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Thursday, October 26, 2006

As minhas asas

As minhas asas pedem novo vôo
Eu mal suporto a ira do ignaro.
Não posso te dizer se não perdôo
O podre destroçando todo o faro.

O resto dos escombros denuncia
A morte feita em vida não protege
Nas horas que vivia apodrecia
No fundo não passava dum herege...

Talvez a podridão seja desculpa
De quem, em vida, nunca teve alento.
O medo de sonhar foi tua culpa

Resumo-te no esgoto que não trago.
De tudo que viveu, só sofrimento.
A morte então seria, teu afago...

Meus sonhos

Meus sonhos verticais exigem patas
Seu manto não me serve de agasalho.
Um barco embriagado, feito em latas,
Arromba totalmente esse assoalho.

As dores são geradas em cascatas,
Não servem de tortura e nem de malho.
O dolo que sem medo me arrematas.
É pedra que rolando vai cascalho...

Nos pântanos oscilas és metano.
De restos decompostos tua lira.
Vendeta que não serve é só engano,

Amor que não revive pois indômito,
És cobra que rasteja e vil, delira,
No fundo inebriado, és como vômito!

Nos cascos do cavalo

Nos cascos do cavalo que montei,
As horas que passamos não têm preço.
Nas léguas que caminho, perco a lei
As crinas das meninas adereço.

O talhe de teu rosto que sonhei
Não posso descobrir, está do avesso...
Paixão que no deserto não deixei.
O dono do cavalo foi o rei...

Patrício de meus sonhos quer maneira
De mergulhar insano no passado.
Amante que não tive, é estrangeira,

A tarde se desfaz nessa penumbra.
A morte que me deste, assim assado.
Na ponte das traíras se vislumbra...

Amor que me entregaste com estrambote enviesado

Amor que me entregaste foi mentira
Do mesmo jeito trouxe vê se tira...

Quando te encontrei julguei sereia.
Agora que conheço me despeço
Não quero carregar na minha veia
Tal amor que, por certo, não mereço.

Não quero me enredar na tua teia
Nem quero despencar pois sei tropeço
O fogo que te queima me incendeia
O monte de tal Vênus desconheço.

Nas linhas que concebo verticais
A mão que me pediste foi-se embora.
Os cantos que me contas são banais

O medo do destino me tortura.
Teu quadro, na parede, não decora.
É muito mais bonita essa moldura...

triste cardo

Na lama que freqüentas triste cardo,
Difícil carregar tamanha pedra
Não posso transformar um triste fado,
Que em doce juventude cedo medra,

Em rosa que se esquece dos espinhos
Não sabe nem conhece solidário
Prefere destruir os próprios ninhos.
Ao morrer levará sol solitário...

Vereda que destroça por inveja
Decerto na queimada, os inocentes,
Com medo das palavras que troveja

Não sabem decidir os próprios passos.
Os gritos de tal fera são dementes.
Na mão esconde garra atrás dos laços...

Rapinante

Vento que não espana tal mortalha
Não pode nem sequer ser mera brisa.
Se nem as cinzas víbora, espalha,
Não merece palavra mais concisa.

Quantas vezes pensei ser minha falha,
Mas, reparando bem, já se exorcisa
O que sempre estrumara nem se espalha
Figura que não brilha, pois narcisa...

Menestrel que mal sabe o que é afino
Não desce pedestal que mesmo cria.
O que morde por puro desatino.

É revés do sempre se sonhou.
Rapinante que sempre desafia,
Não mira o próprio espelho que quebrou...

fantasia-se de fera

Meu canto decantando tanto galho
Nos setembrinos cantos das cigarras
O campo de asteróides agasalho
Nos mares desconheço tais vis garras...

Meu mote feito em métrica que espalho
Tempera de venenos e alcaparras
Meu ato que julguei se fora falho
Não justifica medos, gambiarras...

Receba do cometa esta verdade
Mereces, por sinal, internação.
Quem traz um falso amor sem liberdade

Expõe a face negra da megera.
Não pede e nem merece mais perdão.
Aborto, fantasia-se de fera...

Alastras

Meu fado não afogo nem reflito
Mas penso que não peso se não vou.
No labirinto extinto solto o grito.
A rosa do que fui despetalou.

O medo de não ter meu infinito
Expresso nas verdades que não dou.
O mundo que vivemos é sempre hirto.
Nas pontes que passaste naufragou...

