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Saturday, February 6, 2010

24301

A mágica se faz em verso e prosa
Traçando algum caminho, não sei qual
Aonde se mostrara desigual
A sorte caminheira, tanto glosa

Enquanto se proíbe assim a rosa
Jardim desabitado; num degrau
Chegando neste porto, velha nau,
Por vezes calma e mesmo belicosa

Trazendo o coração, como um corsário
Não tendo no caminho um adversário
Que possa naufragar tal comandante,

Entrego-me ao completo desvario
E o tempo em contratempo desafio
Olhando sem temor sempre adiante...

24300

A lua se debruça nas varandas
E traz em cada raio um beijo ameno
E tendo este fulgor já me sereno
Deixando para trás noites nefandas

E quando em poesia tu desandas
E vestes emoção, o amor é pleno
E neste néctar raro me enveneno
E o coração se entrega às tais demandas.

Arejo-me deveras e desfaço
As sombras do passado, e em cada espaço
Traçando com desejo um novo céu

Girando etereamente a lua emana,
Fortíssima beleza soberana
Cigana que domina e segue ao léu...

24299

Declino-me desta ânsia que tomava
Um velho caminheiro coração
Aonde se moldando esta estação
Do inverno se transborda em fogo e lava,

Enquanto a solidão se desagrava
E o tempo se transforma em negação
Enfrento as tempestades que virão
Abrindo deste céu, porteira e trava.

Arcando com meus erros, eu prossigo
Buscando noutras plagas este abrigo
Que tanto desejara e não sabia

Medonhos temporais, eu sempre enfrento,
Por mais que o tempo esteja violento
Vencendo no final; esta utopia.

24298

Diamantino sonho em que me embrenho
E vejo a eternidade do cristal,
Prismática beleza sendo a nau
Num cais maravilhoso, o meu empenho

E quando a claridade, enfim contenho
Avanço sobre o espaço sideral
E constelar delírio em pedestal
Endeusa o puro amor do qual eu venho.

Explícita razão de minha vida
Uma álgida presença, não se olvida
E traz dentro de si, início e fim,

Por tanto que desejo ser feliz,
E a sorte maltrapilha me desdiz,
Adubo de esperanças meu jardim.

24297

Argentinas delícias, plena lua
Ascendo ao teu brilhar, simples poeta
E quando minha vida em ti completa
Uma alma sem defesas já flutua
E a sorte de viver então atua
E toma de Cupido, a forte seta
O Amor que num amor tem como meta
A mor felicidade, deita nua

A deusa que se faz em raros brilhos,
Vencendo os mais difíceis empecilhos
Chegando ao seu dossel qual fora luz,
Encontro-me nos vértices de um sonho
E quando um verso a ti, diva, componho,.
Dois corpos neste leito, imersos, nus...

24296

Ouvindo; ao longe sons de violinos
Vencendo os vários vândalos vetustos
Aonde imaginara belos bustos,
Versando sobre o verso, velhos trinos,
E neles verifico mais versátil
Vestígio de violas e volteios
Um venerável vate vê nos veios
Avesso ao que envenena, mas volátil.
Havendo desse vão um vago aviso,
Vislumbro candelabros e abro os braços,
Um brâmane se embrenha nos abraços
Da mansidão do mar eu me matizo
Uma ave soltas asas, alça os sonhos
E os dias entre os sons sonham risonhos.

24295

Minha alma se trancando num cubículo
Ocaso da esperança, esboço incensos
Aonde se perderão mais intensos
Deixando para trás qualquer turíbulo
Do quanto imaginara sou montículo
E deste vago nada trago; imensos
Os problemas em dias bem mais tensos
Buscando na Escritura algum versículo

Que possa me ajudar a ver mais claro
O quanto doloroso e me preparo
Usando o mesmo verbo que conjugo
Amar e ser amado, o meu desejo,
E amando no amanhã, busco e prevejo
Um tempo sem senhores, amos, jugo...

24294

Atacas, virulenta pelos flancos
E deixas como herança a mortandade,
E mesmo que em delírios inda brade
Os dias não serão deveras francos,
E esqueces os demônios, velhos bancos
Aonde se sentara a realidade,
E mesmo que tal fato não te agrade
Os dias que virão, trarão pés mancos
A bomba explodirá dentro de quem
Teimando enquanto a morte, ao longe vem
Derrama-se em cascalhos, pedregulhos,
E nada valerão rezas e preces
E quanto mais resistes mais feneces
Na insone alegoria, vãos mergulhos.

24293

Ebúrneo sentimento que se exala
De um sonhador, etéreo navegante
Poeta se desnuda ao mesmo instante
Que toda a realidade invade a sala,
E quando a fantasia ele trescala
O que rege seus versos, delirante.
Aonde se mostra um diamante,
A voz já se embargando nada fala.
Permita-me sonhar, isto me basta
Porquanto a vida em si mesma se gasta
Desgastes que carrego desde quando
Pensei poder soltar a minha voz,
Enquanto o mundo esgota-se feroz,
O sonho; ainda invento, derramando...

24292

Insípidos, meus versos dizem nada
E transmitindo o fim que se anuncia
Negando por si só esta utopia
Que vejo na inclemência disfarçada,
Espero um tempo aonde não se evada
De todo ser humano a fantasia,
Desnudando a verdade numa orgia
Que há tanto se demonstra assim cevada.
Motéis, velhos bordéis e lupanares
Deveras são modernos tais altares
Que agora reproduzem cenas gregas
É claro, uma atração humana e física
Não pode ser somente a dionísica
Mensagem que nos sonhos tu agregas...

24291

Trescalo esta emoção currente calamo
E faço do meu verso forma e lança
Do qual a luz se emana e assim se lança
Envolto na alameda, em ramos de álamo.

E vejo quão mesquinha a pequinês
De um ser que se mostrando assim minúsculo
Transmite tão somente este crepúsculo
Do qual meu canto já se fez

Assombra-me a figura do holocausto
Aonde mergulhara a fantasia
De quem buscando agora uma alforria
Encontra tão somente um turvo infausto,

E vendo que esta sorte me abandona,
Demônios tão nefastos vêm à tona.

24290

Estende-se histriônica loucura
E dela a farta insânia se proclama
Enquanto homem mergulha nesta lama
O pó do qual foi feito e assim procura,
A mão que milagreira traz a cura
Mantendo da alquimia acesa a chama,
Na panacéia feita em treva e drama
Imagem de Satã enfim perdura.
Demônios envolvendo a face escusa
De quem usando Cristo, tanto abusa
Vendendo qual outrora a prima Igreja
Ainda percebendo desse início
A volta do inclemente Santo Ofício
Que é tudo o que esta corja em vão, deseja...

24289

Sacrário da ilusão, a poesia
Entorpecendo aquele que se dá
E sabe, reconhece desde já
Beleza que sem par ela irradia.

Vencendo os desacordos da utopia
O sol que intensamente brilhará
Tomando este cenário, aqui ou lá,
Qual fora luminária; fantasia

Um mundo aonde amor se torne intenso
E quando em teu cantar o medo eu venço
Permito coerente sensação

Tramando um novo cais aonde ancoro
E nele a realidade de um sonoro
Momento feito em música e paixão.

24288

Heróico caminheiro em penedias
Esgarçando em feridas mãos e pernas
As noites que pensara quais lanternas
Invadem e transbordam alegrias

Da forma que talvez já não querias
Por mais que estas palavras sejam ternas
O quanto se deseja e não externas
Mostrando ansiedades tolas, frias.

No alabastrino encanto, belo cisne,
Embora o sol derrame enquanto tisne
O velho caminheiro enamorado,

Cercando-me das luzes que ora emanas
Durante horas e dias ou semanas,
Guiaste minha vida em torpe prado...

24287

Imagem rutilante de um anseio
Que tanto me seduz quanto me agride
Não tendo como apoio tal cabide
A vida que desejo e banqueteio
Deveras entre várias se divide
E trama o quanto quero sem receio
Que amor não se demonstre qual recreio
Enquanto a realidade já regride.
Mesclando tais temperos, vida e gozo
Caminho que procuro, caprichoso
Moldando este soberbo amanhecer,
No verso aonde embalo o meu futuro
O quanto de prazer inda procuro
E vivo tão somente por viver...

24286

Vislumbro da poesia tais lampejos
Que possam me trazer clarividência
Aonde se mostrara a convivência
Supera-se deveras os desejos,

E quanto mais encontro tais vontades
Deixadas pelas ruas sem pegadas
As hordas se mostrando destroçadas
Ainda não conseguem ver as grades

E soltam ao revel qualquer besteira
Falando do que nunca imaginara,
A sorte que se trama, sendo rara
Não deixa que a verdade enfim se esgueira

Proscreve-se o que outrora fora luz
E agora é lamparina e não conduz.

24285

O quase centenário modernismo
Usando esta bengala, pois cegueta
Enquanto não percebe que é cometa,
Comenta os dissabores do lirismo,

E quanto mais arcaico mais achismo
E nisto solto a voz, minha trombeta
Mandado para o raio, ou pro capeta
Quem pensa que o inferno é feito abismo;

E deixa de prosaica palhaçada
Quem sabe faz e não pergunta nada,
É coisa verdadeira e cristalina,

Matar com tal soberba e arrogância
Disfarçando, querido, esta ignorância
Que somente aos imbecis inda fascina.

24284

Não poderia ao menos ter a clássica
Noção do bem estar e conviver
Se tudo o que desejas é poder
Levar a tua vida, assim jurássica.

Ecléticos delírios dizem tanto
Do quanto nada diz quem tudo sabe
Bem antes que este tempo gris acabe,
Ainda posso livre, ter meu canto

E mesmo que tu venhas com balelas
Esconda o teu rabicho de perua,
Uma alma libertária já flutua
Embora em linhas várias, paralelas

Reveja os teus conceitos; caro amigo,
Pois quando tu me falas, nem te ligo.

24283

Milagres se tornando tão freqüentes
Em rádios, em tevês e botequins
Enquanto os meios dizem sim aos fins
Além do que talvez deles te ausentes.

Por mais ainda mesmo o quão te alentes
Imagético arcanjo, querubins
Os resultados sempre tão chinfrins
Permite que se pense quanto mentes.

Não quero misturar sonho e velório
Tampouco me metendo neste empório
Bazares usam Cristo qual nobre isca,

No fundo aventureiros disparates,
Leilão dos quais são almas que arremates,
Pois quem engana mais, tudo petisca.

24282

Aonde se sagrasse a poesia
Em versos com perfeita sintonia
A sorte se mostrara vingativa
E apenas a memória mantém viva
Aquela a quem a musa se daria
Trazendo não somente a fantasia
Nem mesmo uma palavra lenitiva
Que em mera ocasião não sobreviva.
Escrevo o que minha alma dita ou não
Maldita poesia que me doma,
E quando se percebe feita a soma
O tempo traz os cantos que virão,
Porém eternizado o que concebe
E dele a poesia já se embebe.

24281

Infante que vislumbra algum brinquedo
Que tanto desejara e no que quis
Encontra a realidade e se é feliz
No encanto deste tanto eu já me enredo.
E quando noutro espaço eu te concedo
O verso que minha alma em luzes diz
Explode feito um gêiser, chafariz
Num caloroso ardume, esqueço o medo.

E sigo sem demoras nem porquês
E tudo quanto eu amo sei que lês
Cigana traduzindo o que há por vir.
E deixo-me levar por tuas mãos,
A sorte reconhece fendas, vãos
E neles do teu lado, prosseguir.

24280

O olhar que traz à noite tais centelhas
Luares pareados, gemelares,
O amor qual faroleiro erguendo altares
Enquanto em dores tantas, avermelhas
Por vezes na distância tu engelhas
Uma alma de quem tanto ao procurares
Entrega-te nos versos seus cantares
Intenso fogaréu, soberbas grelhas,
E quando estás ausente a noite traz
Grisalhos tons que tomam todo o céu
E aquilo que se fez fogaréu
Apenas leve chama e nada mais,
Aonde te encontrar seguindo o trilho,
O coração audaz de um andarilho
Percebe luminárias magistrais...

