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Friday, September 8, 2006

Infância

As luzes que conduzem nossos sonhos,
Reluzem belos dias, alvorada...
Nas horas mais felizes, dessa estrada,
O riso, os rios, ritos tão risonhos,

Os olhos, óleos bentos... São bisonhos
Os medos, a sombria madrugada,
As lendas, todo trauma alma penada,
Muita vez, pesadelos mais medonhos...

Harpas, anjos correndo livres, paz..
Num segundo, seu mundo, é bem capaz
De transformar delírio em realidade...

Fantasias, brinquedos, melodia,
Faz amanhecer, sempre, um novo dia...
Deixando, fatalmente, esta saudade...

Anjo Negro

Tua negra beleza meus delírios.
Realeza gentil, cantil e fogo
Espreito belos peitos, nosso jogo
Pantera caminhando nua, lírios...

Teus lábios, cerne, carnes, meus martírios...
Tuas coxas roliças, tanto rogo,
Tantas preces, nas faces desafogo,
Teus olhos, claridades, meus colírios.

Venero a negritude, tua pele,
Teu andar tão sublime, me compele
A buscar nos divinos céus, sons, banjo...

Amar-te tanto, claros mansos beijos,
Saciando, assim, todos meus desejos,
Na mais bela mulher, u’a rainha, anjo...

Saudades

Nas funéreas saudades desse amor...
A letárgica noite s’abatendo
Trôpega caminhando, convertendo
O que fora jardim me nega a flor...

Os resquícios dolentes, onde for,
Pelo que resta, gestos, cada adendo,
Irão comigo. Sigo me perdendo,
Nos fugidios ciclos, sofredor...


Cadáver insepulto, que carrego,
Vagueio vão, vazio, visceral!
Cego; renego afago, me nego

Ao negar, sonegar que inda te espero...
Sei, estupidamente te venero,
És princípio, primaz e principal...

Satã

Disforme, meritório de repulsa,
Travas e trevas, fóbicos rejeitos.
Vísceras em farrapos, trapos feitos,
Nas vestes, hostes, cobras,dor avulsa...

Nos seus olhos sanguíneos, luz pulsa
Vertendo pus, sorri, garras, nos peitos
Expostos; restos, fogo, cáries. Leitos
Procuras, mais lascivo, ris, expulsa...

Nos pântanos nos cântaros, servil;
Nos âmagos dos néscios, dos bacantes,
Caminha tortos passos, voas, vil...

Nos céus, seus pés por certo nunca mais...
Repousa nos políticos tratantes,
Descansa no Brasil, vil Satanás!

Fantasmagórica

Nas sombras das noturnas mansidões,
Surges, pálida, lívida... mistério...
Quem passa, traça passos, sons, etéreo...
Refletes o que roubas; amplidões!

Escarneces, nem notas, corações...
Nas catedrais, nas tumbas, cemitério...
Remontas outro tempo, atrás, Império.
Perambulas fabulas, nos senões...

Na alvura, tuas vestes, transparências...
Pés descalços flutuas, penitências...
Tua seminudez, tudo o que vejo.

Tal presença noturna, sideral,
Apavora, assustando, verte astral;
Mas eu, alucinado, te desejo!

Apocalipse

Sonhei com sóis, diversos sóis queimando...
Tragando gestos, luas pensamentos.
Flambava frenesis, fornalha assando
Homens, plantas, cidades, rios, ventos...

Do que se fora flora, se infernando,
Sóis algozes ferozes, santos bentos,
Das luzes: urzes, cruzes, derramando...
Sabiam dessas glórias, seus intentos...

De tal clarão profundo, surge Deus,
Domina o caos, Senhor da luz, dos breus...
Alado, armado, brilha mais que sóis...

Rompendo espaços lança desse Astral,
Com Sua voz feroz, celestial:
“O que fiz com amor, tudo, destróis!”

Desejos

Desejos meus, carnais percorrem grutas,
Singram bocas, respiros e gemidos...
Sussurros, nos espasmos, nos sentidos;
Vão dominando cada assalto, lutas...

Buscam o complemento, nas astutas
Cartadas. Cada novo tom, ouvidos
Abertos, sinfonias, som, batutas...
Nesses livros deveras versos lidos...

Catedrais, orações, partilha, reza...
Todo grande desejo que se preza
Traz a sensação louca, divinal...

Não permite nem dúvidas nem medos...
Devora, audaz, não restam mais segredos,
Todo desejo prima bem e mal...

Dor

Dor, cruel feroz, sangra, singra mata...
Nas almas, sorve, crava, trava afeta...
U’a fiel companheira do poeta!
Mares, montes, senzalas, em cascata...

A dor sequer pergunta m’arrebata...
Tantas vezes, perdendo a linha reta,
Trafega espaços, lassos passos, meta...
Carrega, diariamente, mentes, trata...

Saudade, tristeza alma... tudo dói...
Nas vagas divagando. Mas constrói..
Nas carnes, dilacera, fera e flor.

Seus motes, sortes, montes, vários cortes...
Sinas, rumos, nos prumos e nas mortes...
Tantas vezes salvaste o homem, Dor!

Nas manhãs dessa vida

Nas manhãs dessa vida, auroras divinais,
Procuro pelo sonho, ouvindo esse luar...
Quem fora despedida, agora pede paz,
Meu barco, então, eu ponho, em busca d’outro mar...

Não vejo mais saudade, espero e quero mais,
Quem vive falsidade, encontrará lugar...
Pesadelo medonho, outrora foi demais;
Vivendo tão tristonho, esperando chegar...

Nas marcas do teu beijo, esperanças morrendo...
Quem me dera encontrar, depois sair correndo;
Não sei d’outro desejo, a não ser conhecer

Quem fora liberdade, está nos pensamentos,
Busquei pela cidade, ouvindo teus lamentos.
Agora irei parar, preciso te esquecer...

Thursday, September 7, 2006

Amplidão

Nos vazios celestes, nada assoma,
As pétreas solidões são nebulosas.
Nas vagas mansidões mais tenebrosas,
Só luzes percorrendo, como um coma...

Ao nada, junto ao nada, nada soma,
Os sons são sem sentido. Desairosas
Ventanias varrendo, vagarosas,
Tempestades terríveis, tudo toma...

Nestas vazias, vastas amplidões,
Silêncios são suplícios são sertões...
Siderais sentimentos virginais,

Esparsas e longínquas tais estrelas,
Tantas vezes sonhei pudesse vê-las,
Mas conheci teus olhos, não vou mais...

Breu

Nossos sonhos, qual torres protegidas
Pelos deuses d’amor e pensamentos,
Se elevam levam livres movimentos
Carreiam cordilheiras, nossas vidas...

Nos andores, condores, despedidas,
Flutuam no sonhares meus tormentos,
Queixando-me, percebo tantos mentos
Tremendo, indo temendo as recaídas...

Nossos sonhos, discípulos, Morfeu,
Penetram nas penumbras, nos umbrais,
Deixando leve, breves festivais;

Por onde ondeavam maremotos,
Motivos e matrizes, modos, motos,
Remotos nossos sonhos, sorvem breu...

Reflexos

Teus olhos, rutilantes são perfeitos,
São feitos de pepitas preciosas,
Pupilas transcendendo maviosas ,
Das luzes, tantos prismas sem defeitos...

A lua, procurando novos pleitos,
Cansada de roubar as fabulosas
Cores solares, vaga, quer das rosas
Que Deus criou, saber os preceitos

Que permitam brilhar com suavidade,
Depois, de tantos meses procurar,
Quem desse mais beleza e claridade,

No universo, mil versos e versões,
Tentando encontrar ricas soluções,
Reflexos nos teus olhos foi buscar...

Manhã Virginal

Na virginal manhã de nosso amor...
Senti as rosas brancas sobre a mesa...
Flutuavas num átimo. Beleza
Alva; aromas, amoras, amador...

Bebias vinho, lanças, danças flor...
Singravas sonhos, sombras, minha alteza,
Por cetro luz, concertos, com certeza
De pássaros canoros, teu albor...

Nessa manhã, sedosa quão sincera,
Sentias paz. Audaz fiz da quimera
Somente riso, límpidas centelhas...

As rosas brancas, belas como o dia,
Deixadas esquecidas, mas eu via,
Lentamente, coravam-se vermelhas!

Teus Braços

Quando seus braços, baços embaraços,
Bruma bacante bélica abençoa,
Nos seus abraços busco bruscos laços,
Belas bromélias, braços vida voa...

Nos tímidos tentáculos seus aços
Penetram tentadores, tão à toa.
A lava que me leva, embaraços...
Nos seus abraços, sei que me perdoa...

Cansado de cismar sem ter descanso,
Servindo de consolo, solo manso,
As marcas dos seus braços, são perenes...

Nas pompas dos amores mais solenes,
Nos dias das orgias fantasias,
Seus braços santificam alegrias...

Liberdade

Liberdade, terrível flor insana,
Que necessita sangue podridão.
Exigindo cruel fel, traição...
Nos clarins, batalhões suor e gana...

Muitas lutas perfazes tanto engana,
Dilaceras, feroz, embebes chão,
Embriagas, torturas. Mansidão
Devoras voraz, vives qual cigana.

Procuras tuas curas duras penas,
Na morte traiçoeira, me envenenas...
Necessitas de mártires e mortos.

Destróis nações, invades sangras portos,
Mas, te busco, desejo tua lira,
Nas lutas, liberdade, então delira...

Ninho

Nossa luxúria, augúrio insensatez...
Delícias e fascínios compartilho,
Arranco brutalmente esse espartilho,
Prazeres espelhando tua tez...

Nas vésperas convertes d’altivez
No lírico e eufórico estribilho,
Gemidos lagos úmidos partilho
Da mímica temática. Se fez

De dois um só sonido, num coral,
A vida festejando o festival,
Dos corpos embolados num carinho,

Na rija mansidão , nossos carinhos...
Na vasta solidão , dois passarinhos,
Orgásmicos, procuram por um ninho...

Lua

A lua, predileta musa. Brilhas
Esparramando bênçãos pelas matas!
Teus clarões nas searas forram trilhas
Noctívago, permeio serenatas

Refletes verdejantes maravilhas.
Nas buscas insolentes, me maltratas...
Lua, das tuas mansas, belas filhas,
Uma dorme comigo e m’arrebata!

És flâmula tremulas bruxuleias,
Tecelã tantas formas, tuas teias,
Passeando sutil, sobre essa terra...

A quem planta, fulguras nos plantios,
A quem ama, incitando tantos cios,
Nos teus rastros, clareiras, mares, serra...

Vésper

Num lânguido tormento, me seduzes,
Teus seios devaneios me provocam,
As vozes da volúpia, que me tocam,
Transformam tolas formas, novas luzes...

As ondas de desejos que produzes,
Inflamam os meus versos, que te invocam...
Meus feitos mais perfeitos se retocam,
Teu corpo incorporando minhas cruzes...

Percorro teu veludo, velos, pelos
Navego teus venenos nego vê-los,
Deliro tua lira na minha’alma...

Amansas minhas danças, tuas lanças
Destinos contra sensos, vais, alcanças.
Na vésper estrelar, reluzes calma...

A Seta de Eros

Teu corpo, vai galgando a eternidade,
Nas chamas, no clarão de tais estrelas,
Procuro sem saber, onde bebê-las,
Vagando vou vivendo essa saudade...

Dos astros reluzentes, claridade,
As luzes que produzes tento vê-las,
Quem sabe se abrirá para envolvê-las
Olhos a procurar n’imensidade!

Satélites criou Nosso Senhor,
Ao ver a solidão desses planetas,
Num átimo, ultimou seu Deus d’amor.

E Eros com sua seta mais certeira,
Gerou de forma lírica cometas,
E tal flecha, roçou-te, companheira...

Vísceras Expostas

Nas vísceras expostas, postas paz...
Cada pústula repulsas postulas,
Mas és éter, flutuas. Tuas gulas
São meus guias, vadias; vou atrás.

Se temo teu veneno traz antraz.
Se cedes teu remédio, negas bulas...
Devoras, todas horas, mas anulas...
Teu beijo pedra, perda, Satanás!

As mãos vãs e vazias vagam vilas,
Das frestas frenesi, fórmicas, filas...
Dos céus véus e meus veios, meios, fim...

Sexo verbal, venal, vogal verdades...
A saúde amiúde traz saudades;
Veleidades, vazio vago assim...

Lua Nua

Lua nua, meu limbo e poesia,
Clarão noturno, entorno tuas luzes,
Nos caminhos, meus ninhos, minhas urzes..
Vou perdido, adiando cada dia...

Lua bela, estrelar, alma vadia,
Rolando tantas formas, somos cruzes;
Nas pedras, perdas, trevas avestruzes
Escondidos fugidos, qual valia?

Venero meus anseios, seios, lua...
Procuro, me torturo, estás tão nua...
A vida continua, mas cadê?

Elevo meu navio, naufraguei...
Acendo teu pavio, me queimei.
Ó lua me responda então, porque?

