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Saturday, September 16, 2006

Cordel A minha Sina Capítulo 14 A Besta Fera

Escapando dessa terra,
Desse famoso Eldorado,
Num caminho desgraçado,
Subindo naquela serra,
Onde coração se enterra,
A vida não tendo jeito,
Lutando pelo direito
De viver a vida em paz,
Escapei de Satanás,
Me dando por satisfeito...

Depois de muito caminho,
Nas matas não ando mais,
Eu deixei tudo pra trás,
Procurei o meu caminho,
A vida sem ter um ninho,
Onde possa descansar,
Tô precisando parar,
A vida não faz sentido,
Meu mundo está mais perdido...

Encontrei um vilarejo,
Lá perto de Sucupira,
Onde cabra bom atira,
Por vontade e por desejo.
Numa morena dar beijo,
Deitar de novo na rede,
Matar a fome e a sede,
Sem ter dó e piedade,
A danada da saudade,
Encostada na parede...

Nessa terra do pé junto,
Que se chama de Ramela,
Onde todo cabra pela,
Tesconjuro seu defunto,
É melhor mudar de assunto...
Encontrei com Virgulino,
Contei os meus desatino,
Ele respondeu na lata,
Me deu um punhal de prata,
Pra cuidar do meu destino...

Depois de muita conversa,
Se despediu o amigo,
Me disse: agora é contigo,
Me desculpe minha pressa,
Tenho que voltar depressa,
A Marina tá esperando,
É melhor ir terminando,
Que essa noite não demora,
É melhor eu ir embora...
Se despediu, me abraçando...

Fui então procurar casa,
Encontrei uma viúva,
Me fez bolinho de chuva,
O seu corpo andava em brasa,
Tanta saudade me arrasa,
Me chamou pra ir dormir,
É melhor ficar aqui,
Um lado meu me dizia,
O outro lado me pedia,
Foi esse que obedeci...

A mulher era fogosa,
Deitada naquela rede,
Viúva igual galho verde,
Balancei então a rosa,
Com dois dedinhos de prosa,
Tava feita a sacanagem,
No mei daquela engrenagem,
As coisas perderam rumo,
Alisei mantive prumo...
O resto todo é bobagem..

A noite de lua cheia,
Era plena madrugada,
Foi então que a cachorrada,
Como que tivesse peia,
Numa bagunça incendeia
Todo aquele povoado,
Num barulho desgraçado,
Assustando até defunto,
Não gostei daquele assunto
Fui depressa conferir,
Mal a porta pude abrir,
Nunca vi tanto cão junto!

Os danados dos cachorro
Corria feito o diabo,
Nesse trem inda me acabo,
Fui conferir, subi morro,
Fui prestar o meu socorro,
Quando vi um bicho feio,
Cavalo e homem no meio,
Sobre os cascos galopando,
Nos cachorros chicotando,
Sem parar sem ter nem freio...

A viúva então me disse,
Que era a tal besta fera,
Que nessas noites impera,
E se a danada me visse,
Se por acaso me ouvisse,
Era melhor cair fora,
Tô frito, pensei na hora,
Eu não dou sorte me ferro,
O bicho então solta um berro,
É hora de eu ir embora!

Não deu tempo nem daria,
Olhando pra minha cara,
Relinchou, fez que anda e para,
Disparou na montaria,
Eu vazei na noite fria,
Ele correndo por trás
Parecendo Satanás,
Não me deixou nem por reza,
Tudo que demais se preza,
A gente não é capaz...

Me lembrei do tal punhal,
Que Virgulino me dera,
Parei, olhando pra fera,
E mostrei fiz um sinal,
Pus na mão direita um pau,
O punhal também mostrei,
Parecendo que era um rei,
O bicho não quis correr,
Fez que iria até morrer,
Pra outras banda vazei...

O danado do mistério,
Se mostrou na solução,
Trotando pediu perdão,
E vazou pro cemitério,
Fiz de bravo, fiquei sério,
Ele então se acovardou,
Num momento se abaixou,
Fez então cara de triste,
O diabo não resiste,
Ao punhal que prateou...

Nem voltei para a viúva,
Peguei o meu embornal,
Varejei no matagal,
Eu prefiro até saúva,
Comi bolinho de chuva,
Fiz festança com mulher,
Vivendo como Deus quer,
Me embrenhei então na mata,
Meu destino me arrebata,
Seja lá o que Deus quiser!

Sem Nexo

Nos braços dessa lua, adormeci...
Deitado no sereno, sem coberta.
Tantas noites que, embalde, te perdi,
Já não tenho o temor. Na descoberta,

Maravilhosamente, te senti.
Caminhavas, seguias mais alerta,
Dos teus passos, descuidos, percebi...
A vida nos traz lutas, vai incerta.

Mesmo que não me queiras, nada temo...
Não te concebo santa nem és demo.
Apenas a mulher, desejo e sexo...

Isso, te quero cheiro sensual,
Me parece então, tudo tão banal...
Mas no fundo, essa vida não tem nexo!

Mate-me suavemente

Suavemente, mate-me querida,
As mansidões que trazes, me ferindo...
Depois de ti jamais terei a vida,
Antes nunca tivesses aqui, vindo...

Cada noite sem ter-te vai perdida,
Doloroso viver sonho tão lindo.
E saber que terei, depois despedida...
Quando me beijas tudo vai sorrindo...

Mas mate-me, te peço, até te imploro...
Eu não te amo somente, já te adoro!
Sobreviver então, é impossível!

Não posso te perder, é dor incrível,
Nada me resta então, senão pedir:
Me mate assim, antes da morte vir!

Contigo Partirei

Contigo partirei buscando sendas,
Nos campos, nas estradas, nas procelas.
Meus olhos não suportam tantas vendas,
A vida escapará de tantas celas...

Contigo partirei, por novas lendas,
Nas noites que sonhamos, todas belas...
No frio do deserto, velhas tendas,
Nas rosas que plantamos, amarelas...

Contigo partirei minha querida,
Percorro procurando nossa vida...
Retiro tantas urzes do caminho...

Abraço a fera noite que me veste,
Contigo partirei d’onde vieste,
Contigo nunca mais serei sozinho!

Sonho Impossível

Sozinho, sem ter Lara, vida segue...
Tantas vezes percebo esse lamento,
Me silencio, quieto, mudo...Tento
Seguir em frente, quero quem carregue

Meus baús tão pesados. Mas prossegue
Meu martírio, persigo mais sedento.
Um bar, uma luz, mares que navegue;
Somente nas mortalhas, meu assento...

Lara foi um soneto, simples verso,
Mas dói, frutificando no universo.
Sem Lara, mortifico cada instante;

Mas Lara nunca veio nem virá.
O brilho de teus olhos, onde está?
Procuro em minha vida, cada estante!

Esperança

Conheci num verão, u’a moça forte,
Dentes e seios rijos, camponesa...
Minha vida era triste, sem ter norte,
Mas nada reparei, sequer beleza...

Os seus olhos castanhos, belo porte;
Sorria, mansamente, sem tristeza.
Estrada me levou, profundo corte;
As curvas dessa vida, luz acesa.

Parti para Sergipe, Propiá,
Muitos anos fiquei por lá;
A moça adormecida na lembrança ...

N’outro dia sonhei com tal morena...
A campesina bela e tão pequena...
Me lembrei do seu nome; era Esperança!

Conselheiro

Vindo dos sertões, trago todos medos,
Medo da solidão, rastros, tocaias...
O medo dessas cobras dessas laias,
Que matam, simplesmente sem segredos...

Dos coronéis perversos, seus enredos.
Das noites sem luares, das gandaias.
Nos cantos onde cantam as jandaias,
As balas vão zunindo, facas, dedos...

A fome se espalhando no roçado,
Os olhos dos meninos sem futuro.
A vida percebendo trás do muro,

Um sonho que sonhei abandonado...
Eu venho do sertão, sou brasileiro.
Quem dera conhecesse Conselheiro!

Império

Império sanguinário dominante;
Transforma em morte tudo que ele roça.
Nas crinas dos cavalos, ruminante...
As bombas são jogadas na palhoça...

Domina, torturando, a cada instante.
Se ri, zombando, vive a fazer troça,
De quem tentar seguir, ir adiante.
A todos que o temem; vil, destroça!

Águia, rapina, matas sem ter penas...
Destróis a todos, marcas, envenenas.
Em nome d’um Senhor mais egoísta.

Permita-nos Ó Pai, sobreviver,
À fúria desmedida desse ser.
Se nos queres servis, então desista!

Altar da Lembrança

Eu guardo essa beleza entronizada,
Num altar soberano da lembrança.
Te procurando, te encontrei guardada,
No retrato escondido, por vingança,

Numa noite longínqua. Aquela dança
Que negavas, fingias seres nada.
Pois eu tentei quebrar aquela lança,
Então riste, zombaste, desgraçada...

Em um segundo, estavas morta, rastos...
Meus sonhos se tornaram mais nefastos...
A natureza artífice perfeita;

Teus restos embalados no porão,
A vida me negando embarcação.
A morte também logo vem, me espreita...

Fantasia e Realidade

Minha amada sutis os teus perfumes,
Dálias, lírios, crisântemos, e rosas
São testemunhas desses meus queixumes,
Açucenas, jasmins, as olorosas

Flores. Com loucos hábitos costumes,
De roubar do meu amor vaporosas
Belezas. Demonstrando assim ciúmes.
Todas elas são belas, invejosas...

Minha amada tem frágeis, delicadas,
Formas que me permitem sonhar...
Quem me dera poder sempre encontrar,

As tuas mãos gentis, maravilhadas,
A cada anseio, sonho e madrugada...
Procuro te encontrar na minha amada...

A Tarde

Choravas, triste noite vinha breve,
Tuas mãos doces, belas e macias,
Dava a simples noção de branca neve,
As horas que passavas, pobres dias...

Choravas... Eu, tarde, sou tão leve,
Em meio aos teus soluços...Sim, gemias...
A noite com ciúmes não se atreve

Testemunhar teu triste sofrimento...
Eu não te deixaria um só momento,
A vida, te prometo, virá mansa...

Mas tenho que partir, a noite vem...
Vindo me levará ao triste além...
Onde teus olhos, braços, nada alcança...

Camaleão

Um camaleão voraz, mudo de cores,
Nas tardes sou azul, negro noturno.
Carregando comigo, meus amores...
Meus passos espreitando tão soturno...

As marcas que restaram, dissabores,
Me deixaram saber de cada turno...
Plantando flores colho tantas dores,
Planetas anelares, sou Saturno...

Meu coração virando latas bate,
Nas madrugadas lúdicas rebate
Com cantos esses uivos que me dás...

Ferrenho lutador procuro paz,
Mentiras são vergonhas e verdades...
Camaleão percorro as veleidades...

Criança

Trazendo velhos sonhos, de criança,
Não quero mais negar o meu passado.
As dores que carrego na lembrança,
Já há muito tempo marcham ao meu lado...

Quem fora brincadeira, por vingança,
Deixou um rastro lindo apaixonado...
As moças que jogavam, bela trança,
Não passam mais. Fiquei abandonado..

Quem dera não morresse mais o sonho,
Assim não viveria tão tristonho...
A vida me faria mais feliz...

Não posso conceber essa saudade,
O tempo destruiu a liberdade,
Na criança que morre, um infeliz...

Mutantes

Das retinas cansadas, meus delitos...
Não quero perceber tua saudade,
Nem quero mais sonhar sonhos aflitos,
Nem perder-me no meio da cidade...

Teus passos são meus rastros, são restritos,
Nas tardes que te perco, liberdade,
Demoras nas encostas solto gritos...
Antes tivesse tido, cedo ou tarde...

Meus dedos dedilhando uma canção,
Percorrem no teu corpo um violão,
Decidem por acordes dissonantes...

Meus versos são mordazes e gentis...
Das forças que traduzes peço bis...
Não mudas mas meus sonhos são mutantes!

Corsário

Um corsário buscando por tesouros,
Nas ondas, nessas ilhas, nestes barcos...
Os canhões explodindo, seus estouros,
Sonhos mais ricos, barcos pobres, arcos...

Nas tempestades lutas maus agouros,
Os ventos que derrubam, velhos marcos.
Tempos passados, novos e vindouros...
Tantos desejos, mortes certas. Parcos

Os sonhos, não lhe resta quase nada.
Da gigantesca frota, dessa armada,
Somente um simples barco, nada mais...

Corsário, na procura por riquezas,
O vazio maior dessas tristezas;
Esse sim, não te deixará jamais!

