então que se envergonhem inimigos!
E que, enfim, perturbados, tornem antes!

Salmo 7 - em versos brancos
Confio em Ti, Senhor, me salve, Pai;
Me livre então daqueles que perseguem!
E que não despedacem a minha alma
Sem que haja quem a livre do leão!
Se paguei com o mal o pacifista,
Que inimigo consiga pegar a alma,
Minha alma... E que reduza minha glória
Ao pó. Levantai tua ira ; desperte
Por mim, ao tal juízo que ordenaste!
Assim te cercarão, pois, nas alturas!
Julgue-me com justiça e integridade,
Que se finda dos ímpios, a malícia!
Se estabeleça, enfim, os que são justos!
Meu escudo é meu Deus, que salva os retos
De coração! Juiz justo, meu Pai,
Se ira todos os dias. Sua espada
Afiada p’ra quem não se converte!
As setas no arco armado, emparelhado,
Inflamadas irão aos que perseguem!
Desses perversos, dores; pois trabalhos
Conceberam, produzem mais mentiras!
Cavaram poço fundo e lá quedaram.
Sua obra desmorona sobre os próprios!
Louvarei meu Senhor, Sua justiça,
E cantarei louvores ao Seu Nome!



Amor, meu grande amor
Caminhando sozinha pelas brumas,
Teus passos são perfeitas jóias raras,
Meus sonhos traduzidos nas espumas
Por onde passas, tantas noites claras!

Como esquecer, enfim, lindas searas,
Enfeitiçadas pelo teu perfume,
A lua embevecida traz tiaras
Tresloucada, morrendo de ciúmes!

Pelos teus passos, alvos de inocência,
Estrelas radiosas, num cortejo.
Ao te verem passar, pedem clemência
Na natureza inteira, um só desejo!

Em teu corpo permeiam claridades
Roubadas pelos céus desse infinito.
As ondas desse mar, as tempestades,
Nos teus passos professam novo rito!

Quem não soubera ouvir da terra os brados,
Quem não pudera ver: os ventos clamam.
Os teus pés iluminam tantos prados,
As vozes mais divinas te reclamam!

Caminhas simplesmente livres passos,
Quem os vê silencia, fica mudo.
Espelham luz dos céus, tantos espaços..
E representas, nos meus versos, tudo!

Quem me dera saber dos teus desejos!
Quem me dera viver nos teus anseios...
Minhas noites teriam tantos beijos.
Os meus sonhos dormindo nos teus seios!

As noites sem te ter são tão geladas...
Delícias se esvaindo como o fumo,
Tantas vezes sozinhas madrugadas,
Só de lembra-te perco todo o rumo!

Minhas tardes, de pobre caminheiro
Espalham pelos campos toda essa ânsia!
Amo-te e isso é mais puro e verdadeiro!
A cada instante sinto essa fragrância!

Quem me dera saber dos teus caminhos!
Viveria por toda a vida amando!
Quem souber que me conte teus carinhos,
Minha vida seria, enfim, cantando!

Te procurei por todos esses mundos!
Eu já te quis buscar na eternidade!
Meus olhos são tristonhos, são profundos,
Só vivem por viver essa saudade!

Quantas vezes dos meus sonhos, vens surgindo...
Apascentas meus olhos desolados...
Ao lembrar que te vi assim dormindo,
Em tal momento estão ensolarados!

Por tantas madrugadas foi atroz
Os sons que me chegaram pelos ventos...
A porta aberta deixa ouvir a voz
Que me recorda tantos pensamentos!

Na maciez serena dos cabelos,
Na maravilha audaz de tais melenas...
Dessa lã que compõe os tais novelos,
A sensação feliz das noites plenas!

Delicadeza doce dessas pernas,
Na sutileza breve da ilusão!
Os meus sentidos todos, já governas,
Justificas assim meu coração!

Beleza igual, jamais verei em vida!
Em lugar algum nunca mais existe.
A mão macia calma e comovida,
Num gesto mais suave eu te vi triste!

A cada dia vivo perseguindo
Os teus olhos, reflexo irisado,
Teu perfume nobreza, vou pedindo
Aos teus pés num repente apaixonado!

Em teus pés livres belos os contornos,
Flutuas pelos céus, anjo adorável!
Teus sorrisos precisos, meigos mornos,
Refletem tal beleza sempre amável!

Nunca mais poderei te ver angélica
Minhas asas partiram sem saber.
Minha noite revoa psicodélica
Meus sonhos, pesadelos passam ser...

És estilo clareza e velho cio.
Esquentas, acalentas meus enganos
Nas horas mais geladas traz estio.
És parte principal de tantos planos!

A morte sem te ter atinge o cúmulo!
Não consigo descanso sem teus olhos!
Meus versos levarei para o meu túmulo,
Das flores que colhi, diversos molhos!

Não sabes desse amor, nem o pretendo.
A porta que me mostras da saída.
Viver assim parece estou morrendo.
A morte representa toda a vida!

Já não sei de teus beijos minha amada,
Nunca soube nem tive tal coragem...
A porta que me deixas vai fechada,
Por ela penetrando essa friagem...

És meu princípio e fim de toda luta.
És o começo triste da chegada.
Minha vida cruel já vai, se enluta
És a marca final da minha estrada!

Passei por tanto tempo minha história,
Em meio a tempestades mais bravias...
Não me resta sequer doce memória
Nada ficou nem mesmo esses meus dias!

Eu passe simplesmente em teu caminho,
E nada mais seria, nem revés!
Tanta flor que brotando, traz espinho.
A vida me pegou me fez viés!