Orgia

Nos teus palácios ácidos devoras...
As formas que comportas, tão disformes.
Nos jornais, nos anais, nossos informes,
Noticias seus cios, nada imploras...

Vértice recrudesces, tolas horas,
Teus peixes a pescar, salmoniformes,
Jamais eu poderia, seus conformes,
Rolando teus espaços, parcas toras,

Não quero o fero gozo de teu sexo,
Nem tento teu invento, tonto nexo...
Minha mina minada nada cria...

Meus olhos, óleos, aços, são pedaços,
Abrindo loucos braços, teus abraços
Convidam para a noite numa orgia...

Tardes

Vestida com vermelhas vastidões,
A tarde ardendo desce mais fugaz,
Coragem decorando corações,
Nuvens navegam, forjam fuga audaz...

Quero o gosto em um gesto, gerações
Passando perspicazes pedem paz...
Sirvo sim e não, sinto seus senões,
Carpindo cada cântico capaz...

Nas ondas me denotas novos clãs,
Quem dera dessas tardes as manhãs,
Variariam ares e pendores,

Surtiriam telúricos pensares,
Viveriam viveiros vagos ares...
Saberiam conter os meus amores.

Estupidez

Chegando em casa, fúnebre rotina,
A mesma casa, triste e tão vazia...
A mesma imagem queima-lhe a retina,
Das esperanças mortas, onde via

O rosto angelical , sua Marina...
A vida cruel segue novo dia,
E nada mais senão doce menina,
Que o tempo já levou... na ventania.

O quarto aonde noites eram lúbricas,
Fazem dos sonhos cenas tão mais lúdicas,
Mas tudo vai perdido, na lembrança...

Quem dera não tivesse que sonhar,
Quem dera se esquecesse de matar,
A quem amara, estúpida vingança...

Onde Andas Maria?

Quem souber de Maria então me informe,
As saudades estão me corroendo,
Eu acho que lá fora, está chovendo,
Essa dor que consome é tão enorme...

Nas ruas, a cidade toda dorme,
Aqui dentro, depressa, estou morrendo,
A vida vai passando, acontecendo...
Não há sinal algum que me conforme...

Maria foi apenas a saudade,
Deixando suas marcas, quem há de
Me informar com certeza onde está...

Nem bares, mares, luas, nem botecos,
Vou procurando a esmo em pandarecos,
Estarás por aqui? Talvez por lá...

Naufrágio

Meu medo, caminhando meu naufrágio,
Procurando nas barcas, meu destino;
Esqueceu de saber qual o presságio
Guardado fosse guia, atroz, mas fino...

A vida, transcorrendo cada estágio,
Se renova na busca do menino
Esquecido no canto, no pedágio

Que a vida paga, lívida e cruel.
Buscando essas estrelas do seu céu,
Sem jamais revestir minhas mortalhas...

Vertendo minhas lágrimas, são falhas,
As defesas que tento conhecer.
Pois é tão bom saber sobreviver...

Anjo

Quando Deus, distraído, permitiu,
Por esquecer as portas entreabertas.
Uma luz, dessas belas, incertas,
Aproveito-se então, dos céus fugiu...

Como um anjo que, livre decidiu,
Conhecer um planeta. Nas ofertas
Que tinha a seu dispor, as asas certas
De que na Terra a vida enfim surgiu;

Escolheu tal planeta pra viver.
Mal sabia que assim podia ter
Escondidas as asas noutro arranjo.

Cresceu bela mulher, que me fascina.
As asas ocultadas, da menina,
Eu descobri palpando-te meu anjo...

Coração

Coração, marinheiro sem destino,
Que no cais, procurando pelo mar,
Entrando totalmente em desatino
Esqueceu como pode navegar...

Coração, naufragado, perde tino,
Não reconhece estrelas, nem luar...
Brincando, marejando, qual menino,
Marinheiro qu’esquece de nadar...

Coração, as saudades são teu barco,
As Percas de deixaram és um arco
Na procura insensata das marés...

Coração, as perguntas sem respostas,
Queimam tanto, ardendo nossas costas,
Coração, um veleiro de cem pés...

Vendavais

Quero poder amar com tal liberdade,
Que não precise nunca mais mentir...
Quero poder viver, nada pedir,
Não esperar sequer essa saudade...

Atracar no cais, barco em tempestade,
Com toda proteção, poder fugir...
Não ter medos, segredos por aqui;
Minhas âncoras, Porto Soledade,

Saveiro, refletindo sobre o mar,
As sombras que roubou desse luar.
Nas correntes marinhas ir sem rumo...

No meio dos sargaços flutuar,
Sem ter medo receio de voltar...
Em meio a vendavais, manter o prumo...

Inverno

O que dizer do que se chama vida?
Repúdio, lágrimas, martírio, dor?
Não poderia conceber amor,
Nunca tive remansos. Vi, perdida,

A juventude, alheio, sem saída...
Quisera piedade, por favor...
Sentira simplesmente tal pavor
Que só pensava, enfim, na despedida...

Conheci os salões da solidão,
Num marasmo, inconstante. Coração
Dizendo nada, nada repetindo...

Vieste, mansamente, tempestade...
N’outono temporã felicidade.
Mas, triste, meu inverno já vem vindo...

Ilha

Ilha deserta amor, nossos desejos,
Trocados na silente paisagem...
Sentindo nas carícias dessa aragem,
Da bela natureza, mansos beijos...

Náufragos mais felizes, sem ter pejos,
Nas delícias tragando essa visagem,
Descobrindo em teu corpo, uma viagem
Ao paraíso, aprendo tais manejos,

Que permitam saber novas canções...
Nas algas, nas anêmonas, caçoes...
Nos cavalos marinhos e gaivotas...

Nossa nudez, as conchas com que lotas
Tuas mãos. Nessa areia, a maravilha
De conseguirmos conquistar noss’ilha...

Amor

Amor, como é difícil te encontrar,
Meus caminhos, perdidos foram vagos,
Mergulhei tantos rios, mares, lagos...
Naveguei por planetas, sol, luar...

Amor, nos nossos passos, caminhar,
Sem temer por dilúvios nem estragos,
Conhecer, ness’amor, segredos magos...
Nos canteiros, antúrios, vou plantar...

Em dois corpos, una alma um respiro,
Os nossos gozos, juntos num suspiro...
Sentir doce certeza do teu bem...

Diversa liberdade que cativa,
Aprisiona, tornando mais altiva
As vidas que, uníssonas, convivem...

Atriz

Não quero te entender, ter-te me basta...
Nas variantes vozes que me dizes,
Nas profanas mordaças, tais matizes
Na corredeira louca que m’arrasta...

Muitas vezes luxúrias, outras casta,
Sorrindo da dor, lágrimas felizes.
Procurar liberdade, ter varizes
Nos segredos sutis, atrai, afasta...

O que me falas, vento já levou.
Tuas malícias, forjas o que sou...
Numa diversa hipocrisia, ris...

Conhecer-te? Jamais queria tanto.
Aos teus olhos, satânico,sou santo...
No fundo, um paradigma, uma atriz...

Batem na Minha Porta

Eu ouço alguém batendo em minha porta,
Mas quem será que, nessa madrugada;
Bate assim, procurando pelo nada...
Minha esperança há muito está tão morta...

Batendo, fortemente, quem se importa,
Uma vida vazia, abandonada...
Esquecida num canto, assim jogada...
Quem irá se importar? O frio corta,

E na porta sinais duma existência,
Lutando mais feroz, a persistência
Com que bate, trará um novo alento...

A quem ,abandonado, não tem paz;
Quem será? Ao abrir, sofrer não mais...
Porém, ninguém batia, só o vento...

Novo Rumo

Que trazes de surpresa para mim?
Carinho, balas, tiros, emboscada?
Exatas incertezas, dizem nada...
Um tapa significa seu jardim...

Mas meus braços estendidos; um sim,
Esperam no romper da madrugada.
Ouvirei a palavra sossegada,
Mansa, suave... Dura qual marfim,

Todas as minhas dúvidas terminam,
Nos meus medos, tragados pelas marchas,
Nos meus pés que, faz tempo, se cansaram...

Essa tua resposta, novas achas
De lenhas que sustentam nossa vida,
Ditará novo rumo de partida...

Noite

A noite engole dias, vem a paz,
Adormecendo berços de crianças...
Devolvendo, nos sonhos, esperanças.
Transformando qualquer ser em capaz.

Noite de pirilampos. Tanto faz
Amanhecer, importas as lembranças
De festas, risos... Velhas nossas danças,
Ressurgem nessa noite, sem jamais

Esquecer-se de doses de luxúrias...
Viajo sem limites, das Astúrias
Ao pólo Norte. Nunca temer morte,

Nem sequer minhas dores e fracassos,
Sentir meu gozo, beijos... Os abraços
Benfazejos da boa, feliz, sorte...

Tuas Mãos

Tuas mãos, tantas vezes caridosas,
No desespero vidas salvam, matam...
Com carinho, suaves, me maltratam....
Têm espinhos, também recendem rosas...

Unidas, vão pedindo piedosas,
Num abraço, por vezes m’arrebatam.
Mas, cruéis, se divertem e me caçam...
Na procissão, caminham andrajosas...

Ultrajes e calúnias, mãos sedentas.
Repartem solidárias, mas são lentas
Nas carícias que fazes, nosso quarto...

Ajudas nos delírios, novo parto...
Tuas mãos que, silentes, falam tanto...
Aplacam a dor, causam todo o pranto

Riso

Teu riso que me trouxe primavera.
Também fez dessa vida, girassol,
Iluminando, trazes arrebol...
Teu riso, sensação doce d’espera...

Tantas vezes, girando numa esfera,
Escutava-te rindo, eras o sol...
Seguia teu sorriso, meu farol.
Deixava tão distante vil quimera...

Acalentando as dores, tão mordazes,
Tornando mais felizes e vorazes
Todas as manhãs; riso claridade...

Quando a noite cai, triste e maculosa,
A vida parecendo fim... Gostosa
Risada, vem trazer felicidade...

Jardins

Muitas vezes, vencendo meus tormentos,
Adormeço nos jardins dessa casa.
Sem saber, mergulhando numa brasa.
Não permite esquecer dos velhos ventos,

As vagas vozes volvendo, vão lentos,
Todos os totens, tolo o tempo atrasa.
Soube sentir, sem sonhos; só me embasa
O jasmim nos jardins dos sofrimentos...

Em mim, nada assim, símio sinto o fim;
E cravo meu agravo tudo enfim.
Nos galhos da roseira, sei espinhos...

Nas dálias, tantas falhas fiz enredo,
Desses lírios, delírios, sem segredo...
Hibiscos, passarinhos... Cadê ninhos?

Lago e Circo

Mergulhada num lago sem saída,
Encontras as quimeras que me deste
As roupas que vestiste, toda peste
Que cultivavas numa torpe vida...

Não salvarei –te, deixo-te perdida,
Afogada na mágoa que te veste,
Sem nem sequer, rezar para que reste
De teus sonhos, nenhuma sobrevida.

Nas águas podres, pestes e vorazes
Predadores te beijam, mais audazes...
Sugam teu sangue, matam lentamente...

Minha vingança tarda mas não falta,
Apagar todas luzes da ribalta,
Aplaudindo espetáculos, somente...

Espalhadas ao Vento

Onde está a casa, nossa casa, lar...
Perdemos todos nossos sonhos, sim;
Não restando talvez, nem seu jardim,
Apenas na lembrança, vão ficar,

Os quartos, nossa sala... Quis pousar
Meu coração, querer tirar de mim
As recordações. Viver assim,
Preso a sonhos, segredos, um lugar...

Andávamos solenes, sem temer
Sequer as tempestades que não falham.
Amávamos serenos, mas, cadê?

A nossa casa, perdida num passado,
Oco, sem mais sentido, foi jogado,
Nessas cinzas cruéis, ventos espalham...

Sentimenos Vagos

Sentimentos vazios, vida traz.
Amores,ódios, passam num minuto.
O coração, sofrendo, mas é bruto,
Logo depois, sereno, se refaz...

Nunca irei, tolamente, perder paz,
Meus dias passarão, finjo astuto
Para poder dormir, com isso oculto
Todas as minhas dores, pois jamais

Conseguiria enfim, sobreviver...
Mas, francamente, tento não conter
Lágrimas dos amores já perdidos;

É como carregar, as cicatrizes
Pensando que serão bem mais felizes,
Os dias que vierem, iludidos...

Lúbricos Cansaços

Num desejo impudico, tanto quero,
Dessa boca sevícias e carinho,
Ir roçando, bem manso, vagarinho.
Pois, em cada centímetro, te espero...

Quero o romper d’aurora audaz e fero,
Volúpias e delírios, num caminho,
Que possam transformar quem foi sozinho,
Nas múltiplas fornalhas dess’ acero...

Num frêmito voraz, tornar-te nua,
Tentando penetrar a tua rua,
Invadindo, posseiro, tuas lavras...

Transgredir os sentidos e palavras,
Minhas mãos penetrando teus espaços,
Depois, juntarmos, lúbricos cansaços...