24279

Trazendo dentro da alma a luz sombria
De quem por tantas vezes procurava
Aquém deste vulcão, imensa lava,
A noite pouco a pouco já se esfria,
A sorte se traduz melancolia
E enquanto a dor reabre a dor escrava
Uma esperança traz enquanto escava
O brilho que deveras se escondia

Nos dias mais atrozes e mordazes,
O amor que nos teus olhos ora trazes
Adentra vigoroso, e muda o rumo

Nas ânsias desta imensa embarcação
As horas com certezas me trarão
O leme pelo qual enfim me aprumo...

24278

Amor se traz em si tormento e jugo
Não pode ser o quanto procurara
Quem sabe quanto a sorte se faz cara
Suaves fantasias? Delas sugo
Sorvendo cada gota e se me enrugo
Na busca pelo encanto que sonhara
A vida sem saber ao certo, aclara
E a solidão se torna enfim, refugo.

Mesclando as ilusões com a verdade
Enquanto esta incerteza ainda invade
Eu ergo o meu olhar; belo horizonte
Desvendo após a turva tempestade,
Deixando para trás qualquer saudade
E deixo que este sol, surja e desponte...

24277

Trazendo dentro em mim amor e medo
Aonde poderia ser feliz,
Se tudo o que minha alma sempre quis
Condena-se deveras ao degredo,

E quando sem pensar, eu me concedo
Direito de buscar, sorte desdiz
E volta a incomodar tal cicatriz
Eternizando assim, o torpe enredo.

Viesse pelo menos este aroma
Que quando se aproxima e já me toma
Denota a maravilha do teu ser,

Mergulho neste fausto e me inebrio,
Vencendo sutilmente o desafio
Do medo vem surgindo este prazer...

24276

Percebo em vossa face senhorinha
O quão fermosa vida se apresenta
E em vossa majestosa voz aumenta
Beleza sem igual que se avizinha.
Liberto o pensamento, uma andorinha
Em vossa perfeição, a Sorte isenta
Os Fados dirigindo tal tormenta
Servindo-vos de amparo esta avezinha.
Permitem-me sonhar com liberdade
E mesmo que mais alto uma alma brade
Encontra em vossos braços, lenitivo.
Ser-vos-ei fiel dama que trais
Nos olhos esperanças ancestrais
Nas quais e pelas quais somente vivo...

24275

Em tantos sobressaltos adormeço
E vejo quão funâmbulo é o futuro,
Pois sendo a mansidão o que procuro,
Apenas vislumbrando outro tropeço
E tendo a dor que sei mesmo mereço
No quadro quis matizes, vejo o escuro
E nele tão somente me perduro,
E o meu caminho é vão; já reconheço.
E quedo-me defronte à realidade
Que embora em versos fúteis inda brade
Dizendo-me do encanto devedor,
Percebo que somente existe em mim
Os restos do que fora algum jardim,
E o inverno assim se fez destruidor...

24274

Percorro os céus em busca de um momento
Aonde possa enfim saber que a senda
Por onde a magnitude se desvenda
Traria tanta luz na qual me alento,
E vislumbrando apenas sofrimento
O quanto de prazer se encontra à venda
Quitandas nas esquinas, gozos, lenda
O amor se torna então mero tormento.
Num triste e tão terrível, duro empório,
A cada novo tempo o vomitório
Traduz suas bacantes e delírios,
Assim ao fim do túnel, podridão
E loucas rapineiras já virão
Trazendo nos seus bicos, os martírios...

24273

Do sonho em grises cores, profecia
Falando do final, do Apocalipse
A vida sendo apenas um eclipse
Que a cada novo tempo se recria,
Aonde se formando então a elipse
Da qual e pela qual retornaria
O que deveras vida fora um dia,
Mistério de uma divindade tríplice.
Assaz imperfeições, percebo quando
Um Pai que se fez Bom e mesmo Brando
Não pode destruir o que criou,
Se tanto se entregando à criatura
Que busca; mesmo atroz; quem emoldura
O tanto que este Pai já nos amou.

24272

“Derradeiro suspiro de Bocage”
Não foi por suas mãos composto, creio
Que em vós senhora o gozo banqueteio
E nele não percebo algum ultraje,
Usando da palavra como traje
Desnuda maravilha, insano veio
Por onde ao Paraíso chego; sei-o,
Caminho bem melhor do que uma laje.
Entregando-vos decerto meu caralho,
No quão supremo encanto já trabalho,
E tendo em vossa xota esta delícia,
Apenas por tentar vendar os olhos
Dos que percebem cedo quais abrolhos
Traduzem punição desde as primícias...

SOBRE VERSO DE MARCOS COUTINHO LOURES

24271

Vibrante sensação, amor que trago
E dele faço o mote pelo qual
A vida se mostrando sem igual
Permite da emoção, suave afago,
Enquanto deste sonho eu já me alago
E bebo da esperança, um ritual
Trazendo no seu bojo o triunfal
Caminho sedutor, tranqüilo e mago.
Alquímica promessa, a panacéia,
Esbanja maravilhas; traz a idéia
De eternidade ao homem que se entrega
Vencendo assim até o próprio tempo
Por mais que havendo espinho e contratempo,
Enfrentando procela, o amor navega...

24270

Palavras ditam tantos sentimentos
Traduzem emoções, diversas luzes
E quando ao farto amor tu me conduzes,
Esqueço dos terríveis pensamentos.
Não posso me entregar aos sofrimentos
Que em tantas dores tramam, mas reluzes
E neste refulgir não vejo as urzes
E bebo da alegria, sem tormentos.
Alentadora voz já se levanta
E traz abençoada esta garganta
Que evoca a maravilha feita Amor.
E quando te percebo mais presente
Encontro esta palavra que apascente
Trazendo o quanto em brilho irei propor.

24269

Senhor; apascentai meu coração,
Em tantas tempestades, Vos anseio
E busco em Vosso amor um rumo, um veio
Que possa traduzir a redenção.
Fazendo do meu verso uma oração,
Encontro em Vós, Meu Pai que em homem veio
Mostrar que a vida aqui é só um meio
De se encontrar as glórias que virão.
Não quero Vossa imagem em dor e cruz,
O ressurreto Deus, Senhor Jesus,
Amigo que presente está e traz
A mansidão que a Vós, Senhor nos guia
Eternidade feita em alegria,
Caminho pelo qual se encontra a paz.

24266

Tombando sobre o caos que se apresenta
Debaixo dos meus pés, tal precipício
Que desde seus primórdios, medo e vício
Transborda em tempestade violenta
Assim a humanidade se atormenta
E busca a cada dia outro reinício
E sendo aquém do sonho morre; disse-o
Senhor que nos criou a alma se alenta

Na eternidade feita em luz extensa
Além de uma promessa, a recompensa
Buscada por quem sabe que o Amor
Somente, e tão somente é quem nos guia
Trazendo à realidade a fantasia
E nela já se vê o Redentor...

24268

A luz que se emanara destes círios
Trazidos por fiéis em procissão,
Olhando para a frente, a imensidão
Expondo desde sempre os seus martírios.
Aonde se pensara em rosas, lírios
A vida não transforma a direção
E dela novas vidas mostrarão
Além do que foi feito em vãos delírios.
Ascende-se a fogueira da esperança
E dela se permite crer no eterno,
Aonde um mundo manso, belo e terno
Uma alma caridosa sempre alcança.
Remendos pela vida afora trago,
Porém no arrepender-se creio afago.

24267

Imagens se compondo em poucos versos
Permite que lapide o que quiser
Podendo ter nas mãos um ser qualquer
Cabendo nas palavras, universos.
E quando se percebem mais dispersos
Os rumos que buscara e o que vier,
Na angústia de quem cria; um esmoler
Que anseia por destinos tão diversos
Somando-me ao vazio que ora vejo
Desdenho desde sempre o meu desejo
E caço as ditas Musas e transcendo.
Além do ser finito que ora sou
A voz que a poesia eternizou
Recebe de quem lê; seu dividendo.

24266

Um bosque sempre em flor? Pretendo e quero
Embora seja apenas uma imagem
Tornando mais suave esta paisagem
De um mundo tão amargo, duro e fero.
Na lírica ilusão não me tempero,
Porém percebo nela que a viagem
Tornada mais tranqüila, mais que ultrajem
Os dias; as verdades; fujo. Austero.
Apenas um poeta e nada além
Do quanto se fez sonho em verso e tom,
Porém amor e paz, não sendo um dom
Diversa realidade já contém
Aonde poderia ser liberto,
A fonte se transforma num deserto...

24265

Sossega coração que o trem já vem
E apita, maquinista da saudade
Deixando para trás a ansiedade
Numa estação buscando por alguém

Que além de ser aquela a quem meu bem
Deseja com vontade que inda agrade
Mudando vez em quando de cidade
Encontro este passado e sigo aquém.

Acende esta fornalha, coração
E bebe das estrelas que virão,
Pois nelas encontrando o seu caminho

Não tente de surpresa dar seu bote,
As belas fantasias; inda anote
E não será decerto mais sozinho...

24264

Cantasse com lirismo a flor e o vento
Canteiros onde outrora em framboesas
Vestindo estas românticas belezas
Amor cumprindo sempre o seu intento
E quando noutro campo, o pensamento
Envolto por anseios, diz levezas,
Esbarro nas eternas correntezas
E mesmo em fúria intensa; enfim, me alento.

Esqueço do vigor da vida em si,
E traço cada passo que perdi
Usando a maciez com que se lavra
A terra este campônio e a maestria
Poética que o verso fantasia
Liberta, sem senhores, a palavra...

poesia

Aonde mergulhar
O quão sou
O não fui
E o jamais teria
No pélago
No pântano
Ou quem sabe
Na poesia?

24263

Aonde se imagina a cordilheira
Envolta eternamente em gelo e frio,
O coração de um tolo segue esguio
Moldando da maneira que bem queira
A imagem de uma força verdadeira
À qual já me entreguei, e que desfio
Na vida rotineira, enfim, me guio
Trazendo a mansidão qual mensageira

Do imenso amor que move quem nos dando
A vida num eterno encanto; um brando
Pastor que comandado vil rebanho
Percebe quanto insólita a criatura
Que presa aos seus instintos vãos perdura
Refém deste animal que em mim apanho.

24262

Uma uterina força move o mundo inteiro
E dela se oriunda o gozo e a dor,
Não creio nesta história. O Criador
Da paz e do perdão, um mensageiro

Expondo num cantar mais lisonjeiro
A vida como fosse algum louvor
Estampa em plenitude, este vigor
Além da opinião de um rapineiro.

Esboça-se a verdade feita em luz,
Bem mais do que os mistérios de uma cruz
Ao qual há tantos anos mostra fixo

O olhar da humanidade que só vê
Aquilo que deveras quer, por que
Jesus jamais foi mero crucifixo.

24261

Ao ver a ponta deste gigantesco
E pavoroso monstro: um iceberg
O olhar de um frágil ser ao alto se ergue
E vendo este tormento tão dantesco
Na criação bucólica do afresco
A mão de um grande artista se soergue
E traz a imensidade como albergue
A um ser deveras ínfimo e grotesco.
Mas eis que vejo os olhos da pantera
E matando decerto degenera
Esta obra-prima feita em claridade,
Depois de destroçar, tal criatura,
Ainda segue em vão e quer, procura
Após tal vilania a eternidade...

24260

Um Ser que se tornando onipotente
Se expressando princípio, meio e fim
Reflete a eternidade? Pois assim
É tudo o que minha alma quer e sente.
Revolto mar aonde se pressente
A tempestade imensa de onde vim,
Trazendo o que buscara dita enfim
O quanto do total se mostra ausente.
Mas creio neste Pai Eterno e bom,
E a vida se transforma noutro tom
Somente pela fé que em luzes move,
Entrego-me deveras ao poder
Do Amor que ternamente posso ver
Quem crê já nem mais quer prova dos nove.

24259

A força que deveras já se expande
E toma toda a cena, falso guizo,
Aonde se fizesse mais preciso
Não tendo um coração deveras grande
Mesquinharia tanta; não se abrande
O quanto me restando: prejuízo,
E sendo na verdade o que cotizo
O tempo sem ter tempo que demande

Esgota-se num átimo; percebes
O quanto nos perdemos noutras sebes
Inúteis e deveras enganosas.
Aonde imaginava meu canteiro,
Abrolhos e daninhas por inteiro
Matando o que talvez trouxesse rosas...

24258

Aonde quer que o tempo se transforme
Num vago e destemido cavaleiro,
Fazendo de um calvário verdadeiro
Um rito fragilmente tão disforme.
Por mais que esta rotina nos deforme
É dela esta verdade à qual me esgueiro
E bebo deste sonho por inteiro
Embora a vida acorde e já me informe.