A cal que sendo cáustica claudica
No laço que me enlaço te enlacei.
A corda que não medes não se explica

Jazeste nas quimeras que me deste.
O mundo que desejo não tem rei.
Alastras como fosses uma peste...

Saudade sentinela

Saudade sentinela que não falha
Não deixa de fiar a sua teia.
A vida que passava se avacalha
A dor que nunca deixa minha veia..

O gosto mais feroz dessa batalha,
Espero traduzir nessa sereia.
A lua não me prende em sua malha,
Mesmo quando renasce lua cheia...

Boca que tanto cospe não me abriga,
O vento que passava não refresca.
Quem gosta de polêmica e de briga,

Se abriga nas palavras que não sente.
A flor de tal mentira gigantesca.
Morrendo cedo, já nasceu doente...

Esperança é areia movediça

Esperança é areia movediça
Infeliz de quem dança em suas cordas...
Muitas vezes parece que enfeitiça
A gente sem querer, treme nas bordas...

Quantas vezes me perco na cobiça
Outras tantas padeço noutras hordas.
Caniço que procura ser cortiça,
Nem percebes nas horas que me acordas...

Esperança moleca bem traquinas
Esbarrou e quebrou vaso chinês
Nas saias que levantas, desatinas.

No final aluguel no fim do mês.
Siderurgicamente sem bobinas,
Afinal, viciado sou freguês.

As vozes que hoje solto

Não comes poesia em teu almoço
Nas jantas que tu fazes, nada serve.
Não presta pra parar esse alvoroço.
Nem cobre e dá calor quando cai neve...

Quando azeitona comes, sou caroço.
A vida não se torna grande ou breve...
Não torna moço em velho e velho em moço.
Não muda tonelada em coisa leve...

Os pagamentos sempre bem parcos,
Sorrisos, xingamentos pés e grama.
Não serve para mastro nem pra barcos.

Muitas vezes reclamas dos meus versos.
A morte na verdade é de quem clama
As vozes que hoje solto, no universo!

Noites fantasmagóricas

Versificar palavras mais sonoras
Tornando essa cantiga secular
As horas que demoras, enamoras
As ondas que aprofundas do meu mar...

Nas ímpias madrugadas nada imploras
Nos cantos seus encantos vou cantar...
Em cântaros tempestas sempre choras
Valvaldo minhas mágoas ao luar...

Não posso ter medusa em pensamento,
Me basta ter sorvido teus afagos...
Nas barras onde esbarras, me arrebento

Os montes que subiste perdem cumes...
Naufrágios esfacelam tantos lagos...
Noites fantasmagóricas sem lumes...

Nas ondas do teu corpo, navegar...

Escrever simplesmente rebuscado
De forma que pareça mais solene.
Não posso permitir que meu estado,
Pensamentos perdidos, me condene...

Não vi nem quero ver o meu passado
Exposto em galeria que me apene.
Rarefeito sentido passa ao lado,
Não vou mais por caminho que envenene.

Espero por fantasmas trás da curva
Decerto vão trazer o teu aval.
Visão que titubeia fica turva

As algas poluindo o vasto mar...
Desejo que não temo, pois carnal.
Nas ondas do teu corpo, navegar...

Firulas

Deste firulas, as gulas e as fulas,
Fuás...
Cafusas confusas sem blusa, musas
Viés
Desejado gado, fado enfadonho, sonho
Convés
Leste o que teste reveste e conteste.
Ritos escritos benditos e aflitos
Graves e greves, neves que laves revés...
Fala me entala se cala sem gala e galés...
Ornamentos de estética
Métrica e método
Mentes e mentores...
Quero o simples,
A cúmplice
Cumprem-se e se revogam
As vogas e vogais dispersas
Persas tapetes...
E todas as prestações de contas
Serão suspensas.
Às expensas do que não tem sentido.
Tido com sem, cem centavos..
Naves e ravinas. Cravos e cravíneas
Carnificinas...

Improviso meu pedido

Improviso meu pedido
Meu sonido e desculpas...
As culpas foram deixadas
As asas, passarinhada.
Esfarinham minha sorte...
Não posso tentar meu rumo.
Assumo e me consumo
Sou sumo e não sumi...
Não toco e nem sou toco
Rouco...
Louco
É pouco a pouco
Meu foco e meu reboco...
Amo os temas
E as tremas.
Gemas e não mais claras
Faros e faraós.
Partos e parecidas.
Paciência...
Víspora de véspera é vespeiro...
Nada mais a dizer
Pego o meu boné
Para não perder o bonde
Da História...

Marinho

No vasto mar