Onde Estás?

Distante de teus olhos, de teus seios,
Meus dias invernosos vão sem brilho...
Me perco nos caminhos que não trilho;
Sonhando com delícias, meus anseios...

Distante de teu corpo, caço veios;
Mas nada encontrarei então me estilho.
Não tenho mais nem cais nem tombadilho,
Sem rumo, minha vida sem recheios...

Quis muitas vezes, longe de teus braços,
Tentar seguir, mas perco meus espaços,
Esvaem os meus dias, pelas mãos...

As horas, meus minutos, todos vãos...
Sonho com tua boca rubra, manso;
Te procuro, onde estás? Mas não t’alcanço!

Minha Vida

No teu cálice, vinho. Embriaguez...
Em tua boca, orgias e loucuras;
Quando vagueio; tonto, essas procuras,
Tantas vezes me mostram tua tez.

Tenho o teu gosto amargo. Mas, freguês
De tuas mansidões, tuas torturas;
Me iludem, várias vezes t’as doçuras...
Teu bafejo de fera, insensatez...

Eu quero conhecer tuas entranhas,
Lamber todas feridas, teu carinho.
Sangrar nos cortes fundos que me lanhas.

Quero o teu porto, sinto que és a única
Desd’a primeira até última túnica,
Que acompanhaste todo o meu caminho...

Wednesday, September 6, 2006

Árvores

As árvores podadas com machado,
Cortadas sem nenhuma precisão;
Seus caules, aquecendo no carvão,
Refletem tantas marcas do passado.

Nos bosques, nossas matas, um recado,
Deixado pelas marcas sobre o chão.
Dos restos que sobraram no sertão,
O solo empobrecido, abandonado...

Os homens poluíram o cenário,
Afastam das florestas o canário;
Silêncio recobrindo, tão medonho...

Nos caminhos, nascentes abortadas,
Destruindo t’as folhas nas queimadas.
Eu, tal qual as árvores, tristonho...

Amarga Vitamina

Saudade, libertar-me de ti, quando?
Cavalgas todo dia meus martírios,
Sorvendo cruelmente meus delírios,
Me libertar de ti, sair voando...

Novos caminhos, livre irei buscando,
Procuro pelos campos, alvos lírios.
Nas procissões, minha alma traz os círios...
Mas a saudade sabe vir matando...

Muitas vezes, m’engana essa farsante,
Acredito esquecer mas, nesse instante;
Ressurge fatalmente, me tortura...

Momentos que, pensei, minha loucura
Tivesse terminado, eis que domina,
Saudade, minha amarga vitamina...

Quem sou?

Quem sou? Por tantas vezes me pergunto,
O que Deus quis, fazendo-me tristonho,
Dessa melancolia fez meu sonho;
Não temo o tempo, fujo desse assunto;

Quisera ser semente, morro junto
Com todos os pomares, sou bisonho...
Meu barco, no oceano, nunca ponho;
Nas lamas de tais almas, me besunto.

Fracassos foram formas de reclame,
Quintais, jardins, nas flores, sou estame;
Procuro por comparsa, gineceu...

As farsas tomam todos os meus dias,
Recebo em troca, setas, vãs, vazias...
Quem sou? Alguém que em vida, feneceu...

Lágrimas contidas

Contidas, minhas lágrimas não caem.
Simplesmente se calam, abortadas;
Mas, caladas, profundamente traem
Quem sempre quis conter as alvoradas...

De minha alma, servidas, sempre saem;
Mas, meus olhos, contêm as rebeladas.
Vez em quando, fingidas sim, atraem
As dores que escondiam madrugadas.

Mesmo nas amarguras que retive,
As lágrimas são sempre escondidas.
A força, gigantesca sobrevive,

Ludibriando todo sofrimento;
Minhas senzalas, nunca mais vertidas
Num pranto que disfarço, ao menos, tento...

Retrato

Disfarço, tão somente, minha dor;
Num canto delicado, forjo o riso.
Meu mundo, falsamente, fiz conciso,
Na verdade, fui sempre um amador...

Gargalhei, zombei, pranteando amor...
Nunca pedi sequer nenhum aviso,
Vingativo o tormento foi preciso,
Mas, ironicamente, sou ator...

As dores, vão tomando-me d’assalto,
Penetram carcomendo, mas num salto,
Me vingo, sorridente, desse fato...

As mágoas construídas dia a dia,
Repetem tal solene melodia.
Espelhos não refletem meu retrato...

Teus Olhos

Teus olhos, minha amada, meu caminho...
Carícias dos meus sonhos mais profundos.
Neles, eu encontrei diversos mundos.
Reconhecendo brilhos, sei teu ninho...

Tiraram dos meus dias, triste espinho.
Calaram na minh’alma, foram fundo,
Das emoções que trago, num segundo,
Nos teus olhos, decerto, teu carinho...

A lua, mais ciumenta, te procura;
Sem teus olhos, a noite fica escura.
Por certo, quer roubar o teu luar...

Quando, a escuridão tomou a Terra,
O mundo entrou em triste, cruel guerra,
Faltava simplesmente, teu olhar...

Amores Tardios

Minha vida anoitece sem ter novas;
Notícias que produzo, requentadas.
Verdades que me foram reveladas,
Guardadas nesse cofre como provas

Dum tempo que passei, espero as covas...
As bocas que beijei, abandonadas;
Já quase centenárias, foram dadas
Num testemunho triste. Mas renovas

Um velho coração, já sem sentido,
Vieste num cavalo colorido;
Iluminando um céu deveras torto...

Te procurei, em vão, agora vens,
Num momento improvável, ond’os bens,
Razões do meu viver, me encontram morto..

Realidade e Sonho

Quisera ser poeta, ledo engano...
Meus sonhos foram simples fantasias,
Pensei verter; nas minhas poesias,
Amores e sentidos, foi meu plano.

Tentava convencer-me, mas insano,
Quando pensava assim, tu me mentias.
Nos meus passos, falsária, me seguias...
Sonhando ser marinho, fui serrano...

Sonhei poder vencer qualquer quimera,
Sem, ao menos, perder um só segundo...
Embora foste tanto, fui quem dera...

Recebo essa verdade, tão soturno,
Meus dias acabaram num noturno
Sonho, onde m’acordaste enfim pro mundo...

Podre Convés

Desalentado, busco essa princesa,
Que me deixou tristonho há tantos dias,
Matando cruelmente, as fantasias,
Deixando assim nenhuma luz acesa.

Meu coração deságua na represa
Que construíste. Mentes melodias,
Deixando minhas noites tão mais frias...
Meus olhos se cegando em tal beleza...

Vagueio pelas noites sem luar,
A vida foi soturna, quero o mar;
Mas o mar tão distante, sem marés.

Nas ondas que me trazem tal saudade,
Desalentado, fujo; mas, maldade,
Meu barco naufragou, podre convés...

Tarde Dourada

Tarde dourada, brasa que, celeste,
Queima feroz, ardendo minha musa;
Devagar, levantando sua blusa,
Vou concebendo nova, leve, veste...

Morenas passam; belo gosto agreste,
Desafiam o olhar que o golpe acusa.
Uma nuvem, passando, vai intrusa,
O vento expulsa para o rumo leste.

Suas mãos passeando delicadas,
Nessa tarde feliz, as mãos marcadas.
Pela forte presença do Sol Deus,

Clareando por toda essa cidade.
A vida refazendo suavidade,
Carícias dos teus beijos que são meus...

Falso Amor

As mentiras contadas foram tantas...
Amor quando permite essas mentiras,
Desfaz-se totalmente, em várias tiras,
Jamais reconstruídas. Velhas mantas

Que, do frio, verteram flores santas;
Cantavam simplesmente falsas liras,
Amor, em emboscadas, tanto atiras...
O meu cruel queixume, rindo, cantas...

Quando, louco, pedia teu carinho;
Nunca pensei quedar-me, então, sozinho...
Em meus versos, cantei sem ter nem eco.

Agora, lenços brancos, onde seco
As lágrimas que teimam em descer,
Percebo, sem amor não sei viver...

Pesadelo

Meu reinado, fugindo entre meus dedos...
Tantos sonhos, verdades virtuais.
Lindas mulheres nuas, carnavais...
A noite compartilha meus segredos!

Majestade, senhor de todos medos,
Vitorioso em guerras e na paz.
Loucos desejos, tudo sempre apraz,
Dono dos mares, terras e penedos...

A noite traiçoeira fez miragem,
Do que sempre pensei, simples imagem,
Perdida no oceano, crueldade...

Acordo, meros sonhos. Pesadelo
Que a vida envolve nesse seu novelo,
Trazendo tão somente essa verdade...

Fingimento

Meu sentimento exposto, torturando,
Rasgando, sem ter pena, o coração;
No que resta do peito, vai cravando
As garras mais sutis dessa emoção...

Tantas noites passadas, procurando,
Encontrar nos meus versos, a canção
Que permita viver. Agonizando
Tento sobreviver, nessa paixão!

Restam somente rimas esquecidas,
Alimentadas pelas, já perdidas,
Emoções que me negam sobrevida...

Sonhando com meus versos mentirosos,
Navego os universos vaporosos;
Onde minh’alma finge nova vida...

Perigo

Quero erguer os meus sonhos no teu céu,
Fazer dos pensamentos meu neon,
Cobrir espaços, levo todo som
Que possa repetir, arrancar teu véu...

Caminhar tuas brasas, fogaréu,
Perder todo sentido, todo tom,
Roubar de tua boca, teu batom;
De vidro, era somente teu anel...

Meu bem está guardado, não recuso,
Sou recluso, limite mais confuso,
Que divide, fronteiras invadidas...

Eu sei da tua história, mas não digo.
Iludes, finges frágil, mas nem ligo;
Desse perigo, gozam nossas vidas...

Amor Que Morre

Amor morrendo, padecendo tanto,
Deixa feliz no maltratar demais...
Se metade gozando novo encanto,
Outra, sofrendo, perde toda paz...

Satisfação consola todo pranto;
As lágrimas rolando, nunca mais...
Por outro lado, angústias no recanto,
Saudades tão ferozes, vida traz...

Amor jamais falece, só renova...
Corações procurando vida nova,
O tom dado, canção desafinada...

Amor sacana rindo, faz sofrer;
Num desmaio fingido, vou morrer,
Por certo, a dor transforma-se em piada...

Visita

Tua visita, aguardo, toda tarde;
Não me cansarei, nunca dess’ espera...
Pois bem sei que sentir essa cratera
Aberta no meu peito, cruel, arde...

Sinto teus passos, tremo, faz alarde
Meu coração, batendo, desespera.
Mas mudo, fixo olhar, minha tapera
Vazia continua, sou covarde,

Queria tanto teus braços; mas, nada...
Tua ausência, mortalha abandonada
Por esperanças tolas, mas felizes...

A minha boca sonha com teu beijo,
Mas te buscando tonto, nada vejo.
Me resta teu retrato e nada dizes...

Fel

As rosas que, nascidas junto às urzes,
Têm o mesmo perfume d’outras flores;
São iguais aos desejos que, das dores,
Transformam essas trevas, novas luzes...

Carregando, pesadas, velhas cruzes,
A minh’alma procura por frescores
Primaveris, a noite gera cores,
Assim como; na guerra, paz, obuses...

Liberdade sangrando nas prisões,
Esperanças matando corações,
Afago, tantas vezes, traição!

Carinhos, muitas vezes, bofetão...
Das abelhas, picadas, trazem mel;
Sorrisos, quantas vezes guardam fel...

Solidão

Nesses meus versos, tento te dizer,
Da boca que não beijo e tanto quero...
Celebro meu desejo, mordaz, fero.
Em tal fogueira, sonho, enfim, m’arder...

Porém, ao mesmo tempo, sem querer,
Por temer teu silêncio, nada espero.
Então me silencio. Nada gero,
Somente esses meus versos posso ter...

Na mansidão, volúpias atormentam,
Minhas angústias, mudas, só aumentam...
Mas sou feliz, fazendo esse poema...

Sonhar é doloroso, mas acalma,
A vida transtornada cede calma,
Embora a solidão seja meu tema...

Quem me dera

Quem me dera; poeta fosse, enfim.
A solidão seria brincadeira,
Caminharia minha vida inteira,
Sem precisar sair, fugindo assim

Me evaporar, sem escapar de mim...
Buscar, sendo faminto, a verdadeira
Razão para jamais ser a primeira
Vez que terei roubado teu carmim...

Nos lábios que sonhei, nada retive,
Esplendor com misérias já convive;
Ter dimensão exata que se sonha...

Quem dera versejar sem ter saudade,
Falar de minha vida, falsidade;
Sorrir da fantasia mais medonha!!

Mestra

Pelas noites sem sono, sem sentido,
Pelos desejos que negaste, rindo...
Pela boca mordaz, me destruindo,
Simples fato: jamais me dest’ouvido...

Pelo que me fizeste, divertido
Achar que nunca iria ver saindo
De minha alma queixumes. Vou abrindo
Meu peito, vagabundo e corroído!