Amante quixotesco do passado,
Mergulha dentro em si e nada ao lado,
Sabendo que afinal; inda persiste
Somente por motivos que não sabe,
Mas antes que este sonho em vão se acabe,
Não quero ser conforme sou, tão triste...

24257

Enquanto em cores frágeis, vida tinge
Os rumos deste bêbado que, insano
Ainda se mostrara soberano
E nada do que outrora quis, atinge.
O próprio mundo; imensa e vasta esfinge
Do qual por vezes tolo, ainda ufano,
Traduzindo o descrédito em algum dano
Qual fora um bom poeta, sempre finge.
E apenas se mostrando esta heresia
Que a cada novo tempo fantasia
Humanidade em busca de respostas,
As mesas não mais fartam quem procura,
E encontra tão somente esta amargura,
Erguida por verdades decompostas.

24256

A vida sempre foi grande mistério
E nele sem respostas eu prossigo,
Aonde poderia ter abrigo,
Não vejo coerência nem critério
Por mais que a dor aplaque e amanse; espere-o
Verás tranquilamente onde prossigo
Voltando-me deveras ao perigo
Embora queira um rumo mais etéreo.
Navego pela insânia do não ter
E mesmo ainda resta algum poder
A quem se fez apenas turbulência.
E quando encontro alguma sensatez,
Imensa realidade já desfez
O que pensara vida: álgica; vence-a!

24255

Seguindo qualquer brilho de algum astro
Que possa permitir a claridade,
Enquanto a treva amarga já me invade,
Em plena turbulência em vão me alastro
E quando procurara ter um lastro
Somente me restou dura saudade,
Ausente de meus olhos realidade
Futuro desde já, qual tolo eu castro.
E quando ainda espero alguma luz
A noite se nublando reproduz
O que dentro de mim vida apresenta,
Negando a própria sorte, sigo assim
Na busca interminável pelo fim,
Em meio à negritude turbulenta...

24254

Qual fora um tenebrário em tempo escuro
Aonde não se vê além de si
Procuro esta esperança que perdi
E nesta inútil busca já perduro

Aonde se pensara um alto muro
Impede que se chegue aonde eu vi
Que tudo se mostrando como eu cri,
Atravessando um campo árido e duro.

Assalta-me a vontade de parar
Deitando sob as sombras, mas luar
Implícito poeta se desnuda

E enquanto mergulhado em infortúnio,
A imensa claridade em plenilúnio
Em pleno temporal, a rota muda.

24253

Ouvindo a tua voz que ainda ecoa
Em ressonância imensa dentro em mim,
Recordo cada noite, tudo enfim,
Uma alma se perdendo, segue à toa.
A vida do teu lado era tão boa,
Porém a nossa história tendo fim
Dizendo do vazio de onde vim
Do claro amanhecer já se destoa.
Espero poder ter tua presença
E tendo que deveras me convença
De um dia ser plausível tal ventura,
A noite se tornando em lua cheia
Minha alma em pleno inverno se incendeia
E encontra finalmente o que procura....

24252

Utópicos caminhos desvendados
Ou mesmo tão somente simples lenda
Por mais que a realidade nos atenda
Espera-se bem mais que nossos Fados.

Os dias entre névoas ou nublados
No desabrigo interno a mansa tenda
Nos olhos, mascarando feito venda,
Momentos de ansiedade relevados.

Assim nosso futuro a quem pertence?
Aos pés do caminheiro, a alma convence,
Mas quando em intempéries já se lança

Após a surpreendente luz sombria,
Ao fim do que nos resta só nos guia
A leda, mas fantástica esperança...

24251

Por tantas vãs angústias eu desfilo
O verso sendo uma arma que me resta,
E mesmo quando vejo mais funesta
É tudo o que permito; um mero estilo?
Do exílio em que me encontro desopilo
Uma alma tão inquieta já se empresta
Ao que talvez se mostre no que gesta
A vida num momento até tranqüilo,

Porém numa diversa inquietude
Por mais que a teosofia ainda ajude
Ao fim de certo tempo não sacia.
Hedônica resposta, o mundo expõe
E quanto mais exposto decompõe
O que será verdade ou fantasia.

24250

Orgânica matéria e nada mais,
Da decomposição a vida é feita
E nela só por ela, se refeita
Permite a eternidade que alentais.
Em vossas caminhadas, os jograis
Trazendo uma alegria, mera e aceita
Qual fora até parece quase seita,
Estúpida quimera de animais.
A cada dia mais me esgarço e vejo
Que apenas me sobrando um vão desejo
Ao fim não terei nada, sombra fria.
Um sonho eclesiástico ou mundano,
Deveras quando penso eu já me engano,
Uma alma perpetua; ou se esvazia?

24249

De tudo o que mais crês sou simulacro
Da vasta e mais cruel incoerência
Se eu tenho em minhas mãos, mera potência
Os olhos à verdade então eu lacro.
Aonde imaginara puro e sacro,
Mentira se desnuda então; convence-a,
Embora reconheça t’a inocência
Acrosófico olhar do micro ao macro?
Ao expor a nudez de quem não crê
E sendo assim não tendo nem por que
Tentar continuar em marcha lenta
O que se fez em dúvida; um cometa?
Por mais que no vazio eu me arremeta,
Uma esperança ainda é o que me alenta...

24248

Angústias da efeméride da vida
Arcanas ilusões que nos guiavam
E agora tão somente ainda travam
Do labirinto frágil, a saída.
Do quanto não se sabe e se duvida
Os medos que deveras habitavam
E ainda nestas águas turvas lavam
Matéria aos poucos vã e apodrecida.
O verbo se transforma, mas o medo
Que ainda trago vivo e aqui concedo
Percebe-se sutil e quando invade
Não deixa mais respostas nem talvez
Por que, para onde e quando isto se fez
Existirá depois a eternidade?

24247

Atordoante luz que assim se emana
Dos vértices sombrios do meu sonho,
E quando novamente me reponho
A sorte se mostrando mais profana
Acuso-me e deveras a alma engana
E a cada dia mais me decomponho
Chegando ao final ao ser medonho
Exposto em galeria tosca, insana.
Assento-me defronte uma lareira
Escrita que descreves estradeira
Mergulha neste ocaso solitário.
E ao ver o descaminho em que se faz
O tempo que julgara mais capaz
Encontro este vazio então; prepare-o.

24246

Se enquanto rimos mesmo até de nós
Estamos na verdade em vã defesa
Por mais que se prepare, pobre presa
Jamais escapará; fúria feroz.
O corte se mostrando mais atroz
E embora disfarçado de beleza
O sonho se levando em correnteza
Não deixa com certeza, nada após.
Escassos os momentos de prazer
E neles, só por eles posso ver
O verso mais suave que me acalma.
Mas sei do turbilhão que existe em mim,
E mudo do princípio chego ao fim,
Mascaro o que em verdade trago na alma.

24245

Nascido dentre limos, lama e esgoto
Se eu tenho neste olhar um pantanoso
Caminho que se mostre audacioso,
E vos pareça mesmo um semi-roto

Dum arvoredo edênico sou broto
E tramo muitas vezes o ardiloso
Desnível feito em pedra, prego e gozo
O arcaico coração, velho garoto

Se expressando jocoso e tão satírico,
Quando querias ritos mais oníricos
A realidade trago, um misantropo.

Que das estrelas foge, busca o não
E nele tais vazios que virão
Até chegar o abismo ou mesmo ao topo.

24244

Diatribes proferidas sem que o nexo
Permita uma defesa, pelo menos,
Aonde imaginei serem amenos
Os dias se envolvendo em ar complexo.

Se, às vezes ao silêncio então me anexo
É por tentar momentos mais serenos
Ausente dos furores e venenos,
Ataco-te? Deveras por reflexo.

Se as formas são audazes e execráveis
Os dias não serão aproveitáveis
E tudo se perdendo em vão, por isso

Na ausência muitas vezes mais aprendo,
Não quero do teu ermo ser adendo,
Tampouco a glória em vida, o que cobiço.

24243

Aturdido, imagino uma esperança
Que possa desta fúria trazer paz
Sabendo desde já não ser capaz
A voz sobre o vazio então se lança
O corte se aprofunda, a dor avança
E tudo parecendo pertinaz
Até o gargalhar cruel; mordaz
Que a cada novo tempo chega e alcança
O velho coração de um marinheiro
Cansado de lutar contra as procelas
E quando a realidade, me revelas
E desta intempérie eu já me inteiro
Percebo o meu valor, um simples nada,
Uma alma pelo corpo abandonada...

Friday, February 5, 2010

24242

Extrema-Unções da Terra que agoniza
Hereges cidadãos a fome espalham
E quando nestes pélagos trabalham,
Aguardam de um Inferno mansa brisa,
A voz que sobre todos nos avisa
E os homens, nada ouvindo, nisto falham
Estranhas esperanças já se empalham
E o mundo sem saber; Demo matiza.
A carne se apodera, e sem Razão,
O instinto prepondera e tudo é válido,
Aonde se pensara ser mais cálido,
O gozo prometido em explosão
Esbalda-se em sarcasmo, vil Satã
E a vida, sem sentido, segue vã...

24241

Sacrários entre trevas, párias, súcias
Aonde se pudera crer no eterno,
Apenas adivinho o imenso inferno
Imerso nos delírios e pelúcias.

Momentos cruciais atravessando
A tosca humanidade em plagas farta,
Enquanto desta sanha não se aparta
As sortes se esparramam, torpe bando.

Austeridade invés de prepotência
Soberba dominando cada ser,
E dele já se emana um vão prazer,
E nele toda a nossa incompetência.

Assim ao ver Satã se erguendo aos Céus,
A Terra se envolvendo em turvos véus...

24240

Aonde em níveas luzes vi a lua
Deitando sobre as tendas e castelos,
Momentos que decerto são tão belos,
Uma alma sobre a imagem já flutua
E quando a maravilha continua
Qual fosse um deus cevando em seus rastelos
Em claros movimentos mais singelos
Descendo do infinito até a rua.
Argênteas ilusões em vozes roucas,
As sortes sem os nortes morrem loucas
No enfado do vazio em que se vê
O medo se esgueirando em claridade,
O vento redentor que nos invade,
Entorna em nossa vida algum por que.

24239

Azeda-se sem nexo a relação
Desvias os caminhos, seca fonte
Por onde quer que o sol inda desponte
As nuvens com certeza o cobrirão,
Dos céus estrelas formam cinturão
Clareiam pirilampos no horizonte,
Mas como, se deveras esta ponte
Tombada por total destruição
Expressando deveras o que somos,
Da fruta paralelos, podres gomos,
Mesquinharia toma este jardim
Aonde imaginara a lucidez,
Em plena insânia o amor já se desfez
Matando o que restara inda de mim...

24238

Fulgindo em noite impávida o luar
Delírio onde poetas mergulharam
E quando os dias negros nos tocaram,
Apenas morte veio em seu lugar,
Pudesse novamente num altar
Erguido ao deus das trevas, onde amparam
Os dias mais sombrios que escancaram
A força indescritível a levar
Os últimos e frágeis imbecis,
Austeridade em tempos mais gentis
Explodem entre as tíbias ilusões
Arcanjos e demônios se entrelaçam
Enquanto sobre nós, estrelas passam
E nelas as terríveis implosões...

24237

Veremos entre os últimos fulgores
As luzes da explosão? Ou nada além
Do quanto em morte ainda nos convém
Negando as alvoradas e os albores,
E quando em descaminhos inda fores
Buscando no final, espinhos, vêm
Tomando a tua senda o que detém
O passo; vão inverno e seus rigores.
Heréticos pudores entre os vermes
E os seres já pensantes, mas inermes
Deitando sobre as pedras, pregos, farpas,
E além neste horizonte em luzes fartas,
Satã do qual; em sonhos, não apartas
Subindo altas montanhas, nas escarpas...

24236

Bebendo desta vida este veneno
Estreitas ilusões, vagos caminhos,
Rastejando meu corpo entre os espinhos,
A cada torpe queda, eu me sereno.
Somente não consigo ser ameno
Enquanto em tosca busca por carinhos
Encontro estas serpentes nos seus ninhos
E a cada novo bote me enveneno.
Arestas entre pontas e cascalhos,
Aonde procurara por atalhos
Retalhos do que fomos se apresentam,
E os medos, mesmo sendo em atos falhos,
Arrebentando casas e assoalhos,
Jamais enfrentaria e me apascentam...