Lua Nova

Lua nova, aprendiz, lambe esse mar...
Deixando um rastro belo sobre a areia...
As estrelas marinhas, procurar,
Num segredo contado por sereia...

Lua nova, caminha, vem passeia,
Tanto tempo fiquei a te esperar.
Lua nova, querendo ser a cheia,
Rainha nos mistérios do luar...

Adolesces; celeste, cristalina...
Nas noites que te encontro, tanta festa,
O teu sensível brilho me ilumina...

Meus amores parecem bem contigo...
Nas tardes surgem, noite nada resta...
Lua nova, também pleno, persigo...

Crime

Quando desfilas, nua, pelas noites;
Trazendo um manto branco, transparente,
Os ventos que te levam são açoites,
O brilho do luar, mais envolvente...

Quando te espero, longos entrenoites;
A vida maltratando qual serpente,
Espera pelos mágicos pernoites,
Onde serás só minha, finalmente...

Nas taperas, nas quintas, nas bodegas,
Nossos vinhos guardados nas adegas;
Esperam tal momento mais sublime...

Minhas mãos ansiosas tremem tanto.
Meu medo, em tal momento belo, santo;
Ao te tocar, dê sensação dum crime...

Claustro

No claustro onde deixaste o coração;
Sem portas, sem ter chaves, absoluto...
Nas lendas do deserto, da paixão;
Não te restará nada além do luto...

Muitas catedrais trazem a oração,
Muito barco, nos mares, impoluto...
Muitas luas brilhando no sertão.
Homens quietos, do mundo mais astuto...

As forças naturais das tempestas,
Muitas dores simbólicas são festas.
Muitos cantos escondem a sereia...

Muitas flores precisam ser colhidas,
Muitas mortes renascem novas vidas...
Só o teu coração, deserto, areia...

Desértico

O sol a pino queima, atroz fornalha...
Nessa areia desértica, cruel...
Reinando, solitário lá no céu,
Seus raios feito braços traz, espalha...

Nas terras onde cobre, na batalha
Diária pela vida, num corcel,
Campeiam homens, guerras. Meu farnel
Carregado de sobras... Na toalha

Do deserto, preparo meu repasto.
Teu corpo que previ, divino casto,
Tal como esse sol queima, mas seduz...

Quem me dera pudesse desbravá-lo,
Percorrendo, montado em meu cavalo;
Conhecer seus mistérios, sua luz!

A Origem da Lua

Ó bela ninfa, musa dos meus dias...
As percas me perseguem, meu navio...
O mar que naveguei, foi tão bravio.
Das sereias sobraram fantasias...

As serpentes marinhas... Baco, orgias,
Nesse teu brilho, velas e pavio...
Aceso meu desejo, dor e cio,
Espero pela musa, mãos macias...

Vi teu corpo, naufrágio e tempestade.
Os deuses, procurando claridade,
Profanaram as luzes que emanavas...

Roubaram-nas enquanto flutuavas.
Noite que não sabia nem brilhar,
Depois disso, resplende no luar!

Inocência

Na vasta cabeleira que penteias,
As mãos cariciosas, delicadas...
As rosas que plantei, foram marcadas,
Por cores que te lembram. Estonteias...

Nas armadilhas doces, teces teias,
Quem me dera estar preso em tais caçadas...
Dos reinos que sonhei, vãs madrugadas.
Das chamas que produzes, incendeias...

Te quero, não renego o sentimento.
Teus cabelos, reflexos do luar...
Macios, longos, belos, procurar

As rosas que perdi n’esquecimento...
Amar é dar sentido n’ existência!
As rosas brotarão tua inocência!

Pregos

Que dizer da promessa que fizeste?
Farsa, falsa, cinismos me ensinaste...
Meus dias num saveiro, rumo leste,
As luas que me trouxe, cabalaste...

Das mãos que me percorrem, trazem peste,
Mereço, por acaso, tal contraste?
Amar quem nunca amei, rasgar a veste
Que me cobre, quebrando essa fina haste...

Finaste e nada fazes, só flutuas...
As ruas que percorres deixas nuas...
Os olhos que te caçam ficam cegos...

Os dias que persigo são nublados,
Amores esquecidos descontados.
Nos castelos gentis derramas pregos...

A música repete sentimentos...

A música repete sentimentos...
No crescendo voraz, aumenta o pranto,
Não pude nem pedir um outro canto,
A vida não deixou sequer momentos...

Não quero nem sorver os teus tormentos.
Paro, penso, reflito e me levanto.
As horas que se passam, novo encanto...
Devagar fui procurando elementos

Que permitissem sabres e bastões.
Que me salvassem dessas podridões,
Que não sorvessem luz nem dessem trevas...

A seiva sanguinária foi letal.
Não quero transformar num carnaval;
As dores que me deixas quando nevas...

Violão

Sortes e motes, mudas e vestidos.
A nudez percebendo meus desejos...
As tardes que se foram, sem sentidos,
Deixaram coração tão sem lampejos!

Meus livros esquecidos, foram lidos.
Meu tempo foi guardado, cadê beijos?
Os cálices da vida, já partidos,
Os trapos que vesti sem relampejos...

Sortes jogadas, dados sobre a mesa...
Não sinto poesia nem tristeza.
Somente esse solvente que me morde...

Nas sílabas silabo tais torturas,
Nas cordas que soluço, as amarguras...
Meu violão calado sonha acordes...

Vermute

Tambores ecoando, quero os ecos...
Trapaças dessa sorte soam farsas.
Bebendo nessas taças, nos canecos
As danças prediletas são esparsas...

Não Quero nem começo e repetecos,
Nem vistas para o mar. Parecem traças
Espalhadas na casa. Meus jalecos
Guardados, não mais temo as massas.

Tratores vão arando esta seara.
Nas voltas que fecundam, lembram Lara,
Saudades esquecidas na gaveta...

Não sei sentir sonoras gargalhadas,
Nem sei dançar nas luas, madrugadas...
Esse vermute serve de luneta!

Eternizo

Quero o sabor gentil dessas palavras,
Corroendo o que sinto, nada mais..
Minhas mãos cultivando tristes lavras,
As colheitas serviram, tanto faz...

Não sinto tal pendor, nem mais entravas
Minhas pernas cansadas. Sou capaz
De não querer seguir. Se sou falaz,
Minhas serenas matas, fundo cavas...

Decepo a solidão forjando luz.
A corda que me prende, me seduz.
Anseio por venenos, satirizo...

Das entranhas surgiste, tal farsante.
Jogado nesse canto, canto amante...
As pedras que me jogas, eternizo!

Companheira Predileta

Foste cinza, perpétua solidão.
Companheira voraz de tantas dores...
Me ferias, lambendo... Teus odores
Chegavam, recendendo a podridão!

Nas trabéculas da alma, servidão.
Nos jardins que nasceste não há flores,
Caminhos que seguiste mil amores...
Não me resta mais nada, sigo em vão!

Solidão, companheira predileta.
Quer seria da vida sem teu braço...
Não teria sentido ser poeta,

Se não fosse essa ausência tão presente...
A dor que tanto sinto veramente,
Aumenta em teu carinho, teu abraço!

Insistência

Insisto, a noite cai, não tenho medo...
As tardes foram marcos com certeza,
O beijo que roubei me deu destreza;
A vida vai seguindo seu enredo!

As pedras que cultivo, meu penedo;
As bocas que desejo, dão leveza,
Achei das trevas luz, sei o segredo,
Que me dará por fim, a realeza...

Bastiões já se tornaram minhas pernas,
Os olhos te procuram, nas cisternas
Da noite que, caindo, me traz Lara...

Não posso permitir nova desgraça,
A morte nunca pára, por pirraça.
Jamais deixei d’amar a quem amara!

Desafeto

Eu pensei te dizer num belo adeus,
As coisas que traguei contra a vontade,
De nada restaria tal verdade,
Se não pudesse, ao menos, ver os breus

Que me trarão certezas, meu bom Deus,
Das dores te cobrirem de saudade!
As portas que fechaste, crueldade,
Te trarão, por lembranças, sonhos meus...

Receba essa missiva como um míssil;
Não queira nem saber como é difícil,
A quem comeu, cuspir no próprio prato...

As mãos que já lambi, num cego afeto,
Mordendo vou mentindo, perco o teto.
A sede inda procura teu regato...

Marina

Nas minhas delicadas percepções,
Me delicio cios e Marina...
Anota meus defeitos, descortina
Nos versos, veros astros e versões...

Não quero permitir os seus verões,
Nem quero ver as asas, assassina...
Nas trovas traduzidas u’a menina...
Nas horas que passei as decepções!

Se sabia não sinto nem traduzo,
Os motes que me dá, cedo conduzo;
Meus trapos estropio são falazes...

As fontes que bebi logo secaram,
As pontes que passei, s’arrebentaram.
As mãos que lhe percorrem, mais audazes...

Sobrevivente

Recebendo o bafejo benfazejo
Das alvoradas belas, da manhã.
Vivendo mansamente nesse afã;
Pretendo penetrar teu azulejo...

Nos tempos irreais, um realejo...
Quem dera concebesse um amanhã.
Seria, ao levantar, leviatã!
Mas não me restaria um só arpejo...

Coração tropical, trazendo febres...
Caçada audaz, raposas caçam lebres...
Nunca mais terei jeito e solução.

Nas minhas lutas, frisos, frascos, feras...
Em todos passos; quedas e crateras...
Sobrevivente louco, coração!

Movimento dos barcos

Movimentos dos barcos no meu porto,
Parecem com amores que perdi,
Renascendo outros tantos, vivo, morto...
A paz que bebi há muito esqueci...

Sem rumos nem correntes, esmo, torto...
Ressurgem madrugadas, já vivi,
Obsessão, meus navios. Matas, horto,
Tantas vezes pensei estar aqui,

Mas as marés não deixam, sigo a sina
Das algas, sem pousada. Da menina
Que deixei, nem ao menos um sorriso...

Movimento dos barcos, das marés...
Sofrendo por quem sou e por quem és.
Ancorar minha vida, isso preciso...

Amores Tísicos

Não quero amores lúcidos, serenos...
Daqueles que jamais me dizem não!
Loucura qualquer, rumo direção..
Dias pálidos, tímidos... Venenos...

Daqueles que não somam, pois são menos.
Amores que não marcam coração.
Atônicos, atônitos, do chão...
Das dores esquecido vão amenos...

As fantasias perdem, são vazios;
Amores sem desejos, sem cios...
Não os quero! Servis, amores coxos.

Sem temperos, delírios, marasmáticos...
Tísicos, repetidos, são estáticos.
Pretendo nós atados, nunca frouxos...

Friday, September 15, 2006

Vagando

Vencido por cansaços e mistérios,
Vagando por espaços siderais,
As horas que ficaram, cemitérios.
Nas pazes que profanas peço mais...

Nos mundos que teimavas seus impérios,
As bodas esquecidas são banais,
Não temo nem teus medos sem critérios,
Nas bocas que me beijas, mais venais...

Procuro tua forma nas paredes,
Nas sombras que formamos ao andar,
Tais fontes não saciam minhas sedes,

Pareces, vez em quando flutuar...
Não deixas nem sequer sombra nem rastro,
Procuro-te no céu morres num astro...

Falsa

Proverbiais as formas que me mentes,
As forças naturais já não conheces,
As hordas que perseguem-te, dementes,
Não consegues conter, nem tuas preces...

Forças divinas, lépidas urgentes,
São companheiras frágeis que não teces,
Nas lutas que combates, finges crentes,
Num segundo qualquer já nem padeces...

Minha senhora, fazes tuas lendas,
Desérticas areias, velhas tendas.
As pútridas feridas que me deixas,

Nas camas são mentiras enganosas,
Perfumes que garantes, ser de rosas,
No fundo falsificas até queixas...

Meus Versos

Meus versos são venenos bem dosados,
Perfumes que incendeiam depois beijam...
No fundo são meus sonhos desprezados,
As dores que me negas, sempre aleijam...

Meus versos corações desconsolados,
Por onde quer que passem, te desejam,
As formas que traduzem tantos lados,
Nas retas nos retângulos cortejam...

Meus versos são promessas esquecidas,
São pássaros que morrem sem ter asas,
Nas mangas tantas cartas escondidas,

Nos medos meus segredos são inversos,
As chamas que me queimam não têm brasas,
Mentiras verdadeiras são meus versos...

Oração

Nas orações que fazes, te suplico,
Não esqueças jamais de quem te amou.
A vida por caminhos me levou;
Voltei, bem sei não queres, mas eu fico...