Agradecendo a vida que negaste,
Ilusão que, vencendo, enfim, mataste;
Não deixando senão tanta tristeza...

Agradeço a carpida noite fria,
Foste mestra, vencida a dor n’orgia,
Criaste, sem querer, a fortaleza...

Meu coração fazendo confusão

Meu coração fazendo confusão,
Já nem sei se te quero ou nem te quis.
No meio das batidas, fui feliz?
Não quero nem respondo sim ou não!

Um coração moleque, sem perdão;
Inventa sua praia, diz que não diz.
E, pior, tempestade, pede bis...
Paga pra ver qualquer novo sermão...

Eu fiz meu calendário sem ter datas,
Perdi todo meu tempo nas ingratas
Sensações que me trazes, vagabundo...

Fiz meus versos, confesso que menti,
Muitas vezes, vadio, nem sofri.
Mas por fim, coração percorre mundo...

Antítese

Quanto mais eu te vejo, menos sinto...
Teus olhos são distantes, mas presentes...
Quando estás assim perto, são ausentes;
Quando digo: conheço-te, mais minto.

Mas, paradoxalmente; se me tinto
Com as cores dos meus olhos, são urgentes
As mudanças; tragando minhas lentes,
Nos teus olhos, então, os meus eu pinto...

Quem me dera saber do não sabido,
Meu olhar, nos teus olhos, escondido.
Reflexo que embriaga, deixa louco...

Conhecer minhas dores e destino,
Ao mesmo tempo, vago, perco tino,
Mergulhando em teus olhos, pouco a pouco...

Contradição...

A chuva lava essa tristeza, amor...
No espelho d’água dos teus olhos, brilham
Tantas estrelas que, cadentes, trilham
Pelos espaços. Nos teus braços, flor...

Na confusão dos sentimentos, dor
E alegria que, juntas, maravilham...
Sem ter teu corpo; medos compartilham
Com todas as angústias, meu temor...

Nas águas mais profundas, abissais,
Num deserto temível, te perdi,
Agora, sempre, quero muito mais.

Quero essa trajetória sem sentido,
Busco tanto, jamais pensei em ti,
Não queria sequer, ter conhecido.

Cordel - A minha sina - capítulo 11 - Um tiro dado pela culatra... E salvador.

Acontece que, na pressa
De sair do matagal,
Eu trupiquei nesse pau;
Minha vida anda as avessa,
Inda morro numa dessa!
As perna quase parti,
De cara pru chão caí,
O negócio tava feio,
Eu num arranjava meio,
Desse fardunço saí...

Machucado, bem doído,
Tive que ficar parado,
Cheiro de mato queimado,
Eu pensei: eu tô perdido,
Nesse caminho comprido,
Eu num tenho salvação,
E não tem mais jeito não,
Como posso me escapar,
Se não encontro lugar,
Nem encontro solução...

A noite tava chegando,
Escura e muito fechada,
É parar a caminhada,
Ali ficar matutando
Num posso sair andando.
O mato pegando fogo,
Complica mais esse jogo,
Brilhando lá d’outro lado,
Se chegar eu tô ferrado...
Rezei, pedindo num rogo.

Arrastei dentro da mata,
Devagar, fui deslizando,
Vi dois foguinho brilhando,
Tanto medo me maltrata,
Procurei marca de pata,
Encontrei um rastejar,
Trem começa a complicar,
Os dois olhinhos brilhando,
Nesse bicho rastejando,
Pensei logo : Boi Tatá...

Escondido desse bicho,
Fiquei nesses matagá,
Eu sei que esse Boi Tatá,
É pior que carrapicho,
Se não vazar num esguicho,
O troço pode feder,
O danado vem fazer,
Com o pobre do coitado,
Um fogaréu desgraçado,
Fazendo o cabra morrer...

Depois é que me lembrei
De ter matado um gambá,
Os restos dele deixá,
E pelo que eu já bem sei,
Esse gambá que matei,
É que trouxe esse malvado,
Não vivo mais sossegado,
Minha sina é de matar,
Como é que vou escapar,
Desse bicho disgramado...

Mas pru sorte, seu dotô,
Deus é muito meu amigo,
Com Ele corro os perigo,
Me protege sim sinhô,
O meu maior protetô!
Um caçador, nesse instante,
Deu um tiro na vazante,
Do rio que passa perto,
Esse tiro foi incerto,
Passando bem raspante...

Esse tiro salvador,
Dado sem ter direção,
Foi a minha salvação,
Esse tal de caçador,
Sem ter noção, atirou
Na casa do Boi Tatá,
Acertando tudo lá;
E fazendo um grande estrago,
Escapei dessa, tô pago,
Mato parou de quemá...

O caçador, desastrado,
Me salvou desse bagaço,
A faca que corta é d’aço,
O medo traz estampado,
Eta mundão mais danado,
Feito de cruz e diabo,
Vou babando igual quiabo,
Eu tô fedendo defunto,
Mas vamo mudá d’assunto,
Pois senão assim, acabo...

Tuesday, September 5, 2006

Para Carmita Loures

Tantas saudades sinto de ti, vó.
Sei, a vida necessita sim, da morte,
Eu sei também que tive tanta sorte,
De poder conhecer-te. Mas vou só,

Sem teus abraços, vida vira pó...
Cadê meu rumo, prumo. Esse meu norte,
Se perdeu. Vai sangrando todo o corte
Jamais esquecerei, um pão de ló

Que, no fogão a lenha, tu fazias...
A noite me trazendo as fantasias.
As tardes, transcorrendo, são saudades...

Meus medo de criança, tua paz.
A vida maltratando, nunca mais
Vou poder reviver aquelas tardes...

Miraí

Doces manhãs, infância vai distante...
Subindo em todas árvores, quintal.
A minha avó, sorrindo nest’umbral.
Meus dias mais felizes; viajante

Do tempo, essas saudades delirantes,
São companheiras santas, festival
Das minhas brincadeiras. No Natal
Os presentes guardados, numa estante

Da memória, trazendo meu sorriso...
Amor passando, célere, preciso.
Quem me dera viver eternamente...

As flores do jardim não mais existem,
As dores entretanto, sim, resistem...
Eu era tão feliz. Hoje, semente...

Salmo 2 - Versos Brancos

Os gentios amontinados, vão;
Os povos imaginam coisas vãs.
Os reis da terra se erguem contra o Pai
E contra seu ungido, então dizendo:
Rompamos ataduras, sacudamos
De nós as suas cordas. Deus rirá,
O Senhor zombará desses gentios...
Então lhes falará, na sua raiva,
E no furor, os turbará, enfim.
Proclamarei decreto dito a mim,
Pelo Pai: Tu és filho meu gerado;
Te darei os gentios por herança,
Os fins de toda terra, possessão...
Os esmigalhará, com tua vara,
Os despedaça como um vaso frágil.
Ungi meu Rei no monte do Sião!

Agora, reis, sejais bem mais prudentes.
Juiz da terra, deixa-se instruir.
Servi, ao meu Senhor, com tal temor;
Beijai ao filho, fuja de tal ira.
Para que não pereças no caminho...
Quando acender, su’ira, brevemente.
Boa ventura então, aos que confiam...

Salmo 1 - Versos Brancos

Homem que não seguir conselhos d’ímpios,
E nem dos pecadores, segue a trilha;
Nem de quem escarnece, sent’à roda,
É bem aventurado, com certeza...
Antes, tem seu prazer na lei de Deus.
Medita dia e noite sobre a lei...
Qual árvore plantada no ribeiro,
Dá frutos no seu tempo; suas folhas,
Não cairão, prospera em todos atos.
Pois são como a moinha que se espalha.
Os ímpios não resistem no juízo,
Nem mesmo os pecadores entre justos.
Pois o Senhor conhece, desses justos,
O caminho, que jamais perecerá!

Salmo 10 Versos Livres

Por que estás tão distante, Meu Senhor?
Nesse tempo d’angúsitas t’escondes...
Os ímpios perseguindo o pobre, fúria!
Que sejam apanhados nas ciladas,
Que eles mesmos, cruéis, já maquinaram...
Bendizendo o avaro, nega o Pai;
Deus, eles não buscam por altivez...
Renegam existência do Meu Deus.
No caminho, atormentam toda vez.
Desprezam inimigos, seus juízos
Estão acima, os abalos não temem...
Imprecações povoam suas bocas,
Assim como os enganos e astúcias...
Malícias e maldades nessa língua.
Nas aldeias, tocaias já preparam,
Matando os inocentes e os mais pobres.
Armas estão ciladas, escondidas...
Prontas para roubar, qualquer um pobre...
Diz, em seu coração, que Deus não viu...

Levanta-te Senhor, erguei as mãos;
Não te esqueças jamais, desses humildes!
Tu viste esses tais ímpios, quebre braços!
O pobre se encomenda ao Meu Senhor,
És auxílio Senhor, dos órfãos todos..
És, pois, o Rei Eterno, em Tuas terras,
Perecerão gentios. Ó Meu Pai,
Ouviste então, desejos dos mansos,
Conforte os corações. Os Teus ouvidos
Abertos, sei, para eles estarão!
Faças cair justiça sobre os pobres,
Que os órfãos, reconheçam-na também,
E qu’homem não prossiga em violência...

Mulher A Gente Encontra em Toda Parte...

Mulheres, tantas tive, tão diversas...
Negras, louras, mulatas e morenas.
Todas as formas, gordas, magras, pequenas...
Muitas ganhei, perdi, simples conversas.

Brasileiras, latinas, russas, persas.
Mulheres não faltaram. Açucenas,
No meu jardim plantei, colhi apenas,
As que plantei, nenhuma foi às pressas...

Desses amores falsos, nada resta,
Nem me permitirei falar de festa,
Pois sei desses amores, tudo em vão!

Mulheres, sem pensar, tantas troquei...
Se, na verdade, tantas, encontrei;
Mas não a que detém meu coração...

Nem tudo que reluz

Quando estava distante e tão sozinho,
Não tinha nem sequer conhecimento
Do que estava passando-se. Momento
De sufoco, perdido, tão sem ninho...

Bastava-me saber, do teu caminho.
Mas nada disso tive, me contento
Com tão pouco. Tampouco meu intento
Foi, desses meus sonhares, teu carinho...

Nada tive, notícias, vento leva...
Restaria talvez, a simples treva,
Mas tal escuridão foi minha luz...

Percebi que sentias simples farsa,
Nunca pude dizer: minha comparsa.
És um falso tesouro, só reluz...

Percorro meus delírios, sonhos, medos... Versos Brancos

Percorro meus delírios, sonhos, medos...
Segredos ponho, barcos e tempestas;
Festas e fantasias, carnaval...
Aval de Deus permite cada luz...
Iluminas as minas de minha alma...
Acalmas todas dores que virão.
Por certo não conjugas sofrimento
Com meus desejos mais sutis, carinho...
Num átimo, meu último segundo.
Caçando tais estrelas ness’astral.
Sim, nossa verdadeira manhã morre.
Escorrem dos meus dedos, nossa vida.
Ávida vida, deve breve vértice...
Artífice da sorte, motes mortes...
Temo o temor, tremendo teus tentáculos.
Meus oráculos mentem, nada tenho...
Venho desse jamais tivesse sido...
Duvido do óbvio, vingo minhas chagas.
Algas nas águas, mágoas nas lagoas;
Entoas novas loas, trovas, canto.
Tanto tempo terei temporal, medo...
Segredo meu segredo segregado...
Minhas minas terminas temerária.
Na confusão dos cios, ciclovia...
Havia álibi, livre colibri.
Mas quando vi, estavas só vagando...
E te perdi, pedi a penitência.
Feche teus olhos, veja o meu desejo.
Num martírio, deliro e nada resta,
Pela fresta, janelas, portas... Morta
A solidão, revive viva vida.
Não quero mais senão, sertão, serralha.
Nem a canalha forma que me forma.
E que me informa: foste tão fugaz...

Nada mais tenho, nem sequer pretendo.

Nada mais tenho, nem sequer pretendo.
Vou vida afora, percorrendo o mundo...
E cada vez que tento, nem desvendo
Tal mistério, perdido me confundo...

Se quis simplicidade, vou vivendo
Na complexa agonia, mar profundo...
Respirando acredito estar morrendo.
Tanta dor, me calando lá no fundo...

Quis ter verdades, sempre refletidas
Nos olhos da mulher que nunca tive...
as canções que cantei, por essas vidas,

São as mesmas que ensinas e não crês.
Quero teu beijo, todo dia e mês,
Mas nunca omitirei por onde estive...

Contrastes

Quero roçar meu corpo no teu beijo,
Acariciar, manso, cada ponto...
Transbordar em carícias meu desejo,
Vagando lentamente, ficar tonto...

Quero sentir fugaz, o que delira...
Nas mãos maliciosas, ter-te inteira;
Penetrar mais profundo, até que fira
Suavemente. Rolar nessa esteira...