24235

Em ares solitários, ermos levo
E deles renovando a cada dia
O quanto de verdade se historia
O tempo se mostrando mais longevo,

E quando à sensatez eu já me atrevo
Sem ter sequer quem saiba ou mesmo guia
O todo traz no bojo a fantasia,
Porém ser bem mais franco agora eu devo.

Há tanto se destrói e se repete
A mesma insensatez feita em confete
Trazendo neste olhar velho disfarce

Na roupa mal vestida e feita às pressas
O quanto que tu sabes; não confessas,
Até que o tempo surja e enfim esgarce...

24234

Prelúdios, trinos, cânticos de glória
Exército em luzes reluzentes
Excêntricos caminhos renitentes
Herética expressão, tão merencória
Exímio sonhador, medo e vitória
As ânsias destes antros prepotentes
Por mais que contra a força ainda tentes
Nas mãos dos poderosos ruma a história
Verdade se escondendo atrás do pano
Cenário tosco mostra o desengano
Por onde se traduz da humanidade
O passo que se dá em tosco e escuro
Delírio pelo qual eu me emolduro,
E tranco a realidade que degrade...

24233

“Numa luta de gregos e troianos”
Homérica epopéia se moldara
E a luz que no final ainda aclara
Demonstra sonhos fartos, soberanos,
Aonde proliferam desenganos
A sorte se mostrando sempre rara
Apenas o futuro se escancara
E mostra no vazio, velhos danos.
Esperas, tantos anos, dor e pranto,
Aonde uma sereia traz o canto
Mortalha que se tece e se desfia,
Na vida cada qual sendo Odisseu
Batalhas e venturas, luz e breu,
Assim vai se moldando o dia a dia...

24232

“Foste a sonoridade que acabou”,
Deixando a minha noite mais sombria,
Aonde se pensara em alegria
Agora só tristeza o que restou.
E quando me pergunto aonde vou
A estrela que brilhara não me guia,
E o medo se transforma em agonia,
Mostrando neste espelho o que inda sou.
Palhaço que se fez em falsas luzes,
Ainda caminhando sobre as urzes
Espinhos, pedregulhos, aridez.
Aonde imaginara um “chão de estrelas”
Sendas se maravilham por revê-las
Quem tanto e pelo encanto, amor se fez...

24231

“Jabuticaba, teu olhar noturno”
Em negros espetáculos reluz,
Farol que tantas vezes reproduz
Um ar maravilhoso e tão soturno,

A vida se mostrando a cada turno
Diversa do que outrora se fez cruz,
Mergulho neste amor que me conduz
Além da dura algema e do coturno,

Liberdade se mostra em brilho tanto
E quando em tal beleza eu já me encanto
Ascendo ao céu deveras, não reluto

E bebo da esperança em finas taças
E quando pelas ruas, bela, passas
No olhar divino sumo, um raro fruto...

24230

“A lua vem surgindo cor de prata”
E dela se expressando a maravilha
Na qual a sorte imensa trama a trilha
E todo este prazer já me arrebata.

Vencer os meus temores; pois maltrata
A voz de uma ilusão que ainda brilha
Na vastidão do céu, qual fora uma ilha
Vestindo de nobreza esta cascata.

O tempo sendo inglório nos transmite
Além do que se pensa; algum palpite
Trazido pelas mãos de uma ignorância

Aonde presunçosa voz sem nexo,
Talvez por solidão, medo ou complexo,
Ainda se mostrando em arrogância...

24229

Aonde se pudesse ter certeza
Do quão fútil o tempo que perdemos,
E enquanto não tivermos nossos remos,
Difícil suplantar a correnteza
Aonde se espalhara com destreza
O quão difícil turno nós teremos
Ausentes da esperança; não vivemos
Tomados pelos vãos de uma tristeza.
Arejando com sonhos mais audazes
Enquanto na verdade nada trazes
Senão tal desconforto a quem atinges
Palavras ofensivas, torpe dama,
Sabedoria escassa, a das esfinges
Das quais a voz estúpida já clama...

24228

Depois de perder tempo com bobagem
Agora me desnudo em verso e faço
Do quanto se perdera sem compasso
Além do que diverge esta paisagem,
Houvera no passado uma miragem
Que quando se aproxima já desfaço
E sigo com certeza cada traço,
Mesquinharia é pura sacanagem.
Serviço se mal feito tem quem note,
Por isso é que a serpente dá seu bote
Veneno não se cansa de mostrar,
A boca que escancara-se banguela
Apenas o vazio já revela,
E nele nem estrelas, nem luar.

24227

Ao cutucar uma onça em vara curta
O bote se prepara à mesma altura,
Um tosco interiorano se perdura
Por mais que esta verdade não se furta.

Plantara no quintal um pé de murta,
Porém a terra sendo seca e dura
No fim nasceu com turva caradura
Erva de passarinho; a vida encurta

E assim ao ver a praga no capim,
Vestindo de bufão, um querubim
Mexendo com as águas de Camões,

Dois olhos; tinha o mestre lusitano,
Porém era zarolho, ou não me engano,
Do que não funcionava t’as visões...

24226

Espírito deveras decaído
Demônio se expressando em voz pequena,
Uma alma que se mostre mais amena
Ao fim será legada ao triste olvido,
Não quero me expressar pondo a libido
Desnuda no quesito que serena
E ao mesmo tempo atroz nos envenena
Tomando sem pudores, o sentido.
Arcar com ares tanto rarefeitos
Do quão inútil termo sendo feitos
Mecânica deveras trabalhosa,
Quem sabe faz mansinho e com cuidado,
Porém o pobre verso maltratado,
Merece com certeza a tua glosa.

24225

Se “uma parte de mim é todo mundo”
Não posso sonegar o quão medonho
O tempo em que vazio já não sonho
E nestas podres lamas me aprofundo,

Viver esta inocência, vagabundo
E pária coração, nele eu componho
O barco que deveras não mais ponho,
Naufrágio se tornando, agora imundo.

Quisera das metades, união;
Mas sei que falsas luzes tomarão
Cenários onde vi espelhos vários.

Concretizando em versos temerários
Nesta universidade eu represento
Totalidade em lente, mas de aumento...

24224

Aonde o coração se fez perdido
Em trevas, nuvens negras e neblinas
As ondas que julgara cristalinas
Ao mesmo tempo em lágrimas, o olvido.
Estendo as minhas mãos, ouço o rugido
Enquanto dizes não, já me alucinas
E bebo destas podres, vastas minas
E com o verso impuro, ainda lido.
E tendo lido as mesmas ânsias nossas
Além do que talvez ainda possas
Aposso-me do infausto que me deste.
Arranho as escrituras, beijo a cruz,
A cada esquina está pobre Jesus
Açoitado e puído em rota veste.

24223

Sarcásticos e sátiros fantoches
A boca se escancara em riso irônico,
Aonde o ser se mostre então agônico
Apenas dos demônios, os deboches
Grotescos e nefastos ritos tétricos
Assim encaro o dia que desnudas
As esperanças morrem tão miúdas
Excêntricos caminhos quilométricos
Desvios entre vias, versos vândalos,
Aonde se buscara doces sândalos
Encontro os mesmos ermos do passado,
A porta escancarada mostra a fome,
E o fogo como outrora me consome,
Assim o nada ser eternizado...

24222

Ao ver em vós; alheio olhar tão triste
Deveras expressando o que jamais
Enquanto em sendas turvas caminhais
Bem sei que na verdade não resiste.

Servindo-vos o Amor em vós persiste
Além do quão dispersa sei que vais
Alcançaria em vós, soberbo cais,
Mas sei que a solidão ainda insiste.

E dela invoco a paz doce e insolúvel,
Porém vos tendo assim, bela e volúvel
Não posso mais seguir errante passo,

E sem saber qual seja a minha sorte,
Pouca razão traduz um vago Norte
E em meio a tais perguntas me desfaço.

24221

Buscando-vos senhora em vastidões,
Mui tempo se perdera em ânsias várias
Na grã beleza afasto as procelárias
E tendo-vos deveras quais visões,
Ansiando vossos lábios, seduções,
Se em vossos olhos vejo luminárias
Palavras de esperança, então; declare-as
Servindo-vos encontro as direções

Nas quais ao perceber encruzilhadas,
As almas que se sentem mais ilhadas
Não tendem ao propício desenlace.
Não quero permitir tal sofrimento
Se em vossas alegrias eu me alento,
Não deixemos que em vão, a vida passe...

24220

O amor em tantas formas; variantes
Dos mesmos dissabores, vida e morte,
Por mais que a poesia nos aporte
Velhos ancoradouros, vãos instantes.
Escravo destes raros diamantes,
Prazeres entre laços, cartas, Norte,
E o gozo inestimável nos exorte
A ter em nossos olhos sóis errantes.
Ardências entre lavas e granizos,
Os dias; entrelaces, mais concisos
Ascendo ao quase eterno em terno anseio.
Mas quando desvendando a minha face
Por mais que a fantasia ainda embace
O amor se esquece sempre porque veio...

24219

Resumo em fogo e ferro noite extensa
Deitando sobre os pregos, um faquir
Sem ter sequer noção vou prosseguir
Além do que uma alma nobre busca e pensa.
Cobrindo com a lama que se adensa
Não tendo nem resquícios de um porvir
Desilusão e mágoa; irei sentir,
Vingança se tornando a recompensa
Efêmeros prazeres custam caro
E quando nestes vãos me desamparo
Mesquinhos os abismos onde eu vejo
Retrato do que sou e não sonego,
Vagando sem destino em rumo cego,
Matando no não ser o meu desejo...

24218

“Figura que adocica e que me inflama”
A morte penetrando em ocos, vãos,
Cevando da discórdia, amargos grãos,
A vida se tornando mera chama,

E quando se desfaz, enfim tal drama,
Nos olhos esperanças de cristãos,
Porém vazias seguem minhas mãos,
E a plena desventura já me chama.

Perpetuando a dor da qual surgi,
Recebo o vendaval e vejo aqui
A imagem destroçada de um helminto

Que quando procura algum abrigo,
Matando quem cuidara e fora amigo,
Também qual fora a presa morto, extinto.

SOBRE VERSO DE DALVA ABRÃAO

24217

Quisera ter decerto esta ventura
De um dia poder crer na eternidade,
E quando a solidão atroz me invade
Um esmoler esquece esta ventura,

Arcaico misantropo em noite escura,
Um eremita foge à claridade
Por mais que o desencanto desagrade
É nele que meu verso se escultura.

Arcanjos, serafins; será meu fim?
Não creio, mais mantendo uma esperança
Que mesmo no vazio já se lança

Retornando deveras de onde vim
Das cinzas entre cinzas, podridão,
Somente levarei o meu caixão...

24216

Consigo mesmo até desta desgraça
Sorrir enquanto a morte não me alcança
Trazendo esta carcaça que é lembrança
O tempo sem remédio sempre passa,
E quanto mais veloz, exposto à traça
A vida se puindo já se lança
Ao nada que deveras traz na lança
Destino em vis retalhos, vida traça.

Por onde imaginara rua e paço,
Num féretro sutil deveras passo
E encontro o meu cadáver numa esquina.
Mortalha que reveste cada verso,
No qual em podres sonhos sigo imerso,
A sanha terminando me fascina...

24215

Não posso desdizer a sina aonde
Mesclando riso e pranto eu me desfiz,
Quiser ter além da cicatriz
Porém o brilho foge e já se esconde,
No quadro decomposto perco o bonde
E beijo a velha e podre meretriz
Que tantas vezes mórbida não quis,
E agora do arvoredo é viga e fronde.
Um pária, um vagabundo que sem rumo
Esconde-se em sarjetas; eu assumo
Os erros e os meus versos traduzindo
Uma esmolar vingança desta sorte,
Aonde uma esperança enfim se aborte,
O mundo sem defesas, me traindo...

24214

Aonde se sentira as vibrações,
Apenas mortandade e nada mais,
Os dias se mostravam tão banais
E os ventos em diversas direções.
Vislumbro as mais incríveis negações
Ausente dos meus olhos ledo cais,
Por onde em vossos rumos, desfilais
Mesclando dores, medos, podridões.
Enguias entre enormes poraquês
A vida se mostrando em pequenez
E o carma de um fantasma que se expõe,
Enquanto em vossas mãos tive o prazer,
Não posso mais os frutos recolher
Carcaça do que fui se decompõe...