Espero que consiga tento, explico,
Não me ouves, pois nada mais restou,
A não ser os meus olhos... Marejou
Saudade, tento tanto, até replico;

Não adianta nada, nem me vês...
Te peço, pelo menos uma vez,
Permita que me arraste de joelhos...

Que mostre os meus olhos meus espelhos,
Vermelhos de chorar. Peço perdão.
Não deixes me matar a solidão!

Mãos Camponesas

Vastos pastos, delícias camponesas,
As mãos esparsas, dias mais serenos.
As mãos vão fecundando de belezas;
Amores primitivos, cheios, plenos...

Quem sabe conhecer as naturezas
Diversas, produzir todos os fenos.
Não precisam sequer dessas grandezas
Sem nem saber de senos e cossenos...

As mãos que acariciam, cortam cana,
Transformam dessa terra, os alimentos.
Sabem das fases, luas, qual semana

Melhor pra se plantar e pra colher,
Conhecem as origens, todos ventos ,
Ensinam tanta vida, sem querer...

Garanhão

Teu pelo todo negro, ergues as patas,
Levantas branca areia do deserto.
Quem me dera pudesse estar por perto,
Nessa beleza negra, me arrebatas...

A cauda erguida, as crinas que retratas;
No teu trotar macio, mais experto;
Dos animais da terra, o mais completo,
Sublime maciez, formas exatas...

Galopas liberdades sem segredos;
Fulguras nesses campos, mais bravio.
Nunca me demonstras saber medos...

Nas guerras, nas viagens no sertão;
A força gigantesca até no cio,
És símbolo do belo, garanhão!

Mansidão

Teus dedos escorregam no piano,
Acordes dissonantes formam hinos;
Perdido vou seguindo desatinos,
Minhas manhãs sequer seguem um plano...

Ronrona o coração, pobre bichano,
Espera a vez de ter asas e sinos.
Nas pernas, tantas pedras e meninos,
As vidas se são sete, ledo engano...

Quis ser assim conforme tu querias;
Beijavas por um lado, outro mordias.
Nas vezes que sonhei com teu carinho,

Nas horas me enganavas com um beijo.
Transpus a vida, fui atrás do queijo
Que envenenaste mansa, nosso ninho...

Viuvez

Perpetuas feroz a mão que mordes,
Minhas semanas voam sem perdão.
As cordas das violas, meus acordes,
Pretendo te tocar o coração...

Me fiz até senhor onde quis lordes,
Nas ondas dessa tal revolução...
Marujos vão cuidar, embarcação,
Não há mais lua bela que recordes...

Nas pontas das estrelas as verrugas,;
Meu rosto colorido pelas rugas,
Demonstra minha velha insensatez...

Ladrando, vou fugindo pela escada,
Andrajos que carrego não são nada,
Chorando, carregando a viuvez!

Repente

Venho desse passado mais distante,
Não queres comparar com tua vida,
A noite me trazendo a despedida,
Não me resta sequer mais um instante...

As trouxas que carrego, fascinante,
Não pesam nem consigo... Cai perdida,
Essa estrela cadente, já ferida...
Vencido me lembrei do teu semblante.

Nas pontes, novas fontes, novos brilhos...
Nos mares, novos barcos, velhos trilhos;
Receba enfim um beijo da serpente

Que cultivaste sempre com carinho.
Amares por luares trago o pinho,
A lua, no seu brilho, meu repente...

Cortado

Cortado pelas cruzes que me negas,
Nas urzes que deixaste meu caminho,
As cores que pintei, formando pregas,
Não posso ser feliz assim sozinho...

Vencido pelas noites sou piegas,
Covarde não consigo ter meu ninho,
Nos mares onde vivo não navegas,
As roupas que me deste, puro linho...

Quebrei tua mordaça, te dei fala,
A morte conseguida faca e bala...
As alamedas mostram meu destino.

Te fiz a poesia mais tranqüila,
Venenos tua boca já destila,
Quem dera se pudesse ser menino!

Labaredas

Labaredas lambendo meu sorriso,
As chamas que me queimam aliviam,
Bem sei que navegar inda é preciso,
Fingi que sei o que eles não sabiam...

Amor que enruga, livre torna liso,
Por tantas coisas novas que surgiam
A morte não precisa nem de aviso,
As labaredas, chamas, me lambiam...

Cortei meu pé, feri meu sentimento.
A bula não resolve nesse ungüento;
Urtigas que me coçam trazem cura...

A vida não perdeu um só segundo...
Meu coração parece vagabundo;
A lua não clareia a noite escura...

Transplante

Nem sei mais dos meus sonhos, nem desejo...
As crateras abertas no meu peito,
Pertencem a um tempo já desfeito...
As bocas que beijava, já não beijo.

O tempo que perdi, por tanto ensejo,
Carcome todo o cerne, num defeito.
O tempo que sofri nem sei direito,
Faz tempo que guerreio que pelejo...

Nos trâmites normais perdi meu tento.
Nas partes que sobraram desse invento,
Cavalos vão voando na amplidão!

Nos risos da faminta multidão
As portas se fecharam num instante.
Meu coração precisa dum transplante!

Embriaguez

Bêbado, totalmente embriagado.
Caminho às cegas, negas, mas eu sigo.
As estrelas caídas que persigo,
Nada dizem, somente dão recado...

Minhas roupas rasgadas. Atracado
No teu porto, recebo teu perigo,
Percebo teus sorrisos, não consigo...
Por isso bebo, sinto-me cansado...

A morte encontrarei nesse meus tragos.
As dores que eu amei, causam estragos ...
A noite vem vestida, lindo fraque...

Nos versos que lamento minha sorte;
Não posso me esquecer da minha morte.
Por isso vou brindando esse conhaque!

Ausência

Perdoe-me por nunca ter te amado...
Tantas vezes tentei, isso é verdade,
Não posso mais negar a realidade.
Não mereces, portanto, esse pecado...

Um coração vazio, esse é meu fado;
Não posso procurar a claridade,
A vida me negou essa vontade.
Sozinho, sempre estou acompanhado...

As minhas fantasias já morreram,
As noites nunca brilham para mim...
As flechas de Cupido sempre erraram...

Não posso conceder nem um segundo.,
A vida verteria assim, meu mundo,
Me arrastando, cruel , para o meu fim....

Cordel - A Minha Sina Capítulo 13 - A Cabeça Satânica

Depois de ter escapado,
De novo dessa mulher,
Pensei preciso de fé,
Senão eu já tô ferrado,
Nesse mundo desgraçado,
Sem tentar escapatória,
Dei a mão à palmatória,
Vazei daquele lugar,
Preciso me concentrar,
Senão nem resta memória...

Procurando me esconder,
Entrei na mata bravia,
A gente, quando se fia,
Não tem nada pra temer...
Nas matas do Zabelê,
Nas minhas Minas Gerais,
Espero poder ter paz,
Aqui a terra eu conheço,
Não pode dar nem tropeço ,
Descansar, eu sou capaz...

A noite estava bonita,
Noite de lua e luar,
Um bacurau a cantar,
Outra coruja que grita,
E quem não é bobo evita,
Escapar donde se encontra,
Não tenho medo por conta,
Mas não quero vacilar,
Deixando só por deixar,
A noite, bobeia, apronta!

Debaixo dum jetibá,
Aqui vou ficar, parado,
Descanso bem sossegado,
Repouso não vai faltar,
É melhor ir repousar,
Não perder um só segundo,
Depois eu vazo no mundo,
Procurando Deus M’acuda,
Por certo terei ajuda,
Vou dormir sono profundo...

Sonhei com tanta beleza,
Satisfiz o meu desejo,
Em anja dei muito beijo,
Espantei minha tristeza,
Nadei contra a correnteza,
Fiz a casa de sapê,
Isso é lugar de viver,
Não tem outra solução,
Pr’essas terras, pr’esse chão,
Só no sonhar dá prazer!

Encontrei com Virgulino,
Em Marina dei abraço,
Vencendo esse meu cansaço,
Eu cruzei todo destino,
Virei de novo menino,
Nas cordas dum violão,
Levantava o poeirão,
Dançando muito forró,
Da vida nem tive dó,
Balançou meu coração...

As danças que lá dançava,
Não parava de dançar,
Dançando bem devagar,
Nessas danças me encontrava,
Dancei do jeito que tava,
Não corria mais perigo,
Acabara-se o castigo,
Nem ligo pra mufuá,
O pau pode vir quebrar,
Eu finjo nem é comigo!

Sonho gostoso de ter,
A noite fazia frio,
O coração mais vadio,
Despencado de bater,
Acostumado a sofrer,
Tava bem sossegado,
Eu também tava cansado,
Precisava repousar,
Mas não dá pra descansar,
Sem ficar preocupado.

Um barulho, então ouvi,
Era o mato se mexendo,
Reparei que tava havendo,
Acordei depressa, eu vi,
Há uns dez metros dali,
Uma coisa me espantou,
Do mato se levantou,
Uma coisa diferente,
Uma cabeça de gente,
Que parece, alguém cortou...

A cabeça se mexia,
A danada até falava,
Dava riso, gargalhava,
Tanto medo ela metia,
Desabei na correria,
Sem pensar em direção,
O terrível cabeção,
Não se fez nem de rogado,
Disparou para o meu lado,
Eu não via solução...

Atrás da tal cabeçona,
Eu vi um descabeçado,
Pensei, já tô ferrado,
Meu pai já to na lona,
Vou correndo pr’outra zona,
Aqui não fico mais não,
Procurei o meu facão,
Correndo sem pena e dó,
Cortei mato, até cipó,
Vazei no capoeirão.

Me lembrei então na pressa,
O que contava vovô,
A cabeça se criou,
Na noite que não confessa,
Eu não escapo mais dessa,
Gosmenta como o quiabo,
Com essa agora me acabo,
A cabeça vem atrás,
Foi feita por Satanás
A cabeça do diabo!

Então reparando bem,
Eu vi no descabeçado,
Aquele jeito safado,
Que me lembrava d’alguém,
O capeta agora vem,
Atrás de mim, não tem jeito,
Meti as caras e o peito,
Num buraco qu’encontrei,
Lá dentro eu me enfiei,
Me dou bem por satisfeito...

Quando entrei nesse buraco,
O danado se fechou,
Quem tava fora ficou,
Escapei, foi por um naco,
Confiando no meu taco,
Fui entrando pela terra,
Um bom cabrito é que berra,
Calado morre, sem pena,
Ao entrar, que bela cena,
Um monte no mei da serra!

Tudo brilhava, dourado,
O sol lá tinha nascido,
Até hoje eu duvido,
Daquele meu novo achado,
E fiquei maravilhado,
Com o que meus olhos viu,
Nem parecia o Brasil,
Uma lagoa dourada,
Muito bela, iluminada,
Por um céu azul, anil...

Quando ouvi então sussurro,
Duas moças que se ria...
Me escondi, sem covardia,
Que eu não sou um cabra burro,
Ponta de faca dei murro,
Não quero mais confusão
Me deitei naquele chão,
Reparei que ele brilhava,
Toda a terra clareava,
Um bonito amarelão...

As duas moças branquelas,
Com o cabelo bem liso,
Vou me calar pois preciso,
Escapar pra longe delas,
As roupas bem amarelas,
Os cabelos alourados,
Até chinelos dourados,
Uma riqueza de brilho,
Parecendo até o milho,
Os cabelos cacheados..

Pensei bem onde é que estava,
Depois é que recordei,
Tanta coisa que não sei,
Mas aquela eu me lembrava,
Tanto brilho que brilhava,
Até num lago dourado,
Já tava tudo explicado,
Esse lugar diferente,
Adivinha minha gente:
Encontrei o Eldorado!

Nada mais belo no mundo,
Precisei me beliscar,
Não dá nem pra acreditar,
Que nesse buraco profundo,
Aqui nesse fim de mundo,
Lugar de muita beleza,
Lugar de muita riqueza,
Guardado nesse buraco,
Já tava ficando fraco,
Esperei na correnteza...

Quando vi, bem de repente,
Um bicho bem engomado,
Num caminho rastejado,
Apareceu bem contente,
A danada da serpente,
Começou a me falar,
Então eu fui reparar,
O negócio complicou,
Um bicho que me falou,
Já dá pra desconfiar...

De repente a gargalhada,
Conhecida já faz tempo,
Me criou um contra tempo,
Eu não pensei mais em nada,
A risada da safada,
Da mulher de Satanás,
Corri, deixando pra trás,
Tanto ouro que nunca vi,
Nem da terra despedi,
Mais que o ouro vale a paz!