Quero teu gosto, gozo em meu delírio,
Fazer desse repasto, minha orgia...
Gozar tão mansamente, esse martírio.
Poder ver no teu rosto, doce magia...

Quero sentir as ondas de prazer,
Contraindo teus músculos, e dentes...
Saber melhor plantar depois colher,
Conhecer os teus rios e nascentes.

Minhas mãos, sentinelas e recrutas,
Procurando saber onde se encontra;
Dessa mata, vertentes, poros, grutas...
Navegar teus macios lagos, lontra...

Teu respiro, aspirando me sufoca,
Decorar esses mapas tua pele...
Invadir, caçador, pois, cada toca.
Fazendo não querer, mente e repele.

Nas curvas dessa estrada , capotar...
Conhecer artimanhas mais sutis,
Levantar tua saia devagar,
Nos teus braços saber que sou feliz...

Teus seios, mordiscar, bem lentamente,
Teu pescoço, libido se explodindo...
Nessas danças, bailar feito demente,
Sentir o cheiro, olor do gozo vindo...

Quero insensatez, quero tuas pernas,
Num balé misterioso, entrelaçando
As minhas, nas carícias mais eternas;
No teu corpo, suave, naufragando...

Eclodir as centelhas desse incêndio,
Conhecer nossos mares e marés.
Aprender bem mais desse compêndio
Escrito vorazmente, mãos e pés...

Quero a ternura, fera e mais voraz...
Nos olhos revirando sem ter nexo...
Conceber sonhos lúbricos, audaz...
Desenhar as mil formas do teu sexo.

Minha língua feroz e delicada,
Vagando pelos vales e montanhas...
Sentir a tua boca, minha amada,
Hastear tais bandeiras nessas fronhas...

E depois, descansar o meu cansaço,
De guerreiro feroz qu’apascentaste...
Dormir tão calmamente no teu braço,
Depois de tal batalha num contraste...

Cobiça

Nos corpos mutilados de crianças,
A vida transcorrendo calmamente...
De nada servirão, as tais lembranças.
Não restarão sequer na nossa mente.

As fotos de famintas esperanças;
Esquecidas, jogadas, simplesmente...
A morte sem sentido, mas não cansas
De tentar prosseguir, vida demente...

Tenho todo cansaço, sangro à toa.
A vida, bem sei; vida é muito boa...
Pena que esses retratos não se calam...

Essa boca faminta de justiça,
Recebe, em troca, escarro da cobiça.
Em silêncio, pedindo, nada falam...

Amor fluindo pelos dedos, sal...

Amor fluindo pelos dedos, sal...
Quero essa sombra, divinal, cometa...
Navegarei sem me cansar, o astral
Buscando conhecer novo planeta.

Veleidade

Nas tais penumbras de minh’alma, vejo
Os olhos pálidos da minha dor.
Nas fímbrias prendes solidão; desejo
Então, fugir, quero escapar. Apor

As mãos cansadas, e sentir o beijo
Mais carinhoso, ser teu beija-flor...
Fazer assim d’amor, mais belo arpejo.
Nada quero sentir, senão calor...

Quero todos segredos, confissões;
Nada dizer, nem precisar, sermões
Feitos dessa total cumplicidade...

Nossos carinhos, envolvendo a lua,
Sofreguidão, te perceber, tão nua...
Transparências trazendo veleidade...

Escombros

Nas noites frias, quando, enfim, não tenho
O calor de teus braços m’acolhendo,
A tristeza invadindo tudo, fecho o cenho,
Pouco a pouco, perdido, irei morrendo...

Mal acredito, nada resta. Venho,
Meus caminhos, tortos, me perdendo...
Nessa procura, no vazio embrenho;
Não consigo saber nenhum adendo...

Te quis, decerto essa certeza foge
Não me deixou, sequer, sentir o alforje
Que pesava atroz, me machucando os ombros...

Não sei mais repartir, sequer o peso,
Só me resta encolher quem fora teso;
E recolher meus restos dos escombros...

Quando percebo; o fim da noite vem Versos Brancos

Quando percebo; o fim da noite vem,
Trazendo essa alvorada com o sol,
Manhãs tão radiantes, são promessas,
Da vida renascendo sem tempestas...
Meus medos são desejos não cumpridos.
A sorte nada faz senão mentir...
Me cabe nessa história ser poeta.
À parte do que sinto, nada falo...
Queria transformar os meus caprichos,
Mas omitindo, vou seguindo mudo...
Repito meus dilemas, num soneto;
A morte s’aproxima, mas me calo...
Revendo por rever os meus problemas,
Quem dera nada fosse tão difícil.
Em versos brancos, fiz sentidos vários...
Canários vão cantando, nessa mata.
Me mata essa saudade de você.
Você que me permite então sonhar.
Sonhar que é outra forma de viver...
Viver sem ter segredos, traz verdade;
Verdades são momentos de prazer;
Prazer dos beijos loucos que me deste,
Deste mundo jamais vou me evadir;
Evadir por quê? Sinto essa presença...
Presença mais vital, felicidade...
Felicidade brilha no horizonte.
Horizonte trazendo novo dia...
Dia mais feliz, quero, de fato...
Fatos novos são luzes sobre trevas...
Trevas que na minh’alma são tristezas;
Tristezas por saber que nada sei,
Sei somente do canto que ensinaste,
Ensinaste, depressa, a não morrer...
Morrer dessa saudade, dor cruel,
Cruel como a distância que guardaste,
Guardaste, sem saber a minha luz,
Luz dos teus olhos vão brilhando, cegam...
Cegam um coração vadio, louco...
Louco dessa vontade de saber.
Saber em que caminhos, te perdi...
Perdi na minha luta contra a morte.
Morte que se traduz, em não te ter...

Monday, September 4, 2006

Para Rita

Eu quero o gosto salutar do beijo,
Roçando os lábios, mansidão trazendo;
Nesse querer, aprofundar desejo,
Num renascer, por todo amor, morrendo...
Quero viver ansiedade... Vejo
Nos olhos, brilho do luar, sorvendo...
Ah! Quem me dera conhecer perdão,
Seria assim, como m’erguer do chão...

Eu quero a mansidão do teu carinho,
Quero a ternura mansa de teus dedos
Percorrendo; macios, todo o ninho,
Onde se esconde todos meus segredos...
Eu quero me sentir belo azevinho,
E não guardar, sequer, nenhum dos medos,
Que tantas vezes foram empecilhos,
Que impediram, seguir enfim, meus trilhos...

Eu quero a sombra d’arvoredo em mim,
Beijar as mãos de quem carícia traz.
Sentir o teu poder, trazido assim,
Nessas manhãs que me permitem paz...
Esquecer quem sou, vindo d’onde vim,
Saber cada minuto, ser capaz
De penetrar esses caminhos tortos,
Vou esquecendo tudo, até meus mortos...

Ter amor, ter paixão, felicidade...
Saber que estás, por perto a todo instante;
Conhecer quão amarga uma saudade.
Amor, palavra que traduz constante,
Num diário exercício, liberdade...
Ao contrário, paixão, inebriante,
Delira e me maltrata, sem ter pena,
Enquanto o amor, suave manso, acena...

Perdido num passado me encontrava,
Sem luz, sem brilho, delirante algoz;
Juro-te, então, jamais imaginava,
Que poderia ouvir silente voz,
A voz do coração, que se negava,
Sequer mais uma chance, dor atroz...
Agora que conheço ser feliz,
Mergulho no teu colo e peço bis.

Amiga, me permita um desabafo,
A vida foi cruel, mas é passado...
Da fera solidão, senti seu bafo,
Meu mundo tantas vezes foi errado.
Quantas vezes calado estou, abafo
A sensação feroz do triste cardo.
Nos seus espinhos me feri demais,
Minha memória grita então, Jamais!

Quero a delicadeza de teus pés,
No caminho feliz que me ensinaste...
A vida tantas vezes no viés
Desviou-se do rumo que traçaste...
Meu barco, naufragando sem convés,
És o porto seguro, fiel haste
Sustentas com vigor a minha vida,
Quem dera nunca houvesse despedida...

Se bem sabes o quanto que te quero,
E quanto devo nunca tenhas cismas;
Em cada novo verso, eu sempre esmero,
Tentando prosseguir sem cataclismas;
Porquanto tanto amor, sempre tempero
As luzes vou filtrando em novos prismas...
Amada, nunca fujas de meus beijos,
A vida se traduz nesses desejos...

Trovas - Saudade

Tanta saudade no peito,
Maltrata até me cansar;
Saudade, não tem mais jeito,
Me maltrata até matar...

Saudade foi companheira,
Eu, sem saudade sou nada;
Procurando a vida inteira,
Onde estará minha amada?

A saudade foi meu mote,
Fiz dela meu bem querer;
Saudade corta, serrote,
Mas também me faz viver...

Saudade cabe nos versos,
Que eu só fiz para você;
Procurei nos universos,
Tanta saudade por quê?

Do beijo dessa mulher,
Nada guardo, na verdade;
Mal me quer ou bem me quer,
Sem querer, sobrou saudade...

Vida sem ter poesia,
É noite sem claridade;
Meu amor, nunca faria,
Poesia sem saudade...

Veio da noite esse sonho,
Teve, também, tempestade;
Querida, como é medonho,
Um viver sem ter saudade...

Recebi o teu recado,
Quem me deu foi a cumade;
Coração pesa dum lado,
Carregado de saudade...

Meu amor já foi embora,
Na hora pensei: vai tarde.
Mas agora o peito chora,
Restou a tal da saudade...

Nunca mais quero teu beijo,
Não sou padre nem abade;
Mas ficou um só desejo,
Me livrar dessa saudade...

Saudade é um passarinho,
Que canta sem nunca parar;
O danado fez seu ninho,
Coração quer me matar...

Vida não tem cabimento,
Se não houver mais amor;
A saudade é condimento,
Temperada pela dor...

Minhas trovas de saudade,
São todas para você;
Isso é muita crueldade,
Sem você posso morrer...

A saudade tem sabor,
Amargando com o mel;
Outras vezes, por amor,
Adoça a vida com fel...

Razão de Vida

Quando restar apenas simples luz,
Quando nos olhos nem sequer reflexo;
Quando a beleza se tornar sem nexo,
Quando a delícia transformar-se em cruz.

Quando a saudade transtornada, blues...
Quando o côncavo vago sem convexo;
Quando não me restar nem sequer sexo,
Quando a seca aflorar, só restar pus;

Quando meu verso não tiver sentido,
Quando um abraço for mordaz, perdido,
Quando a saudade me negar querer,

Quando meus passos forem tontos, vários...
Quando o nada restar, calar canários;
Se estiveres aqui, quero viver!

Meu pensamento

Meu pensamento, traiçoeiro amigo;
Por tantas vezes, fugirei de ti...
Acumulando sem querer, comigo;
As horas tristes que sequer vivi...

Pensei poder, te revelar o abrigo,
Onde procuro me esconder, mas vi
Teus olhos tomam toda a casa aqui.
Me perseguindo mas, audaz, prossigo...

Meu pensamento, tal quimera viva,
És, no meu porto mais seguro, estiva
E cais, jamais eu poderei fugir...

Pensando assim, já procurei meu mundo,
Mas, vens depressa, machucando fundo;
A paz espero, não consigo agir...

Ingrata

Solidão, fúnebre maltrata tanto...
Não deixa pedra sobre pedra em mim,
Cruel fantasma és um sinal d’espanto
que me persegue, feroz, destrata assim,

Causando o medo, recebendo o sim
Como prenúncio do não, nunca canto,
Meu principal sonho seria, enfim;
Poder voar livre, tirar seu manto...

A solidão, feroz arma, corta. Sabre
Pairando sobre meus sentidos, mata...
Nem sequer sabe que tal chaga s’abre...

Nos meus delírios, solidão, matando,
Marcando todos meus momentos. Ando
Nessa procura, insanamente ingrata...

Quem vê cara...