24213

Horríveis paisagens nexo ausente
O término da vida se apresenta
E sem sequer alguém que me apascenta
Mergulho no vazio, incoerente
Por mais que ainda lute e mesmo tente
Sangria se mostrando violenta
A morte que quisera, mais sangrenta
Dos deuses é deveras um presente.
Esguichando-se artérias, vasos nobres
Mortalha que me dês enquanto cobres
Descobrem podres vícios de alma imunda,
E estranhos rituais, demônios sorvo,
Rondando este cadáver torpe corvo,
Nas entranhas em vida, se aprofunda...

24212

Espreito da janela e vejo o fim
Ao qual me conduziste vida insana,
A morte que deveras já se emana
Apodrecendo as flores do jardim,
Crisântemo, roseiras, e o jasmim,
Petrificado sonho não se engana
O corte se desdenha e a voz humana
Reverberando um mundo mais chinfrim,
Esqueço o que se fez nirvana e gozo,
O tempo se mostrando belicoso
Intempestivamente sigo ao nada,
Por onde caminhante de outras eras
Ao menos neste rastro recuperas
A sorte há tanto em vão já desviada...

24211

Beirando o precipício, um vão tamanho
Aonde se mostrara a minha face,
Por onde uma esperança tola passe,
Não vejo mais sequer chance de ganho,
E quando no vazio eu já me entranho,
O quadro se tomando em tal impasse,
Nem mesmo que se mostre o que me embace
Deveras este jogo diz antanho.
Estranhas formações, crateras, vales,
E quando me permites nada fales
Esqueça o que se fez em rastro e sol,
Medonha virulência em cada frase
Sem ter qualquer coluna que me embase
A amiga solidão, luz e farol.

24210

Dispendioso o tempo em que se tenta
Vencer os mais terríveis terremotos,
E quando os dias ficam mais remotos
A sorte se demonstra violenta,
Imerso na ilusão, de bingos, lotos
Escrevo o meu futuro em marcha lenta
E tudo terrifica, onde apascenta
Não vejo mais senão antigas fotos

E quase me iludindo novamente
Aonde a perfeição se dista, ausente
Descrevo especular face disforme,

Sem ter quem ainda possa me guiar,
A barca se perdendo em alto mar,
Talvez somente a morte me conforme...

24209

Sentindo o mesmo vácuo de onde vim
Espero que retorne ao mesmo pó,
Aonde se fizera outrora só,
Matando o que pudera ter enfim,

Não quero ouvir o tosco querubim,
Tampouco desfazer o velho nó
Aonde se fizesse algum trenó
Capoto uma esperança e sigo assim,

Esgotando-me entranho nos desvios
Da nitroglicerina estes pavios
Incêndios, explosões e o nada após,

Ascendo ao finito do meu verso
Que morre sem sentir o quão imerso
Estou neste universo vão, feroz...

24208

Esvazio-me do nada que inda tinha
E sei que depois disso, morrerei,
Fazendo do não ter descanso e grei
A sorte desdenhada é toda minha.
Aonde uma esperança se avizinha
O quadro se desfaz sem regra e lei,
Aonde imaginara reino e rei,
Errei e pelo tanto desalinha.

Naufrágios entre pedras e penhascos,
Das praias as areias movediças
O quanto tu desejas e cobiças
Apenas entranhando em ti tais ascos
Arcando com os engodos, desengano,
O fim se aproximando e nele ufano...

24207

Na sôfrega ilusão de um dia manso
Descrevo com palavras ânsia imensa
E quando esta esperança não compensa
A dor que inutilmente cedo alcanço,

Aonde a cada dia me esperanço
O cerne do vazio se repensa
Esgoto-me no vão desta dispensa
E crio na aguardente este remanso

Perpetuando a morte a cada dia,
Eclético demônio uma alma cria
E tomba-se por sobre o quase exposto

Numa nudez que sei ocasional,
A bêbada impressão do bem, do mau,
Etéreo frenesi, no qual me encosto...

24206

Epiléptico sonho espasmos vários
Vergando sob o peso do talvez,
Aonde uma esperança se desfez
Os dias são terríveis adversários
E os corpos entre farpas, meus fadários
Os rios navegando insensatez
Sarcófago de um tempo o que ora vês
Escrito nos ocasos e estuários
Assino a cada dia um testamento
E beijo o que deveras acalento,
A velha tentativa incoerente
De ser o que jamais eu poderia,
Lacaio de uma torpe fantasia
Descrédito onde o tosco se apresente...

24205

Os medos entranhados em minha alma
Apesar de poder crer que inda exista
Ao menos percebera alguma pista
De um tempo que deveras já me acalma
E deixo para trás o sonho e o trauma,
A escória do que fui – mero – persista
E mesmo que a verdade não assista
O coração traduz pérfida calma
Escombros de um fantoche que se teima
Vencido há tanto tempo em dissabores
E quando o vão que resta tu repores
Verás que não valeu algum esforço,
E tento ao fim da tarde um raro brilho
E neste vão imenso que ora trilho
O quanto me restara já destorço...

24204

Lua cheia em minha terra
não desponta em "verde mata”
mas clareia ao pé da serra
Beagá em serenata.


Celina Figueiredo

Um velho trovador que das Gerais
Encanta-se com luas e varandas,
Mineiro coração dita cirandas
Dos tempos que se foram, nunca mais...
Agora estas estrelas magistrais
Nos véus maravilhosos sem demandas,
Enquanto flutuais, diversas bandas
Alteram alterosas que buscais.

E vejo em vós a voz de uma esperança
Aonde se derramam luzes falsas
Sonhamos com fulgores feitos valsas
Porém ao tempo amargo, a vida lança
Quem fez das serenatas alegria,
Enquanto a lua esconde e se esvazia...

24203

Se queres um sorriso mais suave,
Um verso que traduza um acalanto
Deveras se afastando do meu canto,
A voz que agora escutas, dura e grave,
Ainda mesmo quando em paz agrave
E causa a quem sonhara algum espanto,
Demônios invadindo todo o canto
A sala se transforma em duro entrave.
Pudesse ter ao menos a esperança
Estúpida quimera à qual se lança
Infernais ilusões, torpes canções,
E quando vejo os dias que tu nublas
As horas que pensara claras, rubras
Espalham temporais e furacões...

24202

Uma alma em que se vê desnuda sala,
Escrava do que um dia quis perfeito,
E quando no vazio eu me deleito
Aceito o que incerteza já me fala.
Enquanto a cordilheira, o sonho escala,
Nas ânsias do poder estranho leito,
Medonha consciência; eu não aceito
E o coração audaz então se cala.
Arrulhando em sobejas ilusões
As pombas se perdendo em descaminhos,
Não voltam para os velhos, toscos ninhos,
Tramando no voar as estações
Enviuvada rola nada resta
Senão esta ventura vã, funesta...

24201

Pudesse ter ouvido a consciência
Não mais teria a dor de ver
Perdendo-se sem tréguas o prazer
E tendo como herança a penitência
Vivesse a mais completa paciência
Na placidez que outrora pude crer
Possível mesmo longe do poder,
A sorte procurando alguém; compense-a

Trazendo o teu sorriso mesmo falso,
E quando as ilusões ainda calço
Esqueço do passado e do presente,
Futuro não existe, terminal,
Esgoto-me num canto mais venal
E o quanto nada resta se apresente...

24200

A vida que pensara em apogeu,
Desfiladeiros tantos; já não posso
Apenas do passado algum destroço
Vivendo o que deveras vão, perdeu,
O céu se mergulhando em pleno breu
Desdita a cada instante mais endosso
E vejo a solidão na dor em empoço
E faço do viver, meu perigeu.
Apesar dos pesares prezo a sorte
Que mesmo não trazendo o que conforte
Aguarda este desfecho, vorazmente
Nos gêiseres de uma alma efervescente
O quando se mostrara em rito e morte,
Traçando este final que me atormente...

24199

Esboço em tela rara estes matizes
Aonde mais distante do que dizes
Encontro-me nas luzes que decoras,
As sendas entre flores são senhoras
Dos dias que pensara mais felizes,
Ardis entre tocaias e deslizes,
A sorte se perdendo nas demoras,
E quando em poesia tu te afloras
Mergulho neste encanto, rastros teus,
Aonde se esgueirando de um adeus
Encontro finalmente algum remanso,
Suspenso ao ver beleza deste eclipse
Esqueço havendo ou não o apocalipse
O Paraíso eterno; em ti alcanço.

24198

Senhora das querências mais audazes
Entranho em vosso rumo, meus carinhos
E quando vejo apenas vãos espinhos
Momentos tão diversos e falazes,
A vida tendo assim, momentos, fases,
Expressa a mansidão em descaminhos,
Não quero mais seguir dias sozinhos
Tampouco ver inúteis, tolas frases.
E ser-vos-ei leal feito um lacaio
E quando noutro rumo eu me distraio,
Volvendo ao vosso encanto me permito,
Seguindo vossos passos noite afora,
A luz da bela lua nos decora,
Tornando o nosso mundo mais bonito...

24197

Cadáver de esperança, um verme tosco,
Que galga alguma luz e se inebria,
Aonde se mostrara a fantasia,
Deveras um caminho amaro e fosco,
E quando em tais novelos eu me enrosco
E bebo da paixão, falsa alegria
Restando tão somente esta agonia
Que trago vem em quando aqui conosco.
Num sôfrego lutar, tanto abandono
E quando outra esperança, tolo, eu clono
Vergastas vão cortando minhas costas,
E sei que do cenário putrefeito
Que exponho no momento em que me deito
Satírico demônio; ris e gostas...

24196

Plantara em minha vida este arvoredo
Que agora tu destróis e ainda zombas,
E quando este navio aderna e tombas
Sequer algum alívio eu te concedo.
E sendo desde sempre muito cedo
Nas mãos invés de flores, frias bombas
Sorrisos enigmáticos; se arrombas
As portas e descobres meu segredo.
Uma ímpia criatura néscia e vã
Fazendo da tortura o seu afã,
Escombro do que fora um ser humano,
Escravo deste amargo sentimento,
Se eu posso, na verdade inda lamento
O que se fez em treva; eu desengano.

24195

Pensara ter na vida, ao menos lastro
E quando fosse em fúria, placidez,
Porém na mais completa insensatez
O barco vai perdendo único mastro,
E quando feito praga em vão me alastro
Mergulhando em total estupidez
O quanto se pensara e se desfez,
Não deixo nem sequer passada ou rastro,
Aonde se mostrara tão espúria
E vaga criatura, tanta incúria
E a fúria não sossega um só momento,
Agora simplesmente um excremento
Daquilo que se fez altivamente
E o tempo em inclemência já desmente...

24194

Fantasma do que fui, simples destroço
O vasto descaminho feito em mágoa
No quanto, novo rumo já deságua
A sorte se moldando, eu não remoço.
Além do que talvez pudera; ou posso,
A lua se derrama, imensa frágua
Lacrimejo salgando vida e água
Enquanto a fantasia em vão, acosso.
Avermelhado sol que me banhasse,
O tempo se mostrando em tal impasse
Passando sem deixar sequer momentos
Aonde poderia ter ao menos
Os doces pensamentos mais serenos
Neles, acalentando os desalentos...

24193

Erguendo-me do escombro onde me escondo,
Vivendo por talvez favor e sorte,
Aonde exista esgoto que comporte
O mundo pelo qual, vazios sondo.
No tempo, sem discursos, vou repondo
O quanto se perdendo a cada corte,
Não tendo mais talvez quem me suporte,
Um vândalo em vazios já se opondo.
No quase ser feliz, eu percebera
O quanto a ingratidão se mostra clara
E mesmo sendo a vida a perla rara
Aos poucos se derrete feito a cera
Aonde este pavio aceso, um dia,
Decerto pouco a pouco morreria...

24192

Magérrima esperança se descarna
E quando se mostrar a face escura
Da vida que deveras vã perdura,
Minha alma em podridão, terrível sarna
E quando a fantasia ainda encarna
Navego pelo mar que se procura
Trazendo a paz; diversa da moldura
Que em turva servidão, já desencarna;
Pudesse uma alforria em luz suprema,
Mas quando a dor imensa assim se extrema
Não tendo solução, procuro a morte
Que ao menos trague o encanto do não ter
Nem dores, sofrimentos ou prazer
E mostre este vazio que conforte...