Voltei de novo, correndo,
No buraco do tatu,
Tô cagado d’urubu,
Viver assim, me escondendo,
Tantas terras percorrendo,
Até descansar da sina,
Pela luz que me ilumina,
Já tô ficando cansado,
Pelo capeta marcado,
Outras tantas me destina!

Me Ouves?

Caudalosas tempestas fazem rombo
No que, deveras, tive e não mais tenho...
Martírios me percorrem como um trombo,
Das mais vazias noites, eu me emprenho...

Latejam tuas mãos, cortando o lombo.
Derrotas meus amores, nem me empenho,
Pois sinto já teus pés, prevejo o tombo...
Nas tonturas longínquas donde venho,

Resgato, essa completa solidão...
Carpindo procurando, teu perdão;
Esqueço, velozmente, teu passado...

Notícias que busquei pela internet,
Me dizem que jamais vida repete;
Me ouves? Nem escutas o meu brado!

Corvos

Crocita o coração, agonizante...
Varando tantas noites, insensatas...
Precisa ser preciso novo implante,
Transplantando, do peito, essas cascatas!

O tédio, meu remédio meu purgante,
Não deixa nem sequer florestas, matas...
Nos livros, me liberto, velha estante.
Carcomida, a minha alma, nas baratas...

De fascínios lascivos quero o gozo.
Tatuagens cravadas. Canceroso
Sentimento, devora, serpenteia...

Se pensei numa lua quase cheia,
Toneladas de mármore me queimam.
Os corvos que namoro, imploro, teimam...

Espelho

Imagem refletida nesse espelho.
A vida foi, talvez, sua madrasta...
As contas ficarão só no vermelho.
A morte, tão solene, vem, arrasta...

Se queimando, cortando este fedelho
Que sonhara ser homem. Sua pasta
Carregando seus sonhos. Um conselho
Não vale mais. O fogo vem, se alastra...

Não restará sequer uma lembrança;
Dia amanhecerá sem esperança...
Na fogueira da vida, nem a cinza...

Perdido, sem recado, sem retrato;
A vida corroeu seu velho fato,
Devagar, mansamente, ele agoniza...

Amparo

Desamparado sigo meu caminho,
Não tenho mais esperas nem sentido...
Meu mundo desastrado, dividido.
Sou passado, pesado, passarinho...

Amparo, cara Amparo, quero ninho.
És essência, demência, lis, libido.
Busco o barco impossível, erigido,
Sonhos tempestuosos... Vou sozinho...

Amparo, foste guerra, foste paz...
A vida que se encerra, tanto faz.
Queria simplesmente cheiro, faro...

Toques sutis na cútis que pretendo.
A noite vem, irei sem ti, morrendo,
Sem forças, esperanças, sem amparo...

Canto Mágico

Os anjos que me beijam, compassivos;
Nas trevas e tabernas, tabernáculos...
Nas horas, orações, hordas, oráculos...
Deitados, languidez, os faz lascivos...

Os anjos, com seus seios, meus cativos...
Eu tento novo intento, seus tentáculos!
Eu espero espreitando os espetáculos.
Carinhos, meus caminhos decisivos.

Os anjos se guardando para a festa,
Idílio, novo exílio, quero a fresta
Por onde todo amparo faz-se trágico.

Os anjos penetrando os sentimentos,
São banjos, seus arranjos, meus momentos.
Encantos de esperança, canto mágico!

Espirais

Quando estás mais distante te imagino,
Sentimentos fantásticos misturam...
Vazio, vou sozinho. Dores curam,
Bem sei, mas jamais quero tal destino.

Quem me dera sentir-me, campesino,
Verter duras labutas que depuram.
Os suores amantes se procuram,
Num delírio vertigem, leonino...

Delicados sentidos, sonhos, erro...
Procuro-te nas tocas. Bocas, berro...
Não me escutas, secretos sentimentos...

Mudo, sigo sozinho... Nada mais...
Nos cigarros que fumo, as espirais,
Desenham, vaporosas, sofrimentos...

Flores astrais

Teus olhos, mansos olhos, meu farol...
As luzes que refletes vão distantes...
Num brilho, belo trilho, faz o sol,
Claro sol, rebrilhar muito mais qu’antes!
Nas procuras por mares, lua, atol,
Teus olhos, belos olhos, mais brilhantes!
Tu tens a claridade dos cristais;
Fazendo florescer flores astrais!

Hora Morta

Hora morta, a vida não mais repete,
Os meus sonhos dividem pesadelos...
As minhas cartas voltam, restam selos.
O tempo atroz, distância me remete...

As festas que passei, quero o confete.
Teus olhos inconstantes, quero tê-los.
O poder de esquecer, ou convertê-los,
A dor de não saber a mim compete...

Hora morta; procuro, pela sala,
Os rastros, passos, nada tenho... Cala
A noite; mergulhando no passado,

Agonizo... Granizo traz estio.
Mas meu coração, fraco, sente frio...
Nesta hora morta, estou desesperado...

Saudade, sentinela da paixão

Saudade, sentinela da paixão,
Alarma, toda vez que sente dor...
Dispara, sinaliza o coração.
Taquicardilizando, chama amor!

Nas voltas da noturna solidão,
Vasculha, procurando pela flor
Teimosa, que não deita a floração,
Nos campos onde amor foi plantador...

As armas apontadas para o peito,
Fingindo-se de morta, perde tino.
Quem planta tempestade, satisfeito,

Batuca o coração desse menino...
Saudade, sentinela faz alarde,
Viver sem ter amor, é crueldade!

Sonhos

Sonhei contigo, esferas diferentes;
As feras que encarnavas, repelia...
Quisera conhecer a poesia
Cantada assim por mim, todas as gentes...

Teus olhos refletiam novas lentes,
Brilhavam, sem me ver, um solar dia.
Dançavas levemente, a fantasia
Crivava-nos de loucos sons, dementes...

Sonhei contigo, vidas já passadas,
Eu era então, moderno sonhador,
Nas flautas que tocavas, toda a dor,

Nas horas que tentavas, sou disperso...
As mãos seladas, velhas, tão cansadas,
Roubavam toda luz desse universo!

Florence

Porque foste assim? Vândala e cruel...
Tragaste, em um momento, toda a essência.
Cravaste, sem te pena nem clemência,
Os punhais, tuas garras... Beijas fel,

Atemorizas sonhos, vida, céu...
Percebo que perdeste a paciência,
Viver não é sequer coincidência...
Os restos que vivemos, num tropel,

Seguem. Acolherei as tuas presas,
As dores que sentimos, vão acesas,
A morte que sonhaste, me pertence...

Das flores que reguei, só tu, Florence
Não deu senão espinhos, cortas fundo...
Nas ondas que serpeias, vai meu mundo!

Thursday, September 14, 2006

Cantos I, II, III , IV , V, VI e VII - Esperança Virando Realidade

CANTO I

No sertão do Brasil, a fome impera,
Devora mais solene, nada resta...
O sol que se transforma na quimera
Que traga, maltratando toda festa,
A miséria cruel, qual fosse fera
Não deixa nem sequer abrir a fresta
Da esperança sutil. Porta fechada,
A vida transcorrendo desgraçada!

Amor pernambucano, sertanejo,
As dores são sentidas sem ter pena,
A chuva salvadora traz desejo.
Mas tanta chuva assim, tudo envenena,
Nos céus a tempestade, relampejo...
Enchentes vão roubando toda a cena!
Nasceste neste chão bem brasileiro,
Misturas infernais, dor e braseiro...

Cruel fome imperando sobre a terra,
Nada mais restaria por fazer...
Descer, subir, procuras outra serra;
Onde enfim poderias lá viver...
A noite tenebrosa, grita, berra...
A luta é por poder sobreviver...
Sertanejo, homem forte de verdade,
Procura novo canto: liberdade!

Irmãos são tantos, todos sonhadores.
A terra amada fica para trás,
Poder saber jardins, colméias flores,
A rapadura doce satisfaz...
A terra seca, guarda seus rancores,
Noite escura promete ser capaz
De trazer esperanças de melhora.
A vida necessita aqui, agora!

O cachorro latindo, a casa fica,
Os olhos marejados, sofrimento.
Estrada mais comprida, longa, estica...
A dor cruel, terrível, do momento...
A mãe tão pobre, sempre muito rica
Do que importa na vida. Toma assento
No pau d’arara pobre nordestino,
Abandonando tudo, vai menino!

A morte que rondava cada casa,
Nos filhos desses pobres lutadores,
Injustiça cruel, vem, tudo arrasa,
Não deixando senão os seus horrores...
O chão queimando, mata, velha brasa,
A vida recordando seus valores:
Amizade, carinho ao companheiro,
A sina desse grande brasileiro!


Foi, pelas mãos d’Eurídice saber,
Conhecer a verdade dessa vida,
Que mais importa a luta que vencer,
A dor cruel, que corta, despedida...
O mundo inteiro iria poder ver,
Das terras do sertão vir, ressurgida,
As lendas dos caboclos corajosos,
Os mal vestidos, pobres, andrajosos...

Dos oito que nasceram, oito filhos,
Sétimo. Tinha sete anos, quando,
Das terras sequiosas, andarilhos,
Partiram para o Sul, lá procurando
Caminhos para a vida, novos trilhos.
A sorte, sobrevida, já raiando...
Deixando as marcas: fome, sede, pranto.
Nas tardes, nas auroras, novo canto!

Treze dias, viagem complicada,
Cruel fome espreitando cada curva,
Sete anos, menino pensa em nada,
Cada noite, visão ficando turva.
A vida se parece com estrada,
Quem dera meu Senhor, viesse chuva!
Nunca precisaria se mudar,
Do sertão brasileiro, seu luar!


A miséria campeia, traga tudo,
A fome que vagueia, tudo mata,
No peito do moleque dói. Contudo
Uma nova esperança qu’arrebata,
Esse menino forte, parrudo.
A vida não seria mais ingrata.
Poder ajudar mãe, vencer os medos,
Conhecer dessa vida, seus segredos...

Ao chegar em São Paulo, o nordestino,
Encontra, nas promessas renegadas,
Outra luta cruel pelo destino,
A vida não deixara nem pegadas,
Arregaçando as mangas, o menino,
Procura, nas esquinas, nas calçadas,
A forma de melhor sobreviver.
Trabalhando, laranjas prá vender!

Para muitos, parece muito fácil,
Para quem nunca a vida foi cruel.
Um menino pequeno, forte, grácil,
A distância d’inferno até o céu,
Logo deu-se a saber. Luiz Inácio,
Garoto inteligente, perspicaz,
Soube, bem cedo a luta que se faz,

Para poder viver nesse Brasil,
Cantado em versos prosas, desumano...
Num hino que sugere varonil;
Enluta, ao transformar-se num engano.
Seu brilho entre milhares, outras mil,
Se perde na miséria. Noutro plano,
As riquezas levadas dos mais pobres,
Fizeram os palácios... Ouros, cobres...

País de tantas lutas, liberdade,
Buscaram teus antigos sonhadores,
Nos campos, pelas ruas e cidade,
Torturas que geraram sofredores...
A lua que enebria de saudade,
Vermelha, testemunha nossas dores...
Nordeste, valentia nos sertões,
Canudos, virgulinos Lampiões!

Brasil, da escravidão todas as raças,
No cárcere da fome e da miséria.
Os olhos marejados, todo embaças,
Latejas vais pulsando cada artéria.
Nas crianças famintas, nossas praças,
Decompostas são frágeis, na matéria,
Mas as almas sedentas de justiça,
Sobrepõem-se por sobre essa carniça!

Um novo nordestino, velha sina.
As bocas procurando uma saída,
A morte, se renova, severina.
Quem dera converter em nova vida,
Quem olha, nem sequer pensa, imagina.
O futuro fará da dor contida,
Esperança feliz de novos tempos,
Sobrepujando, assim, os contratempos!

História, nas memórias mais antigas,
As guerras, foram marcos, velhas lutas...
Sorrisos de crianças, nas cantigas,
As dores escondidas nessas grutas
Da alma, que tenta brilho. Nas intrigas
Dos poderosos, nada mais escutas;
A não ser essa sede de poder.
Tantas vezes restou sobreviver!

“N’ auriverde pendão de minha terra,”
Tanto sangue inocente avermelhou!
Gado, povo marcado, o rico ferra
Cravando as suas marcas. Já roubou,
Matou, trucidou. Nossa terra encerra
Somente a esperança que restou.
Novos mundos, antigas tempestades.
Brasil, vivem em ti, desigualdades...