Ritinha era muito gulosa e isso tinha suas conseqüências. Adorava frutas, qualquer tipo de fruta. Principalmente jabuticaba.
Não sossegava enquanto não se empaturrava dos pequenos frutinhos saborosos e suculentos,
Dona Rita tinha cansado de avisar que não engolisse os caroços; e Ritinha obedecia fielmente.
Outra fruta que gostava muito era goiaba; tanto da branca quanto da vermelha; muitas vezes ignorava se tinha ou não os costumeiros bichinhos que iam parar no estômago da voraz petiz.
Ibitirama estava crescendo e isso significava melhoria da saúde e da educação. A inauguração de um pronto socorro tinha sido motivo de vários dias de festa, com a presença do Secretário Estadual de Saúde, inclusive.
Entre os médicos que começaram a trabalhar no pronto socorro havia alguns bem famosos, como o doutor Norton Fagundes e o doutor Pedro Elias, lá de Guaçui.
Havia também uma jovem médica, vinda de Vitória, dona dos seus vinte quatro anos de idade e zero de experiência.
Impecavelmente vestida, usando um jaleco todo branco, daqueles que são obtidos com muito anil e muita força nos braços da lavadeira.
Naquela tarde haveria a inauguração oficial do Pronto Socorro e a doutora estava mais do que nunca, enfeitada e limpa, impecavelmente limpa.
Paralelamente lá em Santa Martha, totalmente alheia aos festejos, Ritinha dona dos seus seis anos e de um rosto angelical cobertos por um cabelo louro e com bochechas rosadas, um exemplo raro de beleza e inocência.
Inocência e teimosia, naquele dia fizera a festa. Comera goiaba e jabuticaba até não poder mais.
Tão empolgada estava que nem reparou nas sementes, devoradas com toda a sofreguidão possível.
Depois de tal repasto, não deu outra. A barriga começara a doer, e doer muito.
Dona Rita até que tentou paliar levando ao farmacêutico local mas, em vão.
Esse então, se lembrou que o Pronto Socorro já tinha sido inaugurado.
Dona Rita, toda envergonhada, pegou a menina e desceu com ela para Ibitirama.
A festa estava animada, com banda de música e tudo mais.
Ao ver Ritinha chorando e gritando de dor, o enfermeiro de plantão querendo mostrar serviço, mandou dona Rita entrar que a doutora Lenice iria atender a menina.
O Secretário de Saúde, ao ver a beleza da menina se encantou e, médico que era, resolveu ajudar a pobre garota.
A doutora, por sua vez, doida para mostrar serviço, se apressou a chamar a pequena paciente para ser atendida.
Ao saber do motivo da dor, não se fez de rogada; pediu para que a menina ficasse de quatro e começou, com uma pinça, pacientemente, a tirar semente por semente o enorme bolo fecal que se formara.
Num certo momento, a montanha começou a dar sinais de desmoronamento, mas a doutora entre distraída e embevecida pela presença do Secretário Estadual de Saúde, não percebeu.
Nem o primeiro e nem o segundo aviso.
Não houve o terceiro, a montanha desmoronou e atingiu em cheio a pobre médica, literalmente enfezada, o jaleco e o rosto principalmente. Alguns respingos atingiram o curioso e arrependido Secretário que, dizia entre dentes que nunca mais iria se deixar enganar por uma carinha de anjo.
Como diz o ditado popular: quem vê cara....

Gilberto - Incêndios e demônios

Todo menino é um rei, rei das suas ilusões, de seus fantasmas e de suas reinações.
Gilberto não era exceção, moleque correndo solto pelas ruas estreitas de terra batida da Santa Martha de João Polino...
Um dos brinquedos favoritos das crianças da zona rural é a confecção de caveira de abóbora. Quem nunca morou em cidade pequena, provavelmente não conhece a alegria que dá em assustar as pessoas, principalmente com as ditas caveiras, numa alegoria parecida com a dos dias das bruxas, um dia das bruxas acaboclado.
Pega-se uma abóbora, retire todo o seu miolo, corte a casca de forma que pareça um rosto e coloque uma vela dentro e é só esperar o resultado.
Estávamos em pleno mês de agosto, mês de cachorro doido.
A seca se arrastando há longos dois meses e o mato seco, totalmente esturricado. Nem sombra de nuvens no céu, uma verdadeira seca.
Pois foi nesse cenário que Gilberto resolveu fazer a sua caveira de abóbora, escondido de dona Rita, obviamente...
Um adendo, não se soltam tantos balões no interior quanto nas grandes cidades, eu mesmo fui ter maiores contatos com os balões riscando os céus no Rio de Janeiro, apesar de ser mineiro do interior. As queimadas são assustadoras e os balões, justamente por esse motivo, são evitados.
Mas, voltando ao nosso causo, encontramos com a meninada de Santa Martha capitaneada por Gilberto, em pleno alvoroço com os preparativos das estripulias daquele dia.
Catar uma vela de dona Rita foi fácil, já que a mesma, como toda boa devota, tinha sempre uma vela de estoque, além do fato da energia elétrica, recém chegada a Santa Martha não era muito confiável.
Pois bem, noite alta, e a caveira pronta.
Pronta e assustadora. Realmente os meninos tinham caprichado na confecção do artefato.
Entre os moradores de Santa Martha, tínhamos alguns que já nem ligavam mais para essas brincadeiras mas, dona Ziquinha estava com visitas em casa, uma prima do Rio tinha chegado há alguns dias e trouxera a tira colo, uma amiga carioca, desacostumada, pois, com as traquinagens interioranas.
A tal amiga era uma senhora assustadiça e neurótica, estava até fazendo tratamento com um psiquiatra e fora aconselhada por este a passar uns dias num local tranqüilo.
Esse era o principal motivo que a levara a Santa Martha, onde o cheiro do mato, o gosto da broa de milho, o café de guarapa, a paçoca, a galinha ao molho pardo, os ovos caipiras e a comidinha feita no fogão a lenha eram reconfortantes.
Acontece que, apesar do silêncio interrompido somente pelos grilos, corujas e sapos, a nossa visitante não estava tendo os resultados desejados.
Passando alguns dias, dona Ziquinha aconselhou a sua amiga a dar umas voltas, quem sabe o ar da noite poderia ter algum efeito sobre a melancolia que atingia Maria das Graças.
Estava Gracinha caminhando serena e calma pelas ruas quando, de repente avistou a imagem fantasmagórica de uma cabeça sem corpo brilhando e rindo para ela.
Assustada, pegou uma pedra e atirou contra a escultura dos meninos.
A caveira caiu ao chão imediatamente, levando a vela acesa com ela.
Vela acesa em mato seco, imaginem o mafuá.
Corre corre para cá, o fogo alto invadindo os quintais das casas, dona Rita e João Polino com baldes de água na mão.
Ritinha chorando e rezando, Oracina, por outro lado orando e “amarrando” o demônio do incêndio, um alvoroço absoluto!
Enquanto isso, Gilberto, meio sem graça, se escondeu num beco onde encontrou a desesperada Gracinha.
A partir daquele dia, Beto arranjou uma defensora sem igual, pois nada tirava da cabeça da pobre senhora que o culpado dessa confusão era o próprio demônio que, disfarçado de caveira, ao ser atingido pela pedrada disparada por ela, se vingou ateando fogo no matagal.
O psiquiatra da pobre mulher se arrepende até hoje da péssima idéia de mandar a paciente ir para o interior a procura de paz e descanso...

O Preço de um Abraço

Na Candelária ainda respinga dor,
Nos corpos podres dos meninos mortos.
Esse cheiro que exalam, pelos portos,
Nas nossas praças, cemitérios. Flor

Brotada num esgoto, sem calor...
Nossos caminhos seguem sendo tortos;
Nossas manhãs nas xepas nossos votos
De Bom Natal, na podridão d’amor...

Os olhos cegos, solidão da morte,
Mesmo assim, tantas vezes fundo corte.
Navalhas penetrando com seu aço.

E passam os meninos, nem os sente...
A bicheira das almas nem pressente
Quanto te custará, simples abraço...

Jardins do Céu

Nesse minuto, nesse exato instante,
Passeiam loucos nos jardins do céu...
Cobertos pelas suas mantas, véu...
Num só momento, ficarão diante

Do grande trono do Senhor. Avante!
Estão cobertos de poeira e mel,
Andando, vagam certamente ao léu;
Em cada movimento semelhante...

Os seus caminhos se cruzaram, sinto
Vir vindo novo sentimento. Absinto
Embriagando de loucura e paz.

Pelos jardins, vão caminhando, santos...
Os seus segredos são guardados, tantos
Medos sentidos, descansar jamais...

Vila Isabel

“No girar da coroa, a liberdade”,
Desfilando esperanças na avenida...
Dando um sentido bem maior à vida,
Consegues traduzir felicidade...

No teu canto, vivendo essa igualdade,
Trazendo o grito duma raça, lida
Com nossos sentimentos, sentida
A força, continente em unidade...

No Boulevard dos sonhos, é o céu.
Levitas poesias de Noel,
Não queres abafar, assim desfila

Minha maravilhosa escola, Vila;
Em teus passistas, tu destilas mel...
É tão bom te cantar Vila Isabel...


Em Homenagem ao Título de 2006 da Minha Escola de Samba

Vá logo embora

Cansado de esperar a tua volta,
Pensando na distância que deixaste;
Não vou querer perdão, nem mais revolta...
Num átimo, meu mundo, terminaste...

Vencido pela dor, não quero escolta,
Tampouco quero o canto que entoaste;
Me transformei, tira essas garras, solta
Meus braços, deixe-me viver! Sangraste

Todos os poros, me perdeste, enfim...
Não quero o gosto de saber se sim,
Ou se não; nada mais importa, agora...

Foste cruel, nada mais temo, vivo...
Se me negaste, sou nefasto, altivo.
Suma de vista já. Vá logo embora...

Quando perdi

Quando perdi, eu nem sabia mais,
O que fazer, sem conseguir sonhar;
Tinha a certeza de viver um lar,
Mas, ao partires, me roubaste paz...

Eu não percebo nem consigo um cais...
Pois destruíste minhas pontes; mar
Distante torna-se mordaz, vulgar...
Quem fora sonhos, voltarás jamais...

Na despedida me disseste não,
Levando a vida, retirando o chão,
Agora seco os tristes olhos, cego!

Tento fugir, tento escapar, prossigo...
A dor chegando, me destrói, mas sigo...
Morrendo, embora, teu perdão eu nego...

Cordel - A Minha Sina Capítulo 10 - Caçando o porco errado...

Depois de ter escapado,
Das terras do faz de conta,
Tanta coisa que se apronta,
Meu mundo vai enganado,
Não me resta nem recado.
O bornal ficou por lá,
Quem mandou me casá
Com a tal de Catirina,
Quase me pegou de quina
De modo a me extropiá.

Minha sorte é que deixei,
Escondida nesse mato,
Na beirinha do regato,
Foi depois que me lembrei,
Quando na mata cacei,
A minha velha espingarda,
Senão a vida danada,
Acabava duma vez,
Já tava morta essa Inez,
Não ia sobrar mais nada...

Com espingarda na mão,
De fome não vou morrer,
Riacho dá de beber,
Vou seguindo a procissão,
Vazando pelo sertão,
Deixando tudo pra trás
O Maldito Satanás
Não vai desistir da caça,
Passa vila passa praça,
‘Tô precisando de paz...

Depois, pensando direito,
É que fui lembrar com calma,
O que vai ser da minh’alma,
Mas o feito já tá feito,
Metendo as caras e o peito,
Eu pensei bem devagar,
Como fui engravidar,
Pensei na minha veneta,
A mulher desse capeta,
No quê que isso vai dar?

Deixei de lado a bobiça,
Vazei no trecho, direto,
Seu capetão vadre reto,
Eu não posso ter cobiça ,
Senão essa joça enguiça,
Vou deixar de lero lero,
Se me dar também eu quero,
Vou caçando esse meu rumo,
Quem sabe acerto meu prumo?
Assim seja, assim espero...

Depois de muito caminho,
Estou de novo sozinho,
Nas matas do Jequibá,
Sem vontade de casar,
Vou caçando passarinho,
A fome tá me matando,
Assim eu vou reparando,
Nas belezas dessa serra,
O bom cabrito não berra,
É melhor sair caçando...

Logo perto dum regato,
Achei um rastro bendito,
Eu vou poder comer frito,
Rastro de porco do mato,
Vou rapidim dar um trato,
A carne é muito gostosa,
É caça das preciosa,
Dá pra gente empaturrar,
Saí depressa a caçar,
Minha barriga já goza...

Mas, essa maldita sina,
Não dá sossego nenhum,
Senti um cheiro, um futum,
Um fedor mei de latrina,
Me lembrei de Catirina,
Um tremendo pescoção ,
Me jogou, logo no chão,
Quase me arranca o papo,
Tomei um outro sopapo,
Apanhei pior que cão...

Em cima do tal do porco,
Um anãozinho dos feio,
Com o cabelo vermeio,
Tava me dando um sufoco,
Eu peguei então um toco,
Dei pancada demais,
O danado foi pra trás,
Num segundo pus sentido,
Os pé do bicho invertido,
Eu não posso ter mais paz...

Deu risada e gargalhada,
Reparei então nos dente
Os dente desse demente,
Tinha a cor esverdeada,
Tomei tanta porrada,
Por pouco ele não me estora,
Eu ‘tô ferradim agora,
Não tenho mais nem saída,
Eu vou perder minha vida,
Nas mãos desse Caipora...

De repente ele parou,
Me falando assim de banda,
Quase que tudo desanda,
Quase que você matô,
Um bicho de muito valô
O meu porco é montaria,
É por isso que eu batia,
Pra você se sussegá,
Agora, pode caçá,
Mas manera a valentia...

Num precisa de regalo,
Nem de fumo nem de esteira,
É só num fazer besteira,
Mata passarim ou galo,
Prá comer não atrapalho;
Só num gosto de maldade,
Nem de saber crueldade,
Com os bicho cá do mato,
Entonce tá feito o trato,
Você ganhou liberdade...