Nas bordas deste mar, sufocam ondas.
Areia que pisei foi do deserto...
As horas que passei, frias, redondas
Nunca estiveste ao menos nem por perto...

As flores que te dei já se murcharam,
Os partos que pensei foram abortos.
Meus sonhos que sonhei, despetalaram
Os olhos que mirei, são mais absortos...

Não vi nem penetrei a tua entranha...
Resumo minha vida em simples lodo.
Nas mortes que vivi, tu foste estranha
Pois nem sequer fui parte deste todo.

Veneno que tomei já faz efeito,
Tudo embaçado vejo, nada sinto...
O mundo me parece mais direito.
Embriagado tomo mais absinto!

Rodando meu passado e meu presente
Futuro nunca tive e nem terei
A mão da morte sinto, mão tão quente,
Carinho derradeiro me faz rei!

Nunca mais sofrerei a tal desdita
Que te fez tão rainha dos meus sonhos.
Agora ouso dizer: tu és maldita.
Por ti sonhei os sonhos mais medonhos!

Afasta-te serpente não te quero!
Inferno foi herança que me deste.
Cruel destino é tudo que venero
Que morras precipício feroz peste!

Teu corpo profanado pelos vermes.
Necrofágicos seres te possuam...
Jamais terás nenhum dos vários Hermes
Que sonhaste, que os cardos te poluam!

Que esse corpo padeça sem perdão!
Que nas pernas te comam as varizes,
Que apodreçam, em vida, o coração.
Que a morte sempre pinte vãs matizes!

Teus filhos devorados pelo vício,
Que nas pedras tempestas te maltratem...
Que não sobre de ti sequer indício.
Que as cracas e os corais rosas te matem!

A morte se aproxima tudo sinto.
O gosto desse beijo da medusa.
As dores da saudade já pressinto
Calor vai consumindo minha blusa...

Arranco, mais depressa minha vida...
Nos olhos carregados de paixão.
Te peço, me desculpe essa ferida...
E que tenhas, feliz, teu coração!


Ciúmes
Meu amor nos caminhos que tu fores,
Não esqueças jamais de nossas luas.
Das catedrais que fomos, velhas cores;
Das madrugadas bêbadas, nas ruas...

Os castiçais que sempre se acenderam
Nas velas que iluminam nossas noites
Penumbras que jamais nos esqueceram,
As cordas que latejam, vis açoites!

Da sorte que nos nega a fantasia,
Dos cortes que teimamos produzir,
Do parto que fingira essa alegria,
Dos olhos que mentiste sem luzir.

Os pútridos carinhos que me deste.
Nas pétalas murchadas desencanto.
O beijo tão satânico e agreste,
As lágrimas fingidas de teu pranto!

Não deixe que medonhas tempestades
Te levem o que resta deste cais.
Os parvos cantos lúbricas saudades,
As farpas que me deste, Satanás!

Não quero mais profanas juventudes.
Nem bacantes vorazes que me esfreguem.
Negar as tuas podres atitudes
Fugir de tuas mãos antes que peguem...

Não saio deste mar nem que me rogues,
Pretendo tais marés que sempre matam...
Nas ondas que produzem que te afogues,
De teus ciúmes loucos já se fartam!

Pélagos abissais e calabares
Jamais iriam ter tal paciência
Nem santos que profanas nos altares
Nem deuses pediriam por clemência!

Expulsas venenosa companheira,
A sorte que jamais, karma, deixaste.
A dor que me legaste, verdadeira.
Os meus destinos, víbora, mataste...

Não me restam sequer palavras mansas.
A mansidão sugaste num tormento.
Fugir para bem longe de tais lanças
Que rogas contra mim, cada momento!

A vida me negou a doce espera,
O tempo foi cruel, nem pestaneja.
Carpindo minhas dores morro fera,
Nos cânticos de paz, minha peleja!

Rugidos dos felinos assassinos,
Nos uivos de tais lobos na floresta,
Ouvindo na distância, dobram sinos,
A parte purulenta é que me resta!

Das pústulas que herdei, postulo paz,
Nas crápulas manhãs que me restaram.
Um canto certamente se desfaz,
As páginas felizes se acabaram!

Não posso prosseguir a tal viagem...
Não tenho forças perco leme e rumo.
A praga que rogaste minha imagem.
Não tenho nem sequer, eu me acostumo...

Vencido pelas mágoas, vou cansado.
Nem sei se tenho vida ou me desfaço.
As urzes me deixaram seu recado,
A morte vencerá pelo cansaço!

Rapéis nessas montanhas, sofrimento...
Eu mergulho em total insensatez.
A cada passo novo ferimento,
Jamais posso lembrar nem terei vez...

Plutão já me esperando, me traz sorte.
A boca que entreabro já não canta.
O ponto de partida, rumo norte,
Boneca embalsamada não me encanta!

Vestal fingiste, lúbrica te vi...
Nas transparências, tuas belas formas...
O que não conseguiste trago aqui,
Em porcelanas falsas, já transformas!

Tantas moscas bicheiras na tua alma,
Os bernes que me deixas, vil herança!
Nem o diazepínico me acalma.
Nem mesmo a mansidão da contra dança...

Se tento os barbitúricos, me canso.
Dilapidado fico sem caminho...
O que seria sonho nem alcanço
Mergulho enfim num pântano marinho...

Nas profundezas deste pesadelo,
Encontro com serpentes abismais...
Sorrindo, já me mostram como um selo,
A tua garatuja: Satanás!