Era preciso, estava escrito assim;
Que, nascido do povo, um operário,
Trouxesse a esperança para, enfim,
Moldássemos da dor, um relicário.
Tivéssemos dureza do marfim,
Na beleza gentil de ser contrário
Ao rumo percorrido no passado;
Por um povo sofrido, abandonado!

CANTO II


Nas vilas periféricas, favelas,
A vida se demonstra mais cruel,
Quem pintou dos subúrbios belas telas,
Não tem noção sequer desse escarcéu.
Tantas pessoas boas moram nelas,
Porém se distanciam deste céu
Cantado por poetas e cantores...
Coexistindo as flores, muitas dores...

Injustiças parecem muito fortes,
Distâncias gigantescas entre vidas,
Parecem bem distintas várias sortes.
Caminhos tortos levam despedidas;
São diferentes rumos, sinas, nortes,
As lágrimas iguais são bem sortidas...
Se morre baleado, ou prisioneiro,
D’outra forma, escraviza o brasileiro...

Nossas grandes cidades são infernos!
Na discriminação, o nordestino,
Vestidos pobremente sem ter ternos,
Soam como se fossem desatino,
Famintos sertanejos... Dos modernos
Prédios, os escultores. Um menino,
Sete anos, já conhece muito bem
Como é dura essa vida... Ser alguém,

Pensava esse moleque sonhador.
As laranjas vendendo na cidade;
Vicente de Carvalho, sim senhor,
Logo o trazem de volta à realidade...
Estudar, trabalhar, ser um doutor.
Poder subir, viver na claridade...
Mãe está esperando lá me casa...
Mas, quando acorda, a vida tudo arrasa!

Jogando futebol, sonho acalenta.
Quem sabe jogaria no seu time.
Mas um corintiano, tudo agüenta,
Não há nada no mundo que se estime
Mais que a vitória firme nos noventa
Minutos. A derrota é como um crime,
Teimosamente nunca campeão,
Assim vai se treinando um coração!

Periferia, fera que devora;
Os sonhos são perdidos na poeira.
A morte violenta que se aflora
Em cada esquina. A gente brasileira
Pobre, vai conhecendo assim nest’ hora,
O quanto que é cruel, triste bandeira...
Iguais, no sofrimento, aos do sertão,
São irmãos nessa mesma escravidão!

As laranjas maduras do menino,
Vendidas pelas ruas, dúzias, centos...
Muitas vezes azedam o destino;
Outras tantas, trazendo ensinamentos,
Demonstrando que a vida, sol a pino,
Pelas lutas se transforma, novos ventos...
Nessas mãos tão pequenas, tanta luta.
No caderno, no lápis, força bruta!

Nas batalhas do pai, estivador;
Nos carinhos da mãe mulher zelosa,
A vida acaricia, traz o odor
De alegrias cheirando a flor, a rosa...
Aprender, conhecer que só o amor,
Uma força maior, misteriosa,
É capaz de vencer dificuldades.
Dar, ao final do túnel, claridades...

No Rio de Janeiro, capital
Do país, bem distante do menino,
Em meio aos festejos, carnaval,
Um homem batalhava seu destino...
Trazia nos seus olhos, brilho tal,
Legando ao nosso povo novo tino.
Serpentes perseguiam o velhinho,
Espremiam, deixando-o sozinho...

Quem lutara feroz, estava só...
O poder se tornara uma desgraça,
Quem fora bem mais forte dava dó,
O povo ia perdido pela praça...
Pouco a pouco apertavam forte nó,
Aumentavam criavam nova farsa.
O Brasil, choraria com certeza
A perda de quem fora fortaleza!

Encurralado como fora um cão,
Não vê outra saída mais honrosa.
Aquele que passara, furacão;
Deixando a vida, passa a ser u’a rosa
A brilhar. Verdadeiro coração
Batendo fortemente. Dolorosa
História... Nosso herói, Getúlio Vargas,
As minhas emoções, vozes... Embargas...

Outro herói, Tiradentes... Temos poucos;
Na verdade, esperanças são bem raras...
Liberdade traz gritos belos, roucos,
As nossas lutas sempre foram caras.
Alguns sangrados vivo; outros loucos,
As noites mais escuras serão claras,
A mensagem virá do nosso povo.
Do nosso sofrimento, vem o novo!

Zumbi lá dos Palmares. Liberdade.
O negro, nordestino, índio e pobre,
Nos trarão, com certeza, a claridade.
De tanto sangue e lutas, terra cobre,
Sabermos, bem de perto, essa verdade.
Pois antes que, de novo, o sino dobre,
É preciso lutar, sem descansar.
A vitória final, irá chegar!

CANTO III




Brasil, em teus contrastes, tanta luta...
A mão que acaricia é logo morta,
Em teus sonhos, polui a força bruta.
Calam sempre quem tenta abrir a porta.
Conselheiro, Canudos. Funda a gruta
Onde enterram teus sonhos, vida torta...
Trucidaram Getúlio, esses farsantes...
Só o tempo revela tais gigantes!

De Minas aparece um sonhador...
D’outras terras famintas das Gerais,
Um médico, mas também um cantador,
Peixe vivo não canta nunca mais...
No Planalto central plantou u’a flor,
Ninguém esquecerá dele, jamais...
Tantas vezes maldito para os vermes,
Nas batalhas, surgia um novo Hermes!

Elites brasileiras são gulosas;
Não permitem ao pobre nem um sonho...
Não querem ver nascer jardins e rosas,
Onde sempre viveu povo tristonho.
As plagas brasileiras maviosas,
Divididas serão sonho medonho!
Matam, destroem, colhem sem plantar,
As roças dos famintos. Explorar!

Nosso sangue só serve: transfusão!
Nossas filhas só servem para a cama,
As mulheres sagradas, sem perdão,
Acendem todo dia nova chama;
A chama desse forno, do fogão...
De resto, só nos resta então a lama...
Analfabetos, simples brasileiros,
Para eles, somos palha nos palheiros!

Deus, permita em tua glória, meu Pai,
Que nosso massacrado povo tenha,
Algo mais que essa chuva que descai.
Que não seja madeira, pó e lenha,
Acesos nos porões onde se trai
As lutas que marcaram. Ó Pai, venha
Dar alento aos sofridos pequeninos,
Nas mãos desses meninos, desatinos...

Não permita que matem o botão,
Não deixe que torturem quem não fere,
A marca da pantera, solidão...
As noites que surgiram, dor confere,
As luas que brilharam no sertão,
Não deixe que se morra nem que espere,
Os humildes precisam de comida,
Trabalho dignidade, enfim, de VIDA!

O povo que escolheste para a glória,
Não pode perecer sem esperanças,
As mortes que sofremos, velha História,
Não podem macular nossas crianças,
Que nunca mais percamos, na memória,
As dores que curtiram as lembranças...
Nos passos desses velhos sofredores,
Derrame tua glória, tuas flores!

Brasil, filho do branco, índio e do preto,
Num povo glorioso, vira lata,
Das festas, carnavais e do coreto,
As costas já lanhadas na chibata,
No sonho de igualdade que me meto,
Um Eldorado novo, d’ouro e prata!
Traduzo em pão e vinho, nossa luta,
Onde estás meu Senhor, que não me escuta!

O menino nordestino engraxate,
As dores por herança, mas não cansa,
Tanta fome rondando, faz biscate,
Para ver se a miséria não alcança...
Um coração pequeno, teima e bate,
Sem nunca desistir dessa esperança!
Cresce menino, o tempo não irá
Deixar de seguir, nunca vai parar...

Escola, mãe zelosa, traz futuro,
Emprego necessita profissão,
Tão difícil transpor um alto muro,
Faculdade? Doutor? Uma ilusão...
Melhor do que tentar salto no escuro,
Não podendo voar, os pés no chão...
O que fazer então? Um brasileiro
Se forma, metalúrgico torneiro...

Enquanto isso, Brasília a capital,
Dos sonhos dum mineiro diamantino,
Construída, Planalto bem central,
Coração do Brasil, d’outro menino,
É possível, falaz, isso é real!
As mãos tão delicadas do destino,
Iriam transformar a realidade.
Esperança traduz felicidade!

Porém, a vida trouxe tempestades,
Piores que pensavam pessimistas,
Nos campos, pelas ruas e cidades,
Mataram, torturaram, sequer pistas;
Tantos breus esconderam claridades,
A voz calada, sangram os artistas...
Esperança brotava no começo,
Mas a dor salpicou, criou tropeço...

O Brasil que pensava, enfim, sonhar,
Reformas necessárias planejadas,
Brilhava, enfim, um belo, bom luar,
Esperanças parecem vir raiadas,
O povo pensava enfim em cantar,
O sol a percorrer novas estradas...
Mas a mão das elites é pesada,
Destrói feroz, não deixa quase nada!

Elegeram um louco presidente
Que, tentando tornar-se ditador,
Num dia, sem porque, nem que se tente
Explicar, tal boçal conservador,
Deixando a todo mundo, toda gente,
Boquiabertos; renúncia traz torpor!
Os mesmo que mataram velho Vargas,
Novamente detonam suas cargas...

E tentam impedir essas mudanças,
Que poderiam dar uma igualdade.
Tentaram proibir as novas danças,
Lutaram contra a nossa liberdade,
Fizeram tantas torpes alianças,
Vedaram desse céu a claridade...
Fizeram plebiscito pra calar,
Mais forte, nosso povo foi gritar!

Os tanques invadiram nossas praças,
As ruas se transformam num deserto,
Montaram diferentes, velhas farsas,
Mentiras inverdades, longe e perto,
As vozes duma treva nas trapaças,
A noite devorando, o chão aberto,
Tragando quem pensava e não queria,
Satanás delirava nessa orgia!


CANTO IV



As trevas carcomendo todo sonho,
As noites tenebrosas sanguinárias.
Pesadelo vivido tão medonho...
As ruas que perderam luminárias.
Um grito tresloucado mais medonho;
Expõe a carne podre, dores várias...
Das fúnebres prisões um só lamento...
A vida se tornando sofrimento...

As marcas da chibata, do fuzil,
As costas tão lanhadas, cicatrizes...
O peito que antes fora varonil,
Carrega descoradas tais matizes.
A noite se quedou sobre o Brasil.
As esperanças foram meretrizes.
Os corpos nos galpões da ditadura.
Testemunhas cruéis da noite escura!

Os generais perdidos, tresloucados.
O povo amordaçado num segundo...
Os pobres outra vez abandonados,
Nosso povo, alimária desse mundo...
Os sonhos mais gentis, despedaçados.
O corte penetrou, largo e profundo.
Vivíamos penumbras e fantasmas,
Dos corpos emanavam os miasmas...

Estudantes cantando liberdade,
As elites defendem os carrascos;
Onde houvera esperança, crueldade.
A revolta contida sob os cascos:
Dos cavalos, dos donos da verdade.
Aos céus subindo o nojo, vergonha, ascos...
Só tínhamos certeza da vingança.
A liberdade, nunca que se alcança!

Nas mortes de meninos sonhadores,
Orgulho para tétricos verdugos.
Nos sorrisos cruéis, torturadores.
Para o povo sequer restos, refugos.
Nossa pátria perdida sem amores,
Submetida, “gentil”, a podres jugos!
Fagulhas explosivas dor remove,
Um resto de esperança nos comove...

Vertiginosamente tudo cai.
As tropas derrubando sem perdão;
A lágrima caída, o peito trai
As sobras do que fora coração.
A noite intransigente, nunca sai...
Ao povo não restando solução.
Uma mancha tenaz cobre a bandeira,
O sangue dessa gente brasileira!

“Pelos campos a fome”, plantações,
Nas escolas fuzis tomando assento...
Nas ruas, as elites, procissões.
Nunca mais pararia tal tormento?
A quem sonha só restam decepções.
Decepados os pés, cessado o vento...
Lutadores se exilam poucas ilhas,
Alguns tentam lutando nas guerrilhas!

Em São Paulo, o menino atento assiste,
Frei Chico, seu irmão; um comunista.
Um sonhador que nunca mais desiste,
Por mais que a noite venha, que se insista.
Um resto de esperança ali resiste;
Esta vida, altaneira, deixa pista.
Com olhos perspicazes um portal,
Na batalha da luta sindical.