Não me bastou Satanás,
Quase que eu estou ferrado,
Fui caçar o bicho errado,
Minha vida deu pra trás,
Nessas matas, nunca mais...
Vou pegar minha espingarda,
Vou vazar dessa invernada,
Vou sair do matagal,
Depois de tomar um pau,
Não quero saber de nada...

Para Fernando Pessoa

Quero brincar, simples palavras são
As ferramentas que preciso, amor.
Fingir amar, temer fugir, sim, não...
Nas labaredas, as mentiras, dor.

Quero dizer, voar, sangrar, senão
Esse meu verso, sem razão, valor...
Poder pedir, sem ter por que, perdão.
Nesse meu jogo, sei pecar, andor.

Mas, tantas vezes, nas mentiras, uso
Muitos disfarces, confissão, confuso
Nem sei se minto, mas sei, sinto dor

O que parece, fantasia pura.
A dor fortuita, versejar, apura...
Vivendo esses meus versos, fingidor...

Querer macio

Bem querer, quero enfim, poder gritar
Pelo seu nome sem temer mais nada...
Nossos abraços, nossos beijos... cada
Amanhecer terá sabor solar,

Não quero morte, simplesmente estar
Junto a seus braços, minha doce amada.
Quando maldiss’a sorte, pois errada
A minha vida sem saber amar,

Seguia rumos tão tristonhos... Vem
Acalmar medos, sem você, meu bem
Não há razão, sequer por que, vazio...

Sem o teu prumo, desatino, morro...
Tenho em você, o meu maior socorro,
Como viver sem seu querer, macio...

Balé Maldito

Nesse balé maldito, roda a vida.
Nessa dança cruel, meu sentimento...
Não poderei jamais fugir, mas tento...
Quem sabe então, terei, enfim, saída...

Na contradança, bem querer. Divida
Teu passo nos compassos mas sou lento.
Não mais consigo acompanhar, invento
Então, mas caio, me levantas. Tida

Como a maior; mas sei que mentes bem,
És falsa, nunca mais tentei, ninguém
Consegue enfim, te traduzir farsante...

Teu riso corta, denuncia a farsa.
Não queres companheiro e sim comparsa...
Minha cabeça roda, delirante...

Ilha Sonífera

Ilha sonífera, traz manso mar...
Quebrando as ondas, maresia, lua...
Me permitindo então sonhar, amar...
Em tantos mares e marés, flutua...

Quero os saveiros, cais e portos, lar
Desse albatroz, longe ficar da rua,
Velhos problemas, esquecer, nadar
Nas águas limpas, a minha alma é sua...

Nesse coqueiro, minha sede mato...
Nos meus dilemas, nem guardar retrato.
Sou simplesmente, sonhador, eu sei.

Mas meu sonhar me permitindo tanto,
Me dá tal força que concebo encanto.
Nesses meus mares; sou, com certeza, rei!

Voltar ao Pó...

Me bastaria estar contigo, amor,
Mais uma noite. Na canção que sonho,
Ouvindo vozes tão suaves, ponho
Meu mundo, trago essas saudades... Flor

Que sempre trouxe seus espinhos, dor...
Mas quando vejo esse luar, tristonho;
Brusco me calo, esse lugar medonho,
Não poderá mais prosseguir. Condor

Atravessando cordilheiras, Andes...
Bem que tentei, não consegui nada antes...
Espero pelo melhor, vivo só...

Me deixas luto, mas, perder não sei...
Quem sabe tenho o que jamais sonhei;
Quem sabe então, eu voltarei ao pó...

Teu Nome

Não saberei falar teu nome, quem!?
Nem quererei mais conhecer teus dias...
As noites passam, passa o dia, sem
Que pelo menos venha alguém. Serias

Por um acaso, simplesmente o bem?
Minhas canções irão caber teus guias?
A tua casa, no teu quarto, vem
A voz cansada a perguntar, virias?

Respondes nada, teu silêncio fala,
A dor, distante, no meu peito cala...
Minhas voz, muda, silencia, some...

És a distância mais cruel que tive...
Amor, calado, em teu semblante, vive.
Quem souber diga, por favor, teu nome...

Manhã

Nesse cigarro, tantas dores calo...
Cada tragada, viva dor nasce,
Não consegui, nem ofereço a face.
Nas cusparadas da má sorte, falo

Nas entrelinhas, vou seguir o ralo
Onde vomitas. Quem souber que trace
O próprio trilho. Mas que faço? Embace
Minha visão, nessa fumaça, embalo...

Quero sorver cada segundo, cada...
Quero sentir, mas não me resta nada...
Por isso, fumo; nos cigarros, vida.

Deixai então, eu conhecer amor,
Deixai o brilho vir, nascer, Senhor!
Quero somente essa manhã, perdida...

Carla

Quem fora, segue seu caminho, louco...
Meu movimento vai seguir meu canto.
Não poderei mais, nem mais quero...Encanto
Que vem, num grito, me deixando rouco...

Vida perturba, solidão, sufoco,
Nada mais triste que secar teu pranto...
Meus olhos miram nos teus olhos, tanto
Que me corrói, assim, matando um pouco

Do que restara de meus dias, Carla.
Quando te vejo, andando pela sala
Tua nudez transformando tudo...

Tua beleza, vai vagando a esmo.
Nesse reflexo, procurar eu mesmo,
A cada passo, mas não falo, mudo...

Ventania

Quando perdi, eu nem pensava mais,
Nem saberia mais lutar, imbecil...
O coração, num batimento vil,
Não poderia conhecer a paz...

Afago cada sentimento; traz
Uma saudade convertida em mil,
Em tantas cores, renovando abril.
Bem quis saber, mas eu serei mordaz...

Quero a mordida, tua boca, dentes...
Minha verdade, conceber vertentes
Por onde nada me transporta, lento.

Quem sabe, tenho esse calor oculto,
Qual um vulcão. Esquecerei teu vulto,
Terei quem sabe, liberdade, vento...

Liberdade

Nada mais poderá calar a voz,
Meu grito, liberdade, rasga o vento.
Não terei mais nenhum pensamento;
No meu mundo, vivendo essa feroz

Sensação libertária. Num atroz
Desejo de vencer todo tormento,
Da sensatez vencer esquecimento.
A vida me trará; virá veloz!

Manhã renascerá nessa cidade,
Nesse país, no mundo, no universo...
Cantarei, eu só tenho esse meu verso!

Minha voz, esperança tão felina,
No novo mundo, tudo descortina,
Enfim poder cantar a liberdade!

Sunday, September 3, 2006

João Polino e os Morcegos

A noite, na roça, tem mistérios que justificam a afirmativa de Shakespeare de que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia”.
Esse famosa frase do maior teatrólogo de todos os tempos, nunca chegou aos ouvidos de João Polino mas, o seu significado, era compreendido pelo mesmo que sempre dizia; “ nesse mato tem coelho”...
Vez em quando, na época em que começara a namorar sua amada Rita, João era obrigado a viajar por quilômetros e quilômetros a pé ou a cavalo para encontrar-se com sua amada.
A noite de Santa Martha era iluminada pelos candeeiros acesos e pelas lamparinas de querosene que deixam um certo aspecto fantasmagórico no povoado.
Bruxuleante, isso, bruxuleante, de bruxos e bruxas.
Bruxas como a Zefina Capadócia, famosa pelas curas e feitiços, desde amarrar o futuro de uma pessoa até abrir os caminhos de outra.
Dona Rita, católica fervorosa, não acreditava em nada disso mas, João Polino, que acendia uma vela pra Deus e outra pro diabo, não tinha dúvidas; a mulher era feiticeira mesmo, e das brabas...
Um dia, muito tempo depois disso, já com três filhos e esperando o quarto, dona Rita apareceu com um quadro esquisito.
Tossia e tossia, vez em quando chegava a vomitar. Aquela catarreira toda, denunciando um quadro pulmonar ligado ao excesso de poeira. Não chovia faziam alguns meses e a situação estava ficando calamitosa.
João, depois de ter ido à Igreja e pedido as bênçãos do Padre, sem resultados, resolveu, escondido de dona Rita, procurar a feiticeira.
Essa, esperta como ela só, e sabedora da baixa umidade que estava afetando o distrito e sabendo que, em situações parecidas, na capital emergente do país, Brasília, as pessoas resolviam o problema colocando uma bacia com água debaixo da cama, explicou a João o que teria que fazer para melhorar o quadro alérgico de Dona Rita.
Obviamente, não cobrava nada pelas consultas e pelos conselhos mas, como o caso era de difícil solução, explicou a João o que precisava ser feito.
Teriam que conseguir uma bacia repleta de urina de morcego para ser colocada por cima do guarda roupa , disfarçadamente, sem que dona Rita soubesse, para que funcionasse a magia.
João, entre crédulo e desesperado, já que tudo o que tinham ensinado não tinha adiantado, aceitou a sugestão e foi à caça dos morcegos.
Até que encontrou uma quantidade razoável dos mamíferos voadores, mas encher um balde de urina de morcego, convenhamos, é difícil até para o nosso engenhoso herói.
Dona Zefina, entendida dos assuntos extra terrestres e para normais, disse ao nosso amigo que, por uma módica quantia, poderia conseguir um pouco da tal urina, que era o último balde que ela possuía, essas coisas...
João, aceitou imediatamente tal oferta e retornou para casa, escondendo o pequeno balde e, sem que ninguém percebesse, escondeu-o em cima do guarda roupas, atrás de umas peças do enxoval de Maria, sua filha mais velha...
Passa um dia, passam dois, três, uma semana...
O cheiro da urina estava impregnando o quarto todo, e a casa começara a sentir os efeitos do “trabalho” ordenado pela bruxa...
Dona Rita estando nos últimos dias da gravidez, não poderia fazer nada, cabendo aos meninos, Maria e Joãozinho, o trabalho de limparem a casa...
E lava pra cá, esfrega pra lá e a catinga não desaparecia de forma alguma.
Claro que ajudada por uma frente fria que trouxe uma semana de chuvas contínuas e salvadoras, a “gripe” de dona Rita melhorou mas, a fedentina continuava, piorando a cada minuto que passava.
Até que, a vida tem suas coincidências que são, deveras, salvadoras, uma amiga de infância de dona Rita apareceu para visitar a família.
Após os preparativos e metade de um vidro de perfume gasto, a visita quis ver o enxoval de Maria.
Seu João tentou disfarçar mas dona Rita foi incisiva. Nessas alturas do campeonato, Joãozinho já tinha pego uma cadeira e estava subindo para pegar as peças do enxoval.
João Polino, preocupado, resolveu tentar impedira a ação do filho mas, era tarde demais.
Quando Joãozinho estava puxando os lençóis, fronhas e colchas, ao ouvir o berro de Seu João, assustou-se.
O balde veio junto e foi um festival de xixi caindo sobre todo mundo, principalmente sobre a visita curiosa.
Xixi não, urina fermentada e devidamente concentrada.
João Polino, mais que depressa, saiu do quarto e tentou se esconder da ira de Dona Rita; Maria, por outro lado, ao ver as peças do seu enxoval empapuçadas com aquela substância asquerosa, começou a chorar e xingar, xingar e se maldizer, se maldizer e chorar...
Joãozinho, todo molhado, com os cabelos grudados, passava a mão na cabeça e lamentava-se.
A visita foi embora jurando nunca mais voltar àquela casa de loucos...
E a morcegona, digo, Dona Zefina, pagava as contas na vendinha do seu Joaquim, feliz da vida...

Na minha escrivaninha, conto farsa

Na minha escrivaninha, conto farsa;
Parece que me entrego, de repente...
No fundo nada disso tem patente,
A vida continua mais esparsa...

Quem não tem amizade, só comparsa,
A claridade estraga um ser demente,
Não quero mais verter, dizer quem mente;
Mulheres com leveza, tal qual garça.

Minha idade negando meu fantasma,
Roncando, sibilando, fique pasma,
A vida não se ilude com promessas...

Nesse redemoinho m’afogando,
Criteriosamente suportando;
A dor que tu bem sabes, não confessas...

Arremedo

Minhas mãos, calejadas, buscam fardos.
O mar bravio, ronca nessa praia,
Um albatroz, voando vem, se espraia;
Num cântico sereno, tantos bardos...

Meus pés estão feridos pelos cardos,
Conheço na castanha, a sapucaia.
Platéia preparou sonora vaia,
Mas sei quando noturnos, gatos pardos...

Conheço nas magias, as ciganas;
Percebo quando tentas, não enganas...
Teu jogo traiçoeiro foi brinquedo...

Vencido, fiz de morto, sem saberes;
Teu garbo, mentiroso, traz quereres
Que, no fundo, parecem arremedo...

Farsa

Tenho a farsa comigo, companheira;
Me permite fingir o que não sinto,
Muitas vezes sorrindo, tanto minto.
Num teatro fingi que é verdadeira,

Felicidade falsa, escarradeira
Dessas cores vulgares, onde tinto
As mentiras sutis. Quando no absinto
Me embriago, surgindo a fera inteira

Ocultada num último soneto.
Sou servil mas, simpático, cometo
Essas atrocidades que t’escondo...