24191

Se desgraçadamente a vida trama
Esgotos, podridão em plena luz,
Aonde um passo trôpego conduz
É lá que manterei última chama,
Vergastas me consomem, alma clama
E a paz que tanto busco; imensa cruz,
Desejo à flor da pele, sonhos nus
E o quanto estou vazio, fúria e drama.
Decrépito fantasma do que fora
O quanto se pensara sedutora
Imagem de um momento em mansa glória,
Os fados se desviam; nada sobra
Somente a solidão, terrível cobra
Num bote terminal; luz merencória...

24190

A luz de um belo dia em raro sol
E apenas o vazio em tomando,
Esperanças em leva, frio bando,
Contrastam com o claro do arrebol,
Aonde um novo tempo diz farol,
Nevascas e granizos desabando
O mundo que eu buscara destroçando,
Quem dera fosse feito um caracol,
Quem sabe um ermitão, ausência e treva,
Nas grotas, nas cavernas. Se a alma neva
E o vento deste inverno se eterniza,
A sorte; eu não conheço e me desdenha,
E a mera solidão inda contenha,
Aqui, um temporal; lá fora a brisa...

24189

Envolto nos clarões de uma alvorada.
Procuro pelas sombras e neblinas
Enquanto em luzes fortes te iluminas
Minha alma há tanto tempo depredada
Esboça a reação que dando em nada
As horas que pensara cristalinas
As mesmas onde em dores já fascinas
O corte desta vida abandonada
Jogada pelos cantos, ser inútil
Um sonho de prazer? Deveras fútil.
Recebo a ventania com descaso,
Sabendo que depois do temporal
Apenas destruído no final,
Vislumbro a cada dia o meu ocaso.

24188

Não vejo o céu que outrora mais clemente
Trazia alguma luz ao caminheiro,
E quando pelos mangues eu me esgueiro
Bebendo a podridão de mim se ausente
A fúria que deveras tão presente
O fim se demonstrando o companheiro
Leal e mesmo sendo o derradeiro,
Apenas nele a paz já se consente.
Mortalha que carrego dentro da alma
Somente a morte apenas inda acalma
Um louco que em completo desvario
Mesquinho verme andando sobre a terra
Que quando mais procura mais se encerra
Tornando a própria vida um desafio...

24187

Aonde se pensara em primavera
Hiberno o pensamento e nada trago
O quanto desejara, feito estrago
Apego-me ao vazio que se espera
Do nada em que surgi, se o nada gera
Estático caminho ainda afago
Escravo do não ser, em dor; alago
O quanto que restou, funda cratera.
Volvendo aos meus momentos invernais
Não quero tua voz e nunca mais
Perceba que estão não inda respira.
Matando o que deveras está morto
Não tendo mais sequer paz e conforto,
Pra que manter acesa alguma pira?

24186

Não creio ser possível demover
Aquele que negando uma evidência
Ou alegando ser coincidência
Sonega o que em verdade pode ver.
Assim sendo impossível para um ser
Seguir a vida em paz, sem penitência
Aonde se pudera ter prudência;
Num passo vacilante quer viver?
O verdadeiro fato, mesmo quando
Em face mais diversa se mostrando
Não deve se esconder em falsas luzes,
Senão cada caminho onde tu fores
Invés de ter espinhos, fontes, flores
Somente pedregulhos, medos e urzes.

Thursday, February 4, 2010

24185

Simpatizas com dores e tormentas
E quando não consegues destruir
Ainda sem ter forças pra seguir
A tempestade imensa que ora alentas

Em meio às ondas tantas, violentas
Não posso mais pensar n’algum porvir
Se tudo o que procuro a te pedir
Responsabilidades? Cedo isentas.

Exijo talvez por incoerência
Algum momento apenas de clemência
E nisso se mostrando os desatinos

Desprendes de teus olhos tal fulgor
Que quando se pretende recompor
Os dias que virão mais cristalinos?

24184

Acordo e quando vejo em desacordo
O quanto se fez tanto e agora é nada,
A sorte quando em morte malfadada
Deveras feito feras no rebordo

Esboço este retrato em tratos férreos
Encilho estes corcéis libertadores
E busco mesmo quando tu te fores
Os sonhos sem ter quem ainda; ferre-os

Desta intempérie, impérios derrocados,
As ânsias expressando o que mais quero,
Arfando como fosse um fogo fero
Em fátuos turbilhões já degradados

Regresso do que outrora fora excesso
E agora cada engodo a ti confesso..

24183

Vivendo a luz que aviva a voz dos sonhos
Aonde ondas diversas versam mares
Por onde tu pretendes desandares
Decerto deverias céus medonhos.

Adentro-me deveras, vãos bisonhos
E biso quando piso teus pomares
Arcano qual arcanjo diz altares
Exaltam-se momentos mais risonhos.

Num lúdico cantar, lúbrico anseio,
Brindando em tal ardor desnudo o seio
E sei o que virá; delito e glória

Perecem; padeceres que prudentes
Impedem maravilhas impudentes
Matando a velha sombra merencória...

24182

Adejo-me em diversas dimensões
Sobejas maravilhas encontrando
Serenamente em tempo suave e brando
As horas se moldando em tais visões,
Vislumbro abrindo em paz os corações
Audácia se apresenta emoldurando
Dourando este caminho, raro bando
De estrelas; constelares seduções.
E sabes sem censura sensual
O amor quando se faz consensual
Expressa um ritual maravilhoso,
Orgástica loucura não se doma,
E quando invade a pele, alma e o estroma
Volátil vôo em vão, vertiginoso...

24181

Viver desta esperança que me trazes
Nos olhos benfazejos da ilusão
Ar puro se transborda em sedução
Enquanto feito em lua, ditas fases,

E sendo que bem sabes o que fazes
E as glórias que decerto inda virão
Perceba a maravilha de um verão
Expressa em raios fúlgidos, fugazes.

Efêmeros momentos florescendo
Na fluorescência rara de teus olhos
Florada vai tomando enfim abrolhos

Na franca efervescência, eu me defendo
Deste flagelo infame, feito em fome
Defasa-se a tristeza, foge, some...

24180

Eneassílabo verso eu persigo
Procurando talvez incapaz
De viver esperança que audaz
Servirá como um último abrigo,

E deveras a sorte eu consigo
Num viver que não seja mordaz
São palavras diversas que a paz
Muitas vezes não mostra o perigo

Onde a lua se esconde na mata
E a saudade voraz me maltrata
Quando vejo teus olhos, morena

A certeza se apossa de mim,
De onde quer no deserto em que eu vim
A alegria em ternura se acena...

24179

Não colho mais as dores do passado
Aonde não podia crer possível
Que a sorte se tornara mais plausível
E o medo num amor, abandonado.

Vivendo a cada dia do teu lado
O gozo de um prazer além do crível
No canto que se mostra imperecível
O verso pelo Amor abençoado.

Não creio mais nas velhas desventuras
E vejo que visões dizem da glória
Aonde se moldando em senda flórea

Deveras novos rumos que procuras
Encontras nas estrelas que polvilhas
Por sobre nossa vida, suas trilhas...

24178

Ocasos em voláteis luzes; vejo
E nelas os matizes ditam cores
Soberbas onde colho raras flores
Toando com ternura este desejo.
Distanciando embora, em vão lampejo
Prossigo em raro encanto sem opores
Aos sonhos mais felizes; sedutores,
Tutores dos meus dias, claro ensejo.
Havendo de surgir sem alternância
Apenas este amor que em abundância
Municiando a vida em tais prazeres
Florescem entre nós, mil primaveras
Realças a beleza e não alteras
Estrelas que refulgem; no colheres.

24177

Fartando-se da glória no infinito
Aonde procurara te alcançar
Um sol deitando as luzes sobre o mar
No amor que nos transforma; intenso, eu grito.

Viver a plenitude e ser bendito
O gozo que nos toma no sonhar
Pudera em mansidão se renovar
O verso aonde amor, deveras cito.

E sinto que talvez já não consiga
Esgrimo com vontades, sacrifícios
E quanto mais difíceis os ofícios

Mais forte com certeza, cada viga
Aonde sendo erguida esta emoção
Resiste à mais cruel devastação.

24176

Procuro a cordilheira, andino sonho
E tramo em Himalaias nossa vida,
Mas quando vejo a sorte já perdida
Apenas vale escuro em vão componho,

Sombrio o nada ter se faz medonho
Deixando como resto, a despedida
E quando do futuro a glória olvida
Retrato de um poeta audaz, bisonho

Ao esgarçar-se assim nada trará
Imensa depressão; encontrei cá
Sem pélvico molejo dos quadris

Explicitando o amor já não mais vejo,
E quando penso resta algum lampejo
Não levo nada além da cicatriz...

24175

Aroma que se espalha pela sala
Minha alma ao mesmo tempo já se cala
E bebe extasiada, tal perfume
Qual fora uma falena em volta ao lume

Palavra dos desejos é vassala
E quando a poesia me avassala
Além do que pensara de costume
Por mais que contra a sorte a vida rume,

Não posso ter sequer algum momento
Caminho sem o qual já não me alento
Envolvo-me e enovelo esta esperança,

E quando ao grande amor, vida me lança
Arrumo com denodo a minha casa,
Porém Musa me trai, com outro, casa...

24174

Um mundo no passado antropofágico
Agora se mostrando novamente
E nisto o nada ser permita atente
A Musa com seu ar meio nostálgico.

Aonde fora apenas casuístico
Herética doutrina diz do vago,
E quanto mais deveras eu te afago
Procuras noutros corpos um ar místico,

Sou pelo menos tórrido e deveras
Excêntricos caminhos esotéricos
Deixando para tais gozos histéricos
Entrego-me sem medo ao que inda esperas

Embora meu poema seja empírico
O tom que rege a vida é mais satírico...

24173

Ao aspirar este ar soberbo e raro
Encanta-me deveras, poesia
Aonde a própria sorte se desfia
Num verso quanto amor penso e declaro,
Versando sobre a luz em que me aclaro
Enquanto o coração já fantasia
Afasto o que julguei mesquinharia
E vivo ternamente em manso amparo.
Elevo-me ao fulgir de um farto sol,
Sentindo esta paixão, nobre farol
Excita-me saber quanto se deu
O encanto não estanco e me proponho
A crer ser bem mais forte que algum sonho
O mundo todo nosso, teu e meu...

24172

«Tan m'abellis vostre cortes deman, / qu'ieu no me puesc ni voill a vos cobrire. / Ieu sui Arnaut, que plor e vau cantan; / consiros vei la passada folor, / e vei jausen lo joi qu'esper, denan. / Ara vos prec, per aquella valor / que vos guida al som de l'escalina, / sovenha vos a temps de ma dolor»



Dante

Alçando este degrau ascendo ao topo
E vejo quão doridos vossos dias
Constrito, envolto em fartas agonias
Embora não me torne um misantropo

Eu vos peço cortês e nobre amigo
Apenas um momento de atenção
Outrora farta dor e decepção
Agora noutra sanha busco abrigo.

Espero que saibais da dor que trago
E ser-vos-ei deveras sempre grato
Do meu passado atroz eu me retrato
E busco da esperança algum afago.

Perdoando a loucura do passado,
Vereis um novo dia, abençoado...

24171

Luar a quem Catulo Cearense
Poeta fabuloso, magistral
De todos o maior, nosso Mistral
Num canto insuperável, me convence

Da bela e prata dama sertaneja
Desnuda em raro brilho em noite imensa,
Minha alma tendo nela a recompensa
Encontra a maravilha que deseja.

Raríssimo fulgor, sem infortúnio
Tornando a própria vida inebriante,
Eu sigo a clara trilha a cada instante
Bebendo deste nobre plenilúnio

“Branqueja folhas secas pelo chão”
Tomando como deusa esta amplidão...

24170

Os ermos mais distantes consagrados
Aos deuses muitas vezes intocáveis
Voláteis ilusões são intragáveis,
Enquanto em nossos dias, desagrados.

Pudesse ter nas mãos finos agrados,
Mas sei dos teus caminhos insondáveis
E bebo destas águas não potáveis
Os dias que virão; a ti sagrados.