O menino, já moço, inteligente,
Percebe bem profunda essa esperança.
Nas lutas vai buscando outra vertente;
Da justiça mantida na lembrança...
A sua mão cortada em acidente,
Trabalho, metalúrgica Aliança...
Aliança também trouxe Marisa,
A mansa companheira, doce brisa...

Nascia assim, o líder brasileiro.
Testemunha real das injustiças.
Nas veias corre sangue verdadeiro
Das vítimas mais frágeis das cobiças.
No peito avermelhado, tal braseiro;
Que não teme sequer batalhas, liças...
Mais forte então, surgia a esperança.
Mais alto, no horizonte, a vista alcança!

No país, atolado até o pescoço,
Nas injustas carcaças do poder;
Cada vez aumentando o triste fosso...
O pobre mais faminto, quer comer!
As balas explodiram Calabouço,
O Sangue de estudantes a verter...
Em Brasília distantes da verdade;
As ordens que chegavam: crueldade!

Nas matas d’Araguaia, a resistência,
Caparaó, montanhas lutadoras.
Não deixam nem sequer pedir clemência,
As balas detonadas, matadoras.
Os cães perderam toda a paciência;
Cravaram suas presas sangradoras!
Esperança manchada de vermelho,
Mas o povo jamais dobra o joelho!

Nos exílios, torturas, “suicídios”;
Nas mães desesperadas, nos seus filhos,
Em tantos vergonhosos homicídios.
Nos olhos embaçados, parcos brilhos;
Venenos de serpentes, maus, ofídicos.
O sangue esparramado nos ladrilhos!
Nosso povo sangrado, analfabeto,
Estropiado, agônico, incompleto...

Tantas farsas montadas nas cadeias,
Tantos mortos deixados ao relento...
O sangue percorrendo nossas veias;
Levado por abutres, vai ao vento...
Tantas luzes acesas nas candeias.
Refletem agonia e sofrimento.
Liberdade, pedia-se na rua.
Dos sertões, avermelha-se a lua!


CANTO V


A ditadura trouxe a tempestade,
Deixando muitos órfãos e viúvas,
Nos campos pareciam com saúvas,
A morte destruindo a mocidade,
Não restando sequer felicidade.
Em São Paulo, crescia um operário,
Amante dessa vida, libertário,
No sangue que corria em suas veias,
A chama alimentando essas candeias.
Lutando por justiça e por salários.

Tristes anos setenta, representam
As lutas desse povo varonil,
As dores não calaram o Brasil,
Brados fortes com raça se levantam,
Nos abraços, fantasmas já se espantam...
Resistência mais forte deste povo,
Nossa vida não pode ser estorvo
As gargantas unidas soltam grito,
Deus onde estás? Pergunta o povo aflito.
Liberdade, podemos ver de novo?

A mão pesada quebra toda lei,
Os coronéis submissos do Nordeste,
A vida transformando-se na peste,
Monarquia terrível sem ter rei,
Desse país mais justo que sonhei,
Nada resta senão caricatura,
Essa noite cruel por ser escura,
Não permite sequer benevolência,
Impera Norte Sul, tal violência,
Comum em toda torpe ditadura...

Resquícios de justiça são bem raros,
Prisões se transformando em cadafalsos,
A todos são vendidos dados falsos,
Os corpos esquecidos são bem caros,
Os cães que torturavam, finos faros...
Esgoto cloacal por um momento,
Verdade se perdeu no esquecimento,
As mortes dos meninos sonhadores,
Rasgando, destruindo tantas flores,
De balas de tortura, empalamento...

Nas portas, nos jardins da nossa casa,
As rosas se tornaram puro espinho,
Não resta nem sequer um pedacinho.
As tropas invadindo, tudo arrasa,
A terra que se queima sol e brasa,
Não deixa nem sequer sobreviver,
As plantas que teimavam em nascer.
As mãos dos generais são abortivas,
As pedras atiradas destrutivas,
A vida quer, teimosa renascer...

Vivíamos AI cinco vergonhoso,
As celas entupidas por crianças,
Que tinham ideais e esperanças,
Pensar era um rito perigoso.
O clima que se via, sulfuroso.
Completa dissonância de valores,
A terra que dizia ter amores,
As portas que se fecham para a vida,
Os jardins sem as flores. Distraída
A pátria convivia seus horrores.

Jorrava iniqüidades qual vulcão
Queimando toda forma de esperança,
Realidade morta... Na vingança
O gesto que maltrata sem perdão.
Na boca o sangue jorra podridão,
Brasil não tem sequer uma saída...
Distante, bem distante passa a vida.
Chorando a nossa pátria, mãe gentil,
Deteriorando todo o meu Brasil...

Nas mortes nas cadeias, “suicídios”,
Nas rimas amputadas dos poetas,
As pontas com veneno dessas setas,
Os corpos escondidos, homicídios,
Nas greves começando seus dissídios,
Nas portas das escolas e dos sonhos,
Quem dera se pudessem ser risonhos,
Os dias de tempestas sem futuro...
Jogados violentos, contra o muro,
Os déspotas por certo são bisonhos!

Luis Inácio trava forte luta,
Pelo respeito ao povo e seu salário.
A vida desse cabra, um operário,
Acostumado a glória da disputa,
Não teme nem a dor e nem a gruta.
Na saga dum valente nordestino,
O mundo não lhe nega seu destino,
As portas do futuro estão abertas,
A vida preparou os seus alertas,
Abrindo seus caminhos pro menino!

A lua que brilhava avermelhada,
Do sangue que corria em nossas veias,
Destino preparando suas teias,
Da mancha desta gente torturada,
Os píncaros celestes, madrugada,
Carregam tantos corpos, vão pesados,
Os olhos que choraram marejados,
Os dedos que perdemos nas batalhas,
Segredos se perderam nas navalhas.
O rosto desse povo desgraçado.

A lua vai virando de mansinho,
Vê Surgindo uma estrela em seu lugar,
Mais forte refletindo luz solar,
Estrela vem surgindo do carinho,
Da luta desse povo pobrezinho,
Dos sonhos que fizeram liberdade.
As portas vão se abrindo, claridade.
D’uma estrela vermelha como o sangue,
Nas praças nas estradas, campos, mangue
Esperança conhece realidade!

CANTO VI



A noite escura tantas vezes matou,
Tantas vezes torturas e lamentos,
Nas sangrias terríveis e tormentos,
Que um belo dia a noite clareou.
O povo adormecido, levantou
E viu que a noite nunca seria eterna.
Liberdade renasce cria perna
E começa de novo a sussurrar,
Num gemido; difícil segurar
A manhã renascendo, mansa terna...

Em São Paulo, o menino aparecendo...
Presidente sindicato, liberdade!
Gritando o nosso povo, na cidade
As flores vencerão! De novo tendo
A possibilidade renascendo,
O sol que já raiou brilhando forte.
Não temendo dor, guerra nem a morte,
Acorda a nossa pátria mãe gentil.
De novo a liberdade no Brasil!
Os dados são jogados com a sorte...

Os que se foram, voltam...São heróis,
O povo num só canto nas diretas,
Nas lutas por justiça, velhas metas.
Unidos representam u’a só voz!
Quem dera não voltasse noite atroz...
Quem já sofreu não quer essa tormenta!
Coração solidário não agüenta
A dor de se saber sozinho assim...
A noite que morreu, fugindo enfim,
Novos brilhos o céu tão belo ostenta!

As greves por melhores condições,
Trabalho e salário fábricas fechadas,
As mãos pesadas forças mal amadas,
Armadas não conseguem, nos portões,
Conter voz operária. Multidões
Andando pelas praças reivindicam
Direitos esquecidos, modificam
Relações de trabalho escravagistas,
Nos palcos os cantores e artistas,
Nas escolas, vitórias se edificam...

As bandeiras de luta são vermelhas...
Estrelas no céu voltam a brilhar.
A multidão cansada de esperar
Nas ruas e nas fábricas, centelhas...
Cansados de tais lobos, as ovelhas
Resolvem, simplesmente ir para a luta.
Não temem nem sequer a força bruta.
O povo já prepara sua couraça.
A mesma voz que cala, se amordaça,
Não se omite mais, entra na disputa!

O menino lutando então é preso...
Garras apodrecidas o pegaram,
Amordaçar o povo enfim, tentaram...
Mas o povo não cede, vai coeso.
Quem se sentia frágil, indefeso,
Não teme mais nefastas, más chibatas
Nas novas circunstâncias, novas matas,
Vida raiando bela, esperançosa,
A ditadura podre, vergonhosa,
Morrendo aos poucos, restos, lixos, latas...

Eurídice, menino está na cadeia,
Teu guerreiro, Luis, aprisionado...
Um passarinho livre, engaiolado.
A noite escurecendo já preteia
O horizonte na brasa que incendeia!
Eurídice, seu Lula, seu garoto...
Jogado pelos ratos desse esgoto
Vergonhoso que fede, ditadura.
Eurídice mãe, zelo de ternura,
As dores que vieram, não suporta.
A noite prendeu Lula, deixou morta
Guerreira maltratada, vida dura!

Olhos fechados, noite violenta...
A guerra começando, não termina.
A vida do menino, sua sina.
As correntes ferozes, arrebenta.
Na luta que não pára, sempre aumenta.
No dia que promete renascer,
As batalhas difíceis de vencer.
Lutando todo dia, a liberdade,
Parece inda distante realidade.
O novo dia tarda, vai nascer!

Igreja, sindicatos, estudantes.
A luta na harmonia se fez santa.
Vontade de mudar, o povo canta!
Os tempos que não param são mutantes.
Os livros reaparecem nas estantes!
Vermelhos são os olhos que choraram
Vermelho o sangue que já derramaram!
Vermelhos nossos sonhos de vingança;
Vermelha passa ser a esperança!
Vermelhos nossos dias se contaram!

Estrelas no céu, brilhos mais fortes...
Estrelas no mar, belas e sensíveis.
Estrelas nossos sonhos impossíveis.
Estrelas guias, rumos, metas, nortes...
Estrelas divinais nos darão sortes...
Estrelas radiantes lá do céu.
Estrelas nos cobrindo, doce véu.
Estrelas envolvidas de ternura,
Estrelas representam a bravura.
Estrelas avermelham meu dossel!

Nasce nova esperança, um novo sonho!
Noites nunca jamais serão iguais.
No fundo dessa noite brilha a paz!
De novo poderemos ter risonho
O dia que passamos, tão medonho!
Num novo canto, belo amanhecer,
Num novo dia, novo alvorecer.
Estrela avermelhada, nosso guia.
Estrela ressurgida, poesia!
Nascendo nova estrela no PT!


CANTO VII


Depois das tempestades mais cruéis,
Estrela brasileira quer brilhar...
Estrelas lá do céu, refletem mar...
Distantes generais e coronéis,
Os sonhos ressurgiram seus corcéis...
O povo pelas ruas exigente,
Espera ver nascer, tão de repente,
O sonho que sonhara todo dia...
Renascer no Brasil, democracia!
O dia clareou tão envolvente!!!

Nas ruas, batalhões procuram paz.
Diretas eleições prá presidente;
Gritava nosso povo, nossa gente...
Tempos negros, sangrentos, nunca mais!
O povo quer mostrar do que é capaz!
Nas ruas, batalhões foram frustrados,
Últimos estertores, des’perados,
Os donos do poder, podres servis,
Calaram nossos sonhos juvenis...
Os últimos grilhões foram mostrados!

Eleições indiretas novamente...
As portas semiabertas já mostravam,
Que os dias mais felizes,já chegavam
Mas essa ditadura renitente,
Não queria sair impunemente...
Nos plenários eleito foi Tancredo,
Mas a morte mistura-se com medo
E não deixou mineiro governar.
José Sarney entrou em seu lugar,
Estrela começava seu enredo!

Nesses anos confuso presidente,
Momentos belos, triste seu final.
As elites preparam festival.
Criando com sotaque diferente,
Um ser extraterrestre: Minha gente!
Crescia d’outro lado um operário,
Um nome com sentido libertário,
Estrela começando, quer brilhar,
Mas a podridão não quer deixar...
O rio procurando outro estuário!

Imprensa brasileira, tão servil...
Lacerda deixou muita tradição.
Dos nossos jornalistas, traição!
Jornais se transformando num covil.
Os submissos covardes do Brasil,
Criaram criatura mais infame,
Os jornais foram feitos de reclame.
Os vermes vendilhões interessados,
Trafegam com gravadores empunhados,
Estrume cultural há quem declame!