Num secreto desejo, lacerar
Ponto por ponto, nada mais deixar;
A não ser teu cadáver, decompondo...

Fortaleza

A vida maltratando, causa estrago,
Quem tentou ser audaz, não deu em nada...
As intempéries formam paliçada,
Não me restou ao menos, um afago...

Nas sutilezas bebo, me embriago,
Meus lamentos conduzem essa estrada,
Que nas luzes opacas, apagada...
Não queria saber tal gosto, amargo.

Quero vencer tais lutas, não consigo;
Conhecer contra dores, novo abrigo,
Quem sabe então, viver essa certeza

Que transforma delírio em pensamento,
Que suporta, feroz, mais um tormento,
Quem me dera criar tal fortaleza...

Desencanto

Meu pobre coração, sofre calado;
Os medos e tristezas seu enredo...
Quantas vezes, sofrendo tal degredo,
Procurou prosseguir sem ser alado...

Percebendo o bater descompassado,
Não posso conhecer o seu segredo;
Tantas vezes constrito sela o medo,
Outras tantas bateu desesperado...

Meus olhos vão cansados de chorar,
Vagueio e não consigo te encontrar.
Não posso sufocar mais o meu pranto...

Nem quero nem desejo te esquecer,
Mil vezes, estou certo, então, morrer.
Do que colecionar mais desencanto...

Dor Oculta

Essa dor que penetra sem sentido,
Nesse momento austero da saudade;
É luz negra, transforma em claridade,
O que nunca pensei ter conseguido...

Quando procuro braços, vou vencido,
Mas persisto, cegando essa verdade,
Não consigo nem quero a liberdade;
Sou pássaro, de morte, vou ferido...

Não pretendo saber de teus pecados,
Nem quero suplicar por teus recados;
Tanta miséria, fere, marca, insulta...

Tens a discórdia inata, nem percebes...
Meu amor, enfim, nunca mais concebes,
Me devorando, lenta, a dor oculta...

Companheira

Companheira, pretendo teu regaço,
Pra que a noite não faça mais surpresas;
Vida posta, banquete nessas mesas,
Onde o que mais me importa, é um pedaço

De tua boca presa no meu laço.
Não quero convergir as correntezas,
Nem tento corrigir minhas surpresas;
Apenas lutarei por teu abraço...

Converto minhas lágrimas em canto,
Precipito teu jogo num encanto;
Bem sei que nunca pensas em ser minha...

Vencido, não suporto mais derrotas,
Meu peito, naufragando essas ilhotas,
Onde te percebi, assim, sozinha...

Mistérios da morte

Quero o sabor da noite entre meus dentes,
Cortando a madrugada sem ter medo;
Meu mundo fabricando seus segredos,
Perdendo, tão somente, penitentes...

Não vejo nem sequer, cabelo e pentes,
Nem onde, por ventura, sei enredos.
Cortando minha pele nos penedos,
Que demarcaram sonhos e repentes...

Não sinto maresia nem sargaços,
Meu mar percorre insano, teus abraços,
Na certeza senil de ser mais forte.

Se temer não concebo, nem pretendo;
Passaria meu tempo todo lendo,
Somente teus mistérios, minha morte!

Útero

Quaresma, primavera, tudo muda...
Retrato amarelado sempre ri,
Emoldurando tanta dor, senti
Que nada mais terei, sequer ajuda!

Orelha carregando galho, arruda;
Sem resutados. Sorte, já perdi,
Desde o maldito instante que nasci;
Olhando criatura tão miúda,

Um anjo desses tortos, diss’amém,
Antes isso, melhor que ser ninguém!
Desde menino soube essa verdade.

Vou rastejando pelos guetos, cobra;
Comendo o que não serve nem pra sobra,
Só d’útero terei, então, saudade...

Parabólicas

Lua azul, clareando meu inverno,
Não quero ter sentido nem senão,
Quebrando essa cadeia, beijo o chão...
Nem sei mais qual o corte do meu terno.

Sabia que tentava desse inferno,
Buscar a melodia num grotão,
Mas quebrando uma corrente, digo não
Nem me importa ser velho ou ser moderno...

A tua gravidez é, na verdade,
Um resto de sincera lealdade.
Mas quem sabe de tudo bem se cala.

As vozes que transtornam, paranóicas,
A vida tem antenas parabólicas,
Permitindo teu retrato em minha sala...

Quem fora precipício

Quem fora precipício fez-se monte.
Na minha sinfonia repetida,
Amanhecer resume-se na vida;
Meu passado, futuro, velha ponte...

Coração preparado pro desmonte;
Nem ponte de safena, essa ferida
Consegue desfazer. Vive caída,
Não sabe nem sequer; origem, fonte...

Bebi desse licor do sofrimento,
Embriagado, tantas vezes, tento;
Mas a risada mostra foi em vão!

Chega de teimosia, vê se manca,
Toda essa poesia me desanca...
Enquanto não tiver o teu perdão...

Gilberto, o Caçador

Gilberto tinha arranjado uma namorada. Uma moça muito recatada, daquelas que o povo da roça diz “que é pra casar”. Menina prendada, filha de um vizinho do Seu João Polino, um homem sério, de poucas palavras, fiel a Deus, um homem honrado.
A moça, apesar de baixinha, era muito apetitosa, dona de um par de coxas roliças e curtas, com um jeitinho de cabocla solta dentro de um vestidinho deliciosamente curto.
As brincadeiras dos namorados, simples e ingênuas, levantavam, de vez em quando o vestidinho da moça, o que deixava Beto totalmente excitado, mas os conselhos de dona Rita batiam fundo, e Beto evitava provocar mais a menina, sob a pena de ser admoestado tanto pelos pais dele quanto pelo sisudo pai da menina.
Aquele domingo estava maravilhoso, um sol claro prenunciava uma noite clara de lua cheia, muito bom para a caça; esporte proibido, ainda mais naquela região próxima ao Parque do Caparaó.
Mas o que é proibido para um jovem inquieto como Gilbeto?
Nada, absolutamente nada e, temerário, combinou com um amigo ir caçar naquela noite.
O problema era a menina, acostumada ao namoro na sala de casa todos os dias, depois da missa.
Conversa vai, conversa vem, Gilberto inventou uma viagem até Ibitirama, naquela noite para justificar a sua ausência.
Depois das lágrimas mal disfarçadas da menina e das desculpas esfarrapadas, Gilberto planejou se encontrar com o amigo lá pelas sete horas da noite e se embrenhar na mata próxima aonde morava, em busca das pacas e tatus que aparecessem...
Naquela noite, lá pelas seis da tarde, Gilberto passou na casa da moça e procurando por ela, obteve a resposta de que ela, já que Beto não passaria por ali naquela noite, tinha ido visitar uma tia que morava lá pelos lados de Iúna, distante então da mata onde iria acontecer a caça.
Caçar é, com perdão dos ecologistas, um dos mais deliciosos esportes; já que faz parte do instinto básico de sobrevivência do ser humano.
A liberação de adrenalina é total, com uma sensação de prazer equiparado com a pescaria, com a conquista de um amor, como a conquista, enfim.
Gilberto, puro e instintivo, obtinha com a caça uma sensação quase orgásmica!
Noite alta, lua cheia, uma espingarda meia boca, os nossos dois heróis, a ponto de realizarem uma das maiores caçadas das suas vidas!
Já tinham matado duas pacas e um tatu, caçada inesquecível.
Mas, de repente, um barulho atrás de uma moita chamou a atenção, pelo tamanho do bicho não era coisa pouca não.
O amigo de Gilberto, Manezinho Chicote, pensou logo em tamanduá bandeira; Beto, mais audacioso, imaginou um veado campeiro.
Veado campeiro é raridade absoluta naquelas bandas, mas se contam histórias da captura de um ou dois exemplares daquele animal, provavelmente, fugidos de algum criador clandestino.
Quietos, sem fazer barulho algum, se aproximaram da moita e mandaram bala.
Se ouviu, neste instante, um grito, muito mais humano do que qualquer coisa.
E, junto com o grito, avistaram uma bunda branca, saindo correndo ensangüentada...
Logo em seguida, uma forma feminina se levantou, e Gilberto reconheceu, sob a luz da lua, aqueles cabelos lisos e aquele rosto por quem tinha se apaixonado!
Xingando a moça, Gilberto partiu atrás dela mas, propositadamente, Manezinho, sabendo da fama de violento de seu amigo, deu-lhe uma providencial rasteira.
Que esfriasse a cabeça e não fizesse besteira.
No dia seguinte, já mais calmo e desiludido, Gilberto saiu de casa para comprar um maço de cigarros na vendinha do povoado e chegou a tempo de ouvir uma conversa esclarecedora.
Doutor Marcos Valério que tinha atendido mais cedo no posto, comentava o fato com o enfermeiro que atendia à população santamartense da necessidade de se encaminhar Pedro Malta, um campeiro que trabalhava para o seu Joaquim, vereador adorado do distrito, para Guaçui.
O motivo: um tiro de espingarda que tinha atingido a bunda do pobre rapaz e parecia ter se alojado perto do quadril do moço.
Gilberto tinha quase acertado na vítima. Campeiro sim, veado não. O chifre ficara por conta dele, Beto...

João Polino e as Tanajuras

Nos idos dos anos 40, uma das maiores pragas que assolavam Santa Martha eram as saúvas.
Houve quem disse que “ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil”. Na verdade, saúva é nome quase estranho por aquelas bandas, a danadinha é conhecida como “formiga cabeçuda” e é dessa forma mais irônica que irei tratar as famosas destruidoras.
Na época das primeiras chuvas da Primavera, principalmente após um dia muito quente, ocorre uma festa nos pequenos vilarejos Brasil a fora.
As fêmeas e os machos da espécie resolvem sair dos formigueiros para executarem o sacrossanto ato da fecundação e cumprir a norma divina do “crescei e multiplicai-vos”; nesses dias as crianças entram em total reboliço. É um tal de sair correndo atrás das fêmeas, as famosas tanajuras, e dos machos, conhecidos como bitus.
As pobres fêmeas das formigas cabeçudas, são caçadas pelos mais diversos motivos. Me recordo, até hoje, que meu pai pagava alguns trocados para quem levasse algumas guardadas num pote, é uma excelente isca para pescar.
Outras vezes, a criançada faz uma brincadeira um tanto quanto agressiva com as pobres fêmeas bundudas. Introduzindo um palito ou um pedaço de pau na “bunda” de uma tanajura alada, essa começa a bater desesperadamente suas asas, fazendo um barulho peculiar e dando voltas em torno do palito, parecendo um helicóptero tentando levantar vôo, mas com uma espécie de âncora presa na parte inferior.
As pobres tanajuras, depois de fecundadas, iam ao solo já sem as asas, se tornando presas fáceis, mesmo quando conseguiam cavar as tocas onde iriam construir um novo formigueiro.
Acontece que, por seleção natural, uma gigantesca parcela dos animais são devorados ainda no vôo pelos passarinhos ou no solo pelas esfomeadas galinhas, repasto de primeira; outras vezes, vão parar em uma farofa enriquecida com as “nádegas” fritas, servindo como um prato de raro paladar.
Conheci um colega, médico, que não perdia uma revoada de tanajuras. Fazia um dos melhores tira gostos da região!
Pois bem, a cada ano se renova a vida no mundo das formigas, com a possibilidade da criação de novos e temíveis formigueiros.
Os famintos e vegetarianos insetos, com sua capacidade de cortar qualquer tipo de folha, causam destruição ímpar nas lavouras, qualquer uma delas, não respeitando nada.
O uso de defensivos agrícolas faz com que se controle a população desse terrível animalzinho, voraz e destruidor.
Em Santa Martha não era diferente, os lavradores entrando em desespero a cada novo formigueiro criado.
Numa época em que os venenos eram de difícil acesso e de efeitos colaterais muito graves, João Polino, com seu espírito ecológico e inventivo criou uma maneira para que, sem uso de tóxicos, conseguir acabar com os famigerados formigueiros.
A fama do invento correu mundo, até chegar em Vitória, onde um engenheiro agrônomo resolveu ir a Santa Martha para que João lhe mostrasse sua engenhosa descoberta.
Encontrar João Polino não foi muito fácil, pois estávamos em plena primavera, época da reprodução dos insetos.
Mas, depois de vários quilômetros e horas de procura, o nosso engenheiro encontrou João em plena atividade, num dos sítios mais afetados pela peste.
Por mais que João tentasse disfarçar, não teve jeito, o engenheiro vendo o nosso amigo com uma caixinha na mão, perguntou o que era,
João respondeu rápido: rapé!
-Rapé? Perguntou o engenheiro.
-Sim, faz parte do meu invento.
-Como assim?
-Simples, coloque um pouco de rapé na porta do formigueiro.
-E aí?
- Coloque uma pedrinha próxima ao rapé.
-E depois?
-Seu moço, é só a formiga cheirar o rapé e espirra, e quando der o espirro, bate a cabeça na pedra e morre. Assim é que eu acabo com os formigueiros!