Aperolada e bela, rara tez
Ainda mais ausente tu não crês
No encanto que professo quando vejo

Em ti além de mero e claro altar
Esplêndida beleza constelar
Ditando as regras várias de um desejo...

24169

Em única harmonia vejo a vida
Ausente dos meus dias mais felizes
Deixando tão somente após deslizes
Uma ânsia totalmente em vão, perdida,

História noutra história quando ungida
Expressa a invalidez das cicatrizes
E quando de outros tempos tu me dizes
Ascendo à senda atroz, desconhecida.

Assíduo sonhador em dores feito,
O gozo da alegria num confeito
O medo se escancara e nada traz

Somente o desvario de um poeta
Que enquanto em ilusão não se completa
A cada novo verso mais mordaz...

24168

{Vós} sois üa dama
das feias do mundo;
de toda a má fama
sois cabo profundo.
A vossa figura
não é para ver;
em vosso poder
não há fermosura.

LUIS DE CAMÕES

Em vós senhora vejo claramente
As ânsias de um amor que não se acalma,
Trazendo uma esperança dentro da alma
Apenas o vazio este inclemente

Tomando-vos deveras plenamente
Assíduas ilusões trariam calma;
Mas sei o quão difícil, duro trauma
Em vos trazer o nada se pressente.

E perdoai-me se a voz já não se cala
Porém se da verdade a alma é vassala
Entendo que por mais que se procura

A sorte vos desdenha, caprichosa,
O mundo esta esperança vã vos glosa
Somente porque em vós, rara feiúra...

24167

Um manto feito em luzes e carinho
Aonde eu já decifro a magnitude
Do encanto que deveras nunca mude,
Pois dele com prazer eu me avizinho.
Tivesse a sensação de ferro e espinho
Mudando vez em quando de atitude
Moldando noutra esfera a vã saúde,
E nela sem temor irei sozinho,
Professo esta ilusão que não me doma,
Mas quando entorpecido em leve coma
O mundo me parece mais bonito.
Porém mal eu acordo e vejo ignaro
Caminho em que sem luta eu me declaro
E sem qualquer resposta, um tolo, eu grito.

24166

Permito-me falar da Diva e Musa
Que desde os tempos áureos da poesia
Traduz a forma exata em que se cria
O verso que em verdade, a história cruza,

Não deixe que se perca numa obtusa
Senda a maravilha em melodia
Ousando com soberba fantasia
Vencer a sorte amarga e tão confusa

Aonde se demonstra a insensatez
De uma era que se faz em turvas águas,
E quando nestes mares tu deságuas

Transformas a palavra que ora vês
Num mundo feito em brilhos tão diversos
Usando este cinzel que são teus versos...

24165

Pudesse nalgum canto o canto à vida,
Mas sei que o desencanto prevalece,
E sendo o que me resta, alguma prece
Expressa a solução em despedida.
Não tendo mais poder que dê guarida
A quem não crê, sem fé desobedece,
A teia que este mundo agora tece,
Expõe do próprio ser funda ferida.

Carcaça do que eu quis fosse mutante
Por mais que minha voz inda levante
Ninguém escutaria um tosco brado

De quem vivendo as dores do seu tempo,
Morrendo a cada novo contratempo,
Procura reviver treva e passado...

24164

Aonde procurara vi nenhum
E deste nada agora ainda sobra
O verso que em verdade dita cobra
E nunca mudaria; jeito algum.

Escrevo como quem não se conforma,
Pois não suportaria o que se alcance
Nas ânsias deste mundo em vão nuance,
E não comportaria qualquer norma.

Egocêntrico? Nunca desmenti,
Mergulho dentro em mim; e isto me basta,
A imagem transtornada, agora gasta
Traduz o que melhor percebo aqui.

Enquanto se prepara o temporal,
Aonde houver um cais, ponho esta nau...

24163

A sorte que me fez desencantado
Com tudo o que percebo dia a dia,
Meu verso se pudesse moldaria
Um tempo bem diverso; ledo Fado.
O que já se proscreve, diz passado,
Mas dele um novo ciclo se recria,
Trazendo ao velho porto esta agonia
Do barco que se fez mal ancorado.
Presumo deste insumo o que se esfuma
E bebo com certeza desta espuma
Aonde a podridão de um velho encanto
Brindando em raros copos de cristal
Agora o que concebo é frágil nau
Salgando o mar vazio em tosco pranto...

24162

Seguindo cada passo até o inferno
Mergulho neste imenso fogaréu,
Descrente deste ausente e turvo Céu
Nos antros mais imundos, eu me interno,
Bem sei que jamais fui, serei eterno,
E nisto reconheço o meu papel,
O canto procelário é mais cruel,
Mas como poderia ser tão terno

Se eu vejo esta desdita que se espalha,
Na multidão estúpida e canalha
Reproduzindo a insânia dos primórdios,
Sem ter sequer talvez que inda aborde-os
Percorrem este mundo feito em gozo,
Depois num fogo espúrio ou invernoso...

24161

Aonde em descampados meu futuro
Previra neste oráculo, um cigano
Semeio cada grão do desengano
Cultura que deveras eu procuro,
O céu do embrionário gozo é duro
Ascendo ao Paraíso e já me ufano
Do verso que deveras segue insano
Por onde na verdade, não perduro.
Apenas tão somente uma excrescência
Não trago em minhas mãos, sequer clemência
E vivo sem remédios, por viver.
Um tempo em que se mostrara destroçado,
Ainda molda agora o seu reinado,
Matando o que me resta de prazer...

24160

Aonde se pudera uma mansão
Dos vários desenganos fiz barraco,
E quando em realidade; a vida atraco
Percebo que deveras não virão

Os dias onde outrora na amplidão
Agora percebendo ser mais fraco
O coração de quem se mostra um caco
E a sorte se perdendo sem razão.

Morrer e não saber se existe ainda
Um tempo ou temporal ou mesmo nada,
Futuro no vazio se deslinda,

Mortalha do passado traz o luto
Aonde uma alma encontra-se invernada,
Mas contra os vários nãos, teimoso, eu luto...

24159

Do quanto imaginara sou punhado
E desta parte apenas um resquício
Do que pensara outrora desde o início
Num mar, talvez um rio, ou alagado.
Mas sei que na verdade se eu me enfado,
Percebo tão somente o precipício
E dele sem temor, mergulho em vício
E bebo da aguardente um bom bocado.
Tragando com certeza já me estrago,
Porém não quero mais sequer o afago
De quem se fez amiga, mas decerto
É como uma serpente em frio bote,
Por mais que outro caminho inda se note,
O quanto de esperança em vão, deserto.

24158

Aonde se mostrara humanidade
Apenso no talvez que deste a quem
Outrora transformara o que inda tem
No vago que deveras inda brade

Quem tanto se fez luz e claridade
E vive agora ausente e mesmo aquém
Do tanto que em verdade não convém
Morrendo a cada dia, diz saudade.

O ser humano nasce bom? Inerte.
Depois em fria fera se converte
E tudo que pensara em tom sombrio.

E quando mais audaz o passo, então,
Maiores desatinos mostrarão
Os que nos versos turvos eu desfio...

24157

Espero tão somente no final
A paz que não consigo e tanto tento,
Aonde se mostrara mais atento
Vislumbro este momento sepulcral,
Venero cada força deste astral
E mesmo quando ausente ou violento,
Tomando com certeza o pensamento,
Expresso na alegria um ritual,
E vejo após a tarde que se encerra
A lua se aproxima e sobre a serra
Deitando farta luz, eterna dama.
Aonde procurara a lucidez
O mundo neste instante se desfez
E a morte, indescritível sonho, clama...

24156

De todos os meus dias, os destroços
Ainda se mostrando sobre os ombros,
Nascendo e renascendo dos escombros
Apenas restarão de mim os ossos.

Esquálida figura se perfila
Buscando das estrelas algum brilho,
E enquanto em trevas ando e noites trilho
Revolvo num instante a velha argila

E mostro o quanto em pó ainda resta
Do ser que Deus num sopro fez em vida,
Da própria sorte às vezes se duvida
Erguendo um novo altar, alma funesta

Bebendo desta pútrida aguardente
Um quadro tenebroso se pressente...

24155

O pó que se entranhando nas narinas
Depositando a lama que nos fez,
Voltando ao mesmo pó, sem lucidez,
Na treva mais escusa te iluminas,
E quando os meus desejos tu dominas
Percebo em teu olhar tal altivez
Bem mais do que pensara, ainda crês
Que enquanto me maltratas, me fascinas.

Abafam-se os delírios da pantera
Aonde a solidão já destempera
A morte se aproxima quase infame,
Não tendo quem me possa mais calar,
Ascendo neste verso céu e mar,
Permito que minha alma, à morte clame...

24154

Qual fora simples bússola sem norte
Aonde se pensara em luz sou treva,
A sorte se moldando aonde neva,
Deixando a solidão como suporte,
Não tendo quem deveras me conforte
Apenas a ilusão assim me leva,
E enquanto da esperança última leva
Perdendo a direção, traduz a morte.

Não vejo mais nem quero me apoiar
Nas vagas de um estranho e vão luar
Mesquinho e avermelhando argênteo tom
No quadro que se esboça em vulga tela
A vida muitas vezes se revela
E a paz tão necessária, vira um dom...

24153

O quase se reflete muitas vezes
Na plena negação da sorte em vida,
E a quantas, andaria esta partida
Imposta pelos mesmos vãos reveses,

Por mais que noutros campos tu revezes
E vejas com olhar de despedida
A luz que dentre tantas; sempre urdida
Nos moldes que se buscam novas reses

Permite ao sonhador crer que inda resta
Uma esperança tosca, e dela a festa
Assiduamente entorna a serpentina

Aonde em carnavais antigos vejo
Além do borbulhar de algum desejo
A fonte que deveras me ilumina...

24152

O amor que em tanto amor se fez enorme
Aonde se moldara um vasto lume,
Sentindo em tua pele este perfume,
Da sorte que deveras já se informe
Uma alma outrora pária e tão disforme
Esconde-se deveras, onde esfume
A dor que muito além de um vão costume
Jamais descansaria, pois não dorme.

E tendo em minhas mãos as tuas, posso
Falar do sentimento, sendo nosso
Deveras invadindo este arrebol,
Pois quando perceber felicidade,
Além da fúria imensa que te invade
Seremos para o mundo qual farol.

24151

Tecesse alguma imagem com pincéis
Pinçando dentre tantos desencantos
Alguns momentos nobres, belos cantos
E deles desenhasse carrosséis;
Aonde se fartara outrora em méis
Agora ouvindo só terríveis prantos,
Esqueço os dissabores, tantos, tantos,
E penso noutros dias mais fiéis.
Assaz maravilhosa, a vida trama
Envoltas entre luzes, treva e chama
Essências tão diversas, boas, más.
No fundo a gente busca a liberdade
E mesmo que este sonho envolva, agrade,
Como realizá-lo sem a paz?

24150

A morte não é o fim,
é apenas transição:
começo da vida, enfim,
numa outra dimensão

Celina Figueiredo

Quisera poder ter esta certeza
Que trague ao meu olhar a eternidade
E em mares mais tranqüilos sempre nade
Bebendo com vigor a correnteza,
A vida se trazendo em tal leveza
Teria o mesmo tom: felicidade,
E enquanto a fantasia ainda agrade
Navegando ao revel da natureza.

Mas sei que esta verdade é feita em fé
E dela me afastando vez em quando,
O tempo a velha imagem destroçando
Procuro algum momento, ou mesmo até
Quem possa me dizer ao que se lança
O bem que ainda trago: uma esperança...

24149

Neste vôo a liberdade em cores várias
Aonde se fizera larva apenas
Metamorfoseando em luz acenas
As ilusões diversas luminárias,

E quando entre mil fogos; velhos párias
Bebendo a fantasia, doses plenas,
As noites que deveras tu serenas
Outrora foram duras adversárias.

E quando se mostrando em face pálida
O destino lepidóptero da crisálida
É ter o mundo inteiro em asas leves,

E quando alçando encantos, dissabores,
Por onde novamente recompores,
Os passos mais audazes; sempre atreves.

24135 até 24148

5


Ao largo destas ondas, levo o barco
Vencendo as intempéries; mansidão.
Sabendo desde sempre o que farão
As torpes ilusões que não abarco,

O quanto se mostrou na vida parco
O sonho ao ver ao fundo esta amplidão
E nela propriamente a negação
São como setas frágeis para um arco.