Esses mesmos pilantras de hoje em dia,
Vendidos pra vender uma revista,
Espelham na verdade essa golpista
Visão. Tentam lamber a burguesia...
A verdade? Pra quê? Essa se adia...
Tentam roubar do povo o coração...
Se escondem disfarçados qual ladrão.
Imprensa brasileira, me envergonha!
Tentando distorcer, rouba quem sonha.
O povo que te deu a concessão!!!

Nossa imprensa calhorda e tão safada;
Forjando tempestades num só lado,
Visando destruir sem ter plantado,
Maltrata nossa terra mãe amada,
Ocultando essa faca bem guardada,
Nas mãos que maltrataram, sem afago,
Tubarões e piranhas neste lago,
Empapuçam de sangue essa alvorada!!

Roubada por mentiras e patranha,
Estrela nunca mais irá dormir!
O seu tempo não tarda mais a vir...
Mesmo contra essa gente tão estranha,
Os ladrões e falsários... Arrebanha
O povo mais simplório mais sofrido...
Um país tão cruelmente dividido,
A fome se espalhando pelas ruas...
As lutas verdadeiras são as suas,
Estrela avermelhada do menino...
O Brasil buscará o seu destino..
Nas nossas lutas, bela, continuas...

O boneco criado pela imprensa,
Em flagrante delito já foi pego...
Pelo poder elite tem apego,
Muitas vezes o crime, sim, compensa...
Os jornais não puderam fechar prensa,
O nosso povo, saiu para a praça,
Nas escolas meninos... tal fumaça
Assustou poderosos e canalhas...
Escondidos, os ratos, velhas tralhas,
Disfarçados, misturam-se na massa!!!

Pintura

Adolesceste linda, frágil, mansa...
As hordas te seguiam mais sedentas;
As noites prometiam violentas.
Nas festas, a rainha loura dança.

Aprendiz de mulher numa criança.
Os risos e as lágrimas que inventas
Não deixam perceber no fundo, tentas;
Deixar as tuas marcas na lembrança.

Adolesceste enfim, chega o verão!
Os medos transfiguram belo rosto,
As garras da saudade, da paixão,

Invadem, tempestades e procelas.
Alegria cobrando seu imposto,
Um Deus pintor, fazendo suas telas!

Agonia e Morte

Minha carcaça resta sobre ti;
Maravilhosamente desnudada.
Adormeces, tão bela e descuidada.
Recordando, nest’ hora, o que vivi,

Os prazeres, as dores, que senti,
Desespero ao chegar triste alvorada...
Quem dera não passasse a madrugada!
Teu corpo, livro aberto, que já li...

Belo templo, rosário e monumento.
Deus permita ficar mais um momento;
Mas a manhã chegando irá varrer...

Por que, meu Deus, responda! Eu te suplico...
Por que ter que partir... Aqui eu fico
Agonizando a sorte do morrer!

Prisão

Como um cão, obedeço teus desejos...
Rosnando a quem agride, te maltrata.
Carrego meus fantasmas, seus lampejos,
Nos ossos que enterrei. Dor em cascata,

Recebo teu carinho, espero os beijos,
Mas nada vem, então, levanto a pata,
Lambendo mansamente... Tenho pejos,

Mas nem reparas, segues teu caminho...
Quieto, pálido, ladro...estou sozinho.
Adormeço deitado à sua porta.

Essa prisão eterna m’ alucina...
A cada dia, torpe, me domina...
Quem me dera, Senhor, te visse Morta!

Jogo

Essências indianas, pantanais...
Sacrários cristalinos, alabastros...
Vertiginosamente caem astros,
A vida se reforma e quer bem mais...

Nos templos elegidos, tais cristais,
Persigo teus presságios nos teus rastros,
Quem fora tal bandeira, simples mastros,
Vagando procurei por teus sinais!

Noctâmbulos vampiros bebem sangue.
Crustáceos diversos, podre mangue.
Te quero, meu suor transpiro essa alma!

Pudesse, simplesmente, tua calma...
Respiro teu bafejo, pira e fogo.
Minh’alma se perdendo no teu jogo!

Fera

Em plena sexta feira, noite cheia...
As horas devorando, o tempo passa;
Caminho pelas ruas, sinto a farsa
De todos pesadelos... Incendeia

O luar, tudo claro. Vem, passeia
Pelas vielas, u’a triste carcaça...
A noite clareando não disfarça
A criatura. Peço que não creia,

Mas seus pelos, as garras os gemidos...
As presas procurando presa, ativas...
Quem me dera jamais tivesse ouvidos!

A noite, transformada em infortúnio,
Traz a dor dessa fera que cativas,
Agonizando a cada plenilúnio!

Antítese

A boca que me cospe é a que beija,
Nas horas que procuro, sempre escapa...
A mão que acaricia dá um tapa,
Quem me maldiz também, louca, deseja...

Quantas vezes, carícia que m’aleija...
Quem me segura, cega, me derrapa...
Quando Copacabana finge Lapa.
Se não arranha céu, sempre rasteja...

A rainha se faz de camponesa,
Mal me devora, espera a sobremesa...
Nunca se faz presente, nunca ausência...

Quando ajoelho pede por clemência...
Quando perdoa, nega seu perdão...
Diz mente desmentindo o coração...

Jardim

As tristezas cultivo, minhas flores...
Não quero nem sonhei outro jardim;
Minhas rosas, meus lírios, meu jasmim,
Ficam todos perplexos sem amores...

As esperas sem nexo, minhas dores,
Cultivo mansamente tudo assim,
Sem nada esperar. Resta então, em mim,
As madrugadas frias, seus temores...

Em todas horas duras, enxertia...
As lágrimas que rolam, um esterco.
Enxada, foice, simples poesia...

Minhas dores não são vaga tortura;
Traduzo meu sofrer: semeadura...
Nesse jardim sublime, então me perco...

Contraste

Deixaste amargo gosto em minha vida,
Na despedida foste nada mais.
Nas escaras que trago, Satanás,
A morte não seria dividida...

Meu passado, presente, despedida.
Cada vez mais espero capataz,
Troco meus olhos, peço, ao menos paz...
A solidão cavando essa ferida...

Eu não sei de camélias nem de rosas...
As moitas de capim cobrem as flores.
Não misturarei versos soltos, prosas...

Cantarei o que sempre me negaste,
Ávido perseguido, sem amores,
A morte me seduz, belo contraste!

Necrofílico

Necrofágicas larvas te beijando...
O tempo não mais pára nem repara.
Tua vida esvaída s’antepara
Nesses vermes famintos devorando...

A tua boca aberta se tornando
Uma enorme caverna. Foste cara,
Mas nem uma palavra diz, dispara...
A noite eterna, tétrica, chegando...

Nauseabundos olores te perseguem,
Mergulhaste profundo, negros fossos...
Sequer os que t’amavam mais conseguem

Resistir a tais fúnebres cortejos.
E quando não restar sequer os ossos,
Enfim poderei cobrir-te de beijos!

Estradas

Nas estradas, passando, sigo atento...
Meus caminhos não mudam. Direções
Opostas, são terríveis decepções...
Levo o barco conforme vai o vento.

Não carrego meus medos, sofrimento...
Sinto bater mais forte, corações...
O tempo não me importa, meus verões
Passaram...Tudo ficou, pensamento...

Nas estradas, caminhos são torturas...
Quem dera conhecer tuas branduras.
Minha noite caindo sem estrelas...

Nas estradas, meus medos são passado,
Não consigo sentir mais, ‘stou cansado...
As estradas, quem dera conhecê-las!

Wednesday, September 13, 2006

Despedida

Nas minhas fantasias, te vi solta,
As marcas do teu beijo em minha boca,
São labaredas, queimam. Minha escolta
Procura navegar a nave louca...
Mas teimo em estampar minha revolta,
A voz que grita aflita, fica rouca...
Meu tempo que perdi, nada edifica
A dor que já sangrei, me dignifica

Não resta nem sequer teu telefone,
Meus versos que joguei garganta abaixo,
Das noites que passei, quedei insone,
Procuro, tantas vezes, e nada acho,
Quem dera fosse assim, um Al Capone;
Das trevas que passei, um simples facho...
Terias, com certeza, mais respeito.
Amar demais passou a ser defeito!

Vomitas imbecis tais impropérios,
Fazendo dos meus versos, teus faróis,
Das mortes que cultuas, cemitérios,
As notas que queimaste sob os sóis...
Vagando não te temo. Necrotérios
Esperam quem zombava nos lençóis...
A vida fez comédia mais sem graça.
A morte, sutilmente, nem disfarça...

Mas teimas, tuas queimas virão lentas...
As asas assassinas são vorazes,
Na chama que te chama, não esquentas,
As dores que me trazes são audazes;
Nas portas, nas cadeiras, onde sentas
Cortando fortemente essas tenazes...
Não quero nada sinto, nem prazer,
As horas que disfarças sem querer...

Cigarros vou fumando sem ter pressa,
Na fumaça percebo tua cara.
Não pretendo nem quero essa conversa,
A maldita cachaça me enganara.
Sentimento profundo, vil. Ora essa!
A boca que me cospe se escancara,
A noite que não tarda, não te viu,
A mão que te servia vai servil...

Perdeste tanto tempo, mas ganhaste,
Essa batalha torpe que me inventas.
As noites que sequer enluaraste,
Na porta das lembranças são sangrentas...
Não podes reclamar nem que ficaste,
Pois são mais convulsivas, violentas...
Na porta da senzala que m’abrigas,
As velhas, costumeiras, vãs, intrigas...

Não sei mais o teu nome, nem me importa...
Carpi teu corpo, morto na memória,
Fechei a tua casa, tranquei porta,
Jamais vou reviver a nossa história...
A boca que cuspiste já vai torta,
Tristezas que traduzes, minha glória!
Pútridas as manhãs que me feriste,
Nessa tua gaiola, nem alpiste...

Me restam pois somente esses segundos,
Não quero reviver tais leviandades,
Irei te perseguir por tantos mundos,
Mataste, bem cruel, felicidades...
Nos mares, caçarei, ‘té nos profundos,
Abismos onde houver as claridades...
Não sinta-se feliz nem satisfeita,
A vingança será mais que perfeita...

Veneno que bebi já faz efeito,
A cabeça rodando vem a paz...
Olhando pro teu corpo no meu leito,
Não quero mais saber se sou capaz...
As horas que se passam, tudo espreito.
Consigo distinguir lá: Satanás!
As mortes que refiz são libertárias.
As dores que senti, se foram, várias...

Meus últimos segundos esvaindo...
A morte acaricia meus delírios
Teu corpo, nossos corpos já vão indo...
Cobertos estarão por belos lírios
Amei-te... Foi demais, e foi tão lindo...
Valeram enfim todos meus martírios...
Vivi profundamente meu desejo...
Despeço-me com calma, nesse beijo

Fim

Me sinto frágil, ágil, imbecil.
Impropérios, carinhos que me dizes...
Na certa, pensará: fomos felizes,
Amor, quando inconstante, é muito vil...

Não tentes enganar, não sou servil,
Descoramos portanto esses matizes...
Fui perdido ,perdi, cacei perdizes,
Nas ondas que perdemos, dor pariu...

Caçoas dos meus versos, sou estúpido,
Não quero mais sorver, nem restar cúpido...
Apenas navegar, pois é preciso...

As bocas escancaras, nada sinto...
Embriaguez igual, só com absinto,
Nem venha sugerir que dramatizo!

América - Com Estrambote

Montanhas, cordilheiras, os condores
Voando livres, levam suas alas
Por tantas terras, Andes, casas, salas...
Nas asas dos condores, meus amores...

Nas selvas, pantanais, matas e flores...
Zunindo meus ouvidos travam balas,
As mortes nas conquistas tristes, calas...
O cheiro dessa terra, seu olores,

A lhama que sustenta tua fome.
A prata que roubaram, ouro e vidas...
Quando te vejo, paro, tudo some...

As marcas indeléveis, te sangraram...
Marcando pouco a pouco, essas feridas
Que trazes simbolizam: te roubaram...

As luas são mais belas nos teus mares,
As terras que invadiram, dividias...
Mãe serena, mancharam teus luares!

Tradução

Amar-te, tal certeza move a vida...
Âncora e leme, vela, luz, pavio...
És princípio, caminho, rumo, fio...
Teus lábios, astrolábios. Despedida

E começo; certeza que duvida...
És chuva, tempestade, luz, estio.
Desejos delirantes, cama e cio...
Apascentas, m’acalmas. Renascida

A cada dia, trazes tal frescor,
Que nada mais me importa, nem o quero...
Suavemente, acalmas o que é fero.