Não posso me levar por tais sinais
Aquém do deveras desejais,
Se vós tendes nas mãos a liberdade.

Vos servido não temo outra manhã
E sei que uma mudança tola e vã
Não é o que deveras mais agrade.


6


Às vezes de esconder claros defeitos
Eu sinto ser real necessidade,
Por aonde esta saudade chega e invade
Os sonhos na verdade estão desfeitos.

Encontro a solidão de velhos leitos
E neles a total tranqüilidade
Embora tal retrato se degrade,
Não faço de ilusões sequer meus pleitos.

Apenas quero se feliz e entanto
Ao longe no vazio inda me espanto
E tento sem sucessos ver a luz;

Pois onde no passado houvera penas
Agora se em perdão e paz acenas
Deveras falso brilho não seduz...


7



Se desgraçadamente a mente engana
E tudo o que se vê não tem razão
Apenas simples sombras ficarão
E o tempo traz uma alma soberana

Aonde se mostrando mais profana
Uma alma se entregando sem perdão
Não sabe se inda resta a solução
E quando se aproxima desengana.

Vencer os meus delírios e seguir
E mesmo que não creia num porvir
A vida por si só encanta a quem se dando

Não teme os dissabores nem tristezas
Além do que deveras inda prezas,
As dores se aproximam; turvo bando...

8




Um corpo sem sentidos, vão e inerme
Aonde se pudera crer na sorte,
E quando sem ter luz que me conforte,
Não posso mais sequer talvez; erguer-me.

Além do que pensara sei que ver-me
É como ter nas mãos a fria morte,
E enquanto houver um canto que comporte
Não vou ser devorado por tal verme.

Não quero a placidez que me apascente
Uma alma se demonstra mais ausente
Se tudo o que inda quero não consigo.

Viver só pelo fato de poder
Aos poucos descobrir o que meu ser
Procura além de cais, comida e abrigo.


9


O peito em carne viva poderia
Ao menos ser talvez mais dócil, pois
Enquanto se mostrara sem depois
Expressa no final a fantasia.
Mergulho neste mar onde a agonia
Extrai cada momento de nós dois,
Não dando nem sequer o nome aos bois
A morte noutra vida se recria.
Acende esta lareira após. Senão
Falenas noutro campos volverão
Mudando a sorte imensa de revê-la.
Esgoto-me deveras no que eu disse,
Embora tanto amor seja tolice
É nele que aprendi conter estrelas...


10


As mãos que se cruzando sobre o peito
De um velho sonhador dizem promessas
Audazes que mal tornas, recomeças
E sabes onde escondo o nada feito.
E enquanto estas versões eu não aceito
Sabendo que deveras vivas; essas
Ilusões pelas quais quedas; tropeças
São peças arrumadas sem ter jeito.
Não posso se, enfadonho, busco ao menos
Os dias em que possam ser serenos
Os cortes mais profundos que me deste.
Por mais que não consiga outra versão
Senão esta nefasta comunhão
Da vida com o solo mais agreste.


11



Metido com as mãos erguidas tendo
Apenas este céu por referência
E quando se demonstra a preferência
Não vejo noutra fonte algum adendo,
Se todo o meu caminho assim desvendo
E entregando a minha alma; pois, convence-a
Que ao fundo não verás sequer clemência
No olhar de quem se fez mesmo não sendo.

Escrevo cada verso feito apenas
Por ter necessidade de contar
Além destas estrelas, do luar
Aonde e em que caminho tu serenas
E roubas; logo, as cenas, fato incrível
Do amor que antes julguei ser implausível.


12


Desfila sobre o leito agora o que
Deveras não sabia ter qual alvo
Um dia em que pudesse estando a salvo
Saber desta verdade o que não vê.

E tendo sem desculpas nem cadê,
Auto-controle enorme é que ressalvo
De cada monte o cume, mesmo calvo
E nele em escaladas, céu se crê.

Estrelas e disfarces onde a lua
Deitando sua prata continua
Reinando sobre toda a noite em luz.

Esgoto-me no quanto não consigo
Viver a poesia como abrigo
Que tanto me maltrata e já reluz...


13


Pairando sobre as almas, vejo as asas
Abertas das estúpidas quimeras,
Aonde na verdade não esperas
São presas teorias em que embasas
As vidas como fossem meras brasas
Que o tempo muita vezes destemperas,
Deixando em teu olhar, pródigas feras
Enquanto refugias noutras casas.

Não posso desvendar sabendo a teia
Aonde se enovele o que incendeia
E toma em fogaréu a cercania.
Acerco-me das armas que inda tenho
Mostrando desde cedo o meu empenho
Na luta amortalhada que se cria...


14



Enquanto cantas vida e riso e gozo,
Ainda não me cabe este prazer,
Aonde se mostrara algum viver
O tempo se moldara caprichoso,
Vivendo a fantasia e desditoso
Caminho que procuro, posso ver
O quanto desnudando um vago ser
Apenas mostra o rosto belicoso

De quem se fez mortalha em plena vida
E mesmo que talvez em descaída
História se refaça vez em quando,
No fundo meu cantar trazendo a morte,
Não tendo quem deveras mais suporte
Um mundo noutro canto disfarçando...

15

Cantasse em ironia festa e luz,
Seria na verdade sempre falso,
E quanto mais profundo o cadafalso
A treva sem demoras, já conduz

O velho caminheiro reproduz
Em versos o que ainda usando calço
E quando a realidade turva eu alço
Levando a mais pesada e dura cruz,

Servindo de mortalha a tais abutres
Que insaciavelmente ainda nutres
Com gozo de esperança tola e tosca,

A sorte que se aufere em fogo e chama,
Por vezes de outro mote inda reclama,
Porém a minha noite segue fosca...



16







Passado que em futuro não traduzo
Expondo no presente a solidão
Bebendo desta estúpida ilusão,
As cores que revejo, reproduzo.
E sendo que não posso, mas reluzo
Em plena negritude, pois virão
Tomar já totalmente a embarcação
Moldando a cada passo o mesmo abuso.

Não ter outro caminho e ser assim
Diverso do vazio de onde vim
Mereço pelo menos um momento
Aonde não se faça só promessa,
Mas quando a vida vem e recomeça
Nas ânsias do vazio, eu já me alento.




17



Entorna-se deveras este caldo
E quando não pudesse ter nos dias
Além do que este vão que prometias
Restando neste escombro algum rescaldo.
E quando noutra sanha eu me rescaldo
Esqueço do quer foram fantasias,
E sempre que procuro, mais adias
Numa incerteza tosca, enfim me esbaldo.

E tenho que lutar contra o não ser,
Queria simplesmente; mas poder
Decerto não tem nada com querências.
Aonde se mostrara algum sorriso,
Espanto-me, pois mais do que preciso;
As horas se moldando em imprudências...



18




Presente está pior do que o passado?
Talvez, mas se não creio no futuro
Enquanto em trevas luzes que procuro
Mergulho neste abismo, abandonado,
Vivendo o que não sei ser cruz, pecado,
Pesando a cada dia o chão mais duro,
Pisando neste vale em céu escuro,
O tempo que pensara, desolado.
Rasgando os velhos tomos deste livro,
Dos meus fantasmas, todos, eu me livro
E solto as mãos em busca do que outrora
Pensara ser possível, mas sei bem
Que nada vezes nada, o que contém
O mundo que buscara sem demora.

24134

Abrutalhado ser que em plena paz
Destroça quem encontra pela frente,
Assim com tal furor e incoerente
De tudo, com certeza ele é capaz.

Figura tão insólita e voraz
Nas mãos trazendo a faca se pressente
A morte inevitável no inclemente
Delírio ao mesmo tempo em vão, mordaz.

Cercando-se de deuses mais baratos,
Gargalha-se satânico espetáculo,.
E expondo sem temor cada tentáculo

Não vendo a fúria imensa de seus atos,
Um bípede primata se fez deus,
E nele a vida diz o último adeus...

24133

Restando tão somente após a luta
O fato de não ter luz e inocência
Aonde procurara fluorescência
O passo outrora firme, já reluta.

Estúpida figura segue astuta.
Não tendo mais quem creia após. Convence-a
Do quanto se pesou como inclemência
a fúria do senhor que não te escuta.

Deveras fora assim que me ensinaste,
Um pai que se entregando a tal contraste
Amando enquanto em ódio ora se vinga,

Olhando para o belo, a natureza
Eu vejo coerência em tal nobreza,
O Pai que fez o mar; fez a restinga...

24132

Nas mãos do deus erótico, o futuro
Numa expressão satírica se vê
O quadro sem retoques, nem por que
Aonde com delírios me emolduro.

Encontro vez por outra um alto muro
E nele com certeza o que se lê
Em garrafais além do que a alma crê
A história primitiva onde perduro

O sangue que deveras se fez santo
E nada mais impede e não me encanto
Com cores desbotadas, vãos grafites.

Não quero ter a sorte dos senhores
Tampouco seguirei por onde fores
Nem mesmo acreditar no que acredites.

24131

O que virá depois da última bomba,
Apenas o vazio? O quanto falta?
Pergunto e sem resposta do internauta
A previsão do oráculo já tomba

Uma alma se sutil de tudo zomba
E enquanto a solidão vem e me assalta
A refeição jamais se fez tão lauta
Porém numa hecatombe, outra kizomba?

Acendo então um último cigarro,
Num fio de esperança ao qual me agarro,
A sorte tece redes que incompletas,

Encontrando à deriva o meu esquife,
No olhar tão traiçoeiro de um patife
As honras mais jocosas e diletas...

Wednesday, February 3, 2010

24130

O que me resta agora neste mundo
São flores esquecidas nalgum canto,
E quando na ilusão ainda canto
Nas sendas mais diversas me aprofundo

E o coração deveras tão imundo
Apenas embalado pelo pranto,
Lembrando do sutil belo acalanto
Esqueço o meu presente, vagabundo.

Qual fora um mero pária em noite fria,
Ainda se esboçando a poesia
Nas mãos de quem outrora quis o sol,

E quando me percebo tão distante
Do dia que pensara, radiante,
A treva vai tomando este arrebol...

24129

O mais alto de tantos pensamentos
Jamais alcançaria o pedestal
Aonde se encontrando o triunfal
Delírio que apascenta sofrimentos,

Enquanto vou me expondo aos fortes ventos
E aguardo com certeza o temporal
A vida se mostrando trivial
Esconde os mais diversos sentimentos.

Meus versos embalados pelo sonho
Que tanto procurara e recomponho
Usando qual cinzel um simples verso,

Passado se perdendo na lembrança
E quando este porvir risonho alcança
Esqueço o que vivera, tão perverso...

24128

Sentindo em desamor o teu desdém
Um frio pensamento dita a sorte,
Não tendo quem me acolha ou me conforte
Vontade de morrer, deveras vem,

E vivo tão somente por alguém
Que não me quer e busca noutro norte
A fonte que desfila em seu aporte
Enquanto em minhas mãos nada contém.

Vazio coração espera tanto
E enquanto neste sonho em vão me encanto
Encontro o que pensara não mais ter,

E os olhos que perdidos no passado,
Agora vendo o fundo abençoado
Do céu neste tão lindo amanhecer...

24127

Aonde se fizera amor tão fútil
A paisagem muda no final,
Esgueiro-me das ânsias do animal,
E tento mesmo sendo vago e inútil.

Ascendo ao nada ter e nisto faço
Um verso que possa me conduzir
Ainda se acreditas no porvir,
Permita que eu repita cada traço

E beije a podridão que já se exala
Da velha poesia semimorta
E quando noutro cais a vida aporta
A noite que pensara ser de gala

Esboça-se em venal caricatura
E o fim de uma ilusão já se afigura...

24126

Escondo-me nos ossos de quem fora
Ainda há pouco tempo e da carniça
A glória da esperança já se viça
Uma alma se mostrando sonhadora

E quando noutros tempos; tentadora
Mortalha muitas vezes movediça
Fornalha da ilusão trama em cobiça
A morte no final, expectadora

Aonde se mostrara este cenário
Uma esperança atroz, desnecessária
E o fogo se espalhando, temerário.

Queria pelo menos ver a face
Daquela que se mostra a luminária
Da fúnebre paisagem, o desenlace...