Tens a palavra certa; és tão bonita...
Meu coração feliz te grita: Rita!
Tradução mais fiel do termo Amor!

Música ao vento

A música tocando, traz saudade...
Partiste em um aborto tão insano...
Deixaste tanta coisa, frágil plano;
A vida se perdeu... Diversidade,

Contraste entre a mentira e a verdade...
A música tocando, tanto engano...
Os restos de poeira que eu espano
Do coração, darão a liberdade!

Maliciosamente me deixaste,
Sabias que jamais te esqueceria...
A alegria banal que tu roubaste,

Deixou esse embornal de sofrimento...
A música tocando, traz Maria,
As notas espalhadas pelo vento...

Valsa

Dançavas, valsas, mansas valsas, alças
Desses nuances. Lances e relances,
Não cansas, danças, lanças alcances...
Os braços lassos, passos, traços, balsas...

Voas solta, revoltas, voltas, valsas...
Anseios, seios, veios, teus nuances...
Valsavas e voavas, asas falsas
Nas mansas voltas. Laços, aços, lances...

As mãos macias, cios, cílios, tílias...
Amar, mar, maré, marcos, maravilhas...
Barcos, arcos, passos, valsas, noite...

Os braços, laços, aços, lassos passos,
Dançavas, flutuavas, sem cansaços...
Descalços passos lassos, aço, açoite!

Ilusão

Escancaro essas lápides, meu fim...
O derradeiro leito, vou ao léu,
Sem torturas, fraturas, tão chinfrim.
Essas portas abertas vão ao céu...

Não quero lenços, lágrimas... Cruel
Saber que sofrerás. Nada por mim,
Epitáfios, coroas, mausoléu.
Serei mais uma flor desse jardim...

Por herança, terás meus pesadelos.
Na vida eu só plantei velhos novelos,
Revelas nessas velas com que velas

Um corpo a mais. Pressinto uma viagem,
Amar, aroma, aragem...Que bobagem!
Tuas noites serão muito mais belas!

Amores Mentem

O que me resta? Festa, fresta, crosta?
Nada mais temeria, nem Maria,
Na mão cruzada, em rezas, decomposta.
Tendenciosamente, a noite é fria...

Maravilhas sortidas, mares, costa...
Nos teus favos, melindres, fantasia...
Tua boca escancara a dor exposta,
E me cospes, rubores e franquia...

O que restará? Corpos, corvos, vícios?
Nada mais temerei, nem precipícios,
As retinas cansadas nada sentem...

Meu tempo, meu provento, vento... Séptico,
Minhas curas, lamúrias. Epiléptico,
Convulso, expulso, exposto. Amores mentem...

Tempestade

O mar crispando, louco, traz a fúria,
As ondas arrebentam nessa areia...
Não respeitam sequer qualquer lamúria...

Nas virações, um canto mais divino,
D’outras ilhas. Ouvindo essa sereia,
Perco qualquer sentido, vou sem tino...

Ondas do mar, naufrágio e tempestade...
Errando, sem poder encontrar porto;
Meu barco navegando, um sonho morto:
Onde encontrar a tal felicidade?

Meus medos, minhas dúvidas, verdade
Jogada nesse vento, vivo torto.
Nas procelas, vencido, quieto, absorto.
Procuro teu caminho, tempestade!

Serpente

Quando eu escuto a voz, feroz, dos medos,
Viscosa, essa serpente vem, invade...
Rasteja até chegar, nem cedo ou tarde,
Vertiginosamente meus segredos...

Na vasta, rubra esfera, travo os dedos...
Quero o gosto nefasto mais covarde,
Os enganos as farsas, falsos ledos...
Fingir dessas penumbras, claridade...

Pegajosas as tramas que preparas,
Mentirosas as rosas que perfumas,
Nas manhas, novas noites, vais, esfumas...

Eu recebo teu beijo, nojo, taras...
Não sobreviverei, vou de repente,
Morto por ess’amor cruel, serpente...

Contigo Aprendi

Eu, contigo aprendi a não sonhar,
A acreditar na dor, cruel saudade...
Olhar estrelas, cega claridade,
E nada mais, jamais poder amar!

Me ensinaste mentiras ao luar...
Fantasias cruéis, “felicidade”,
Coragem pra saber tal falsidade...
As marcas que deixaste, vou saudar!

Jamais t’ esquecerei, estejas certa...
Agradeço-te enfim, o ser poeta...
Saber cantar tristezas, assim rindo...

Ver as cores do mar, as fases da lua...
Muito obrigado, sinto-te tão tua,
A vida passa, então me vês sorrindo..

Caminhemos

A minha alma ecoando busca a tua,
Nessas fráguas, as mágoas queimam, tanto...
Amiga, me permita teu encanto,
Talvez, um dia, tenha toda nua

Nas noites que imagino, minha lua...
Respiro teus venenos, lentos, pranto...
Amor divino, cego, louco, santo,
A cada dia, a dor vem, continua...

O vento e madrugada, nova dança;
Nas estradas, atalhos d’esperança
Levam ao nada, nada, simples nada...

Caminhemos distintos caminhares,
Naveguemos por mares, por vagares
Que, afinal, voltarão por essa estrada...

Piegas

Ao falar dess’amor que tu me negas,
A morte vaticino, perco a paz...
Não quero parecer, mas sou piegas.
A vida é conseqüência que se traz

Dos sonhos e esperanças. Nas adegas
Da minha alma, um só vinho tanto apraz..
Minhas noites, meus medos que navegas,
Morrer sem teu amor, serei capaz!

Na tarde solitária, sem notícias,
Os ventos, tempestades, são primícias...
Não te verei jamais, Ó doce Lara...

Teus olhos sorridentes, ironia...
A noite que perdi pensei, podia,
Amanhecer teus braços, noite clara...

Cassino

Cartas jogadas sorte desafio...
Nos dados, rodam, giram... Nas roletas,
Olhos negros, vermelhos. Sina, cio...
Tudo passando, luzes violetas...

Estás distante, estática. Me fio
Nos lunares lunáticos...Lunetas
Mirando espaços; louco tempo, estio.
A sorte não bafeja, lambo as tetas

Da ganância; mas falta puro leite.
Não há sequer ninguém que isso aceite,
As cartas viciadas gritam não!

Espero o final, lento inexorável,
Quem me dera tivesse mais amável,
A lança que perfura o coração!

Bodas de Lara

Bases frondosas: árvore esperança...
Grinaldas buquês, festas, despedidas...
Alabastrinamente vão vestidas
O que restara nessa contradança.

O que tenho melhor, amor, avança;
As tardes que deixei estão perdidas...
Nos meus dedos, meus medos são feridas.
Nas bodas, tuas bodas, a criança

Morta, ressurge, tímida, reclama...
Me perco, cego, dor que mata inflama.
Te perder foi atroz, mal tumular...

Escadarias, luzes, enlutado...
Tais esperas, festejos, triste fado...
Quem me dera jamais poder amar!

Teu amor

Procurei por palavras, lavras, árias,
Por semitons, resquícios, vícios, ócios,
Encontrando templários, bossas, bócios,
Catedrais, campanários, urzes várias...

Procurei por tenebras, ervas ,párias...
Por estilos restingas, espigas, beócios,
Encontrando resinas, equinócios,
Ânsias, ósculos, hóstias, sol, canárias...

Procurei silabar fastios, círios...
Por símbolos falazes, frases, lírios,
Encontrando retinas, íris, flor...

Procurei por carvões, porões, cadência...
Por tráficos tenazes, ás, demência...
Encontrando somente teu amor!

Sol e Lua

Quando te conheci, Lara, tocavas
Cítara e eu guitarra, rebeldias...
Quando, de noite, nua, decolavas;
Louco, audaz, procurava por orgias.

Enquanto eras serena, acalmavas,
Meus delírios cegavam, valentias...
No teu coração, calma, no meu, lavas.
Minhas palavras acres, repelias...

Lara, distante sonho, mansidão,
Meu contraste feroz, sou furacão...
Quando fervo no frevo, tu Nirvana...

Quando sou tempestade, tu és brisa,
A vida que me enruga vem, t’alisa...
Brilhando sol e lua, uma cabana!

Ícaro

Ao te ver, anjo, voas liberdade;
Sonho com asas, céus poder chegar,
Buscando assim, em toda claridade,
Os teus braços, teus mansos olhos, ar...

Quisera poder, anjo, na verdade
Voar, te ter bem perto, meu luar...
A vida cruel, pura dor, maldade,
Asas não me deu, como vou negar!?

Mas, num sonho dourado, asas de cera...
Flutuar, conhecer estratosfera,
Partir para o jamais, nunca alcançado...

Alcançando assim, glória, pobre pícaro.
E, depois, num mergulho des’perado,
Nos teus braços morrer, como fosse Ícaro!

Narciso

Narciso, flor cruel rouba a beleza...
Dessas águas que foram espelhares,
Sugaste do mais belo, seus olhares,
A alegria, a luz, toda realeza.

Deixando um corpo estático, tristeza...
Cadavérico, magro, sem luares,
Sem esperanças, morto, sem altares!
Nessas lacustres margens, incerteza...

Num momento acredita ser um Deus,
Noutro sonha com ricas fantasias...
Faminto e saciado, luzes, breus...

Nas fantásticas danças, nas orgias,
Tentando procurar,no sexo, nexo,
Buscando amar, assim, próprio reflexo!

Carícias

Nas melífluas carícias, teus passos.
Nesse teu som, diáfano, macio;
As mansidões serenas... Doce frio,
Carinhos, madrigais; nossos laços.

Quem fora resistência, passos lassos,
Caminha pela sala... Águas, rio...
Das mentiras que crias, ouço, rio.
Nas nossas festas, praças, luzes, paços...

Nas tuas noites, nossa paz, concertos...
De todos os meus erros sem consertos,
Te perder , o maior de tantos medos...

Em cada parte, tantas as seções,
Já me deste teus sonhos, tais cessões
Desfraldariam todos meus segredos...

Coração Beduíno

Coração beduíno, meu deserto...
Nos oásis buscando pela vida,
Cansado de sofrer, da despedida.
Vontade de estar longe, estando perto.

Coração, navegando mar aberto,
Distâncias que percorrem, nau perdida.
Cansado de bater, pede guarida.
Cruel busca incessante, vive incerto...

A cada batimento, vai mais fraco,
O espelho em que te miras, mais opaco.
A vida não convida para a festa!

Nas tuas rebeldias, foste herói.
Agora, a tarde vinda, como dói...
Nada, nem coração, enfim me resta!

Brilho estrelar

No teu brilho estrelar, és solar fácula;
Na tua trilha sigo, meu farol.
Sem te ter, perderei meu rumo, sol!
Minhas noites perdidas, pura mácula...

Tuesday, September 12, 2006

Decadência

As lembranças dum tempo feliz, belo;
São os restos, mortalhas que carrego.
Quando a noite, feroz, vem logo nego,
Tentando reformar o meu castelo...

Minhas dores, sangradas num cutelo,
São os mares, distantes, que navego...
Os meus sonhos, mentiras que eu emprego,
Catástrofes, reviro com o rastelo...

Alamedas perdidas no passado,
São vielas, favelas, sina, fado...
Minha alma sifilítica definha...

Arrasto meus tormentos pela rua.
Minha esperança morta, vive nua...
A decadência mórbida s’ aninha...

Coração

Meu coração é frio, quase bate,
As velhas mansidões simples mentiras.
Esfarrapado cortes, lanças, tiras...
Nesses leilões das sortes, arremate...

Nos matadouros sujos, seu abate...
Num coração forjado, louco, atiras...
Acertos e teus erros, falsas miras...
Às vésperas solenes dum enfarte!

Meu coração, n’atlético pulsar;
Esquece bem depressa o que é amar...
Vadio, sente cios, devaneios...

Morada de tais farsas que me enganam,
Olhando corações que se profanam.
Não busca corações, somente seios!

Complemento

Precisas desse sim como do não,
As partes se completam restam unas...
Precisas navegar o mar, as dunas...
Precisas do talvez e do senão...

Precisas dessa culpa e do perdão;
A sorte demonstrada nas tais runas,
Nos meus castelos, sonhos, chão, colunas...
A mesma mão que afaga, safanão...

Sou resto e sou metade, nada tenho;
Do nunca e do distante, sempre venho,
Completo o complemento, sou conjunto...

O fim tal qual começo, sou assunto.
A morte nascedoura, sou descarte...
Sou fome, sou comida, pão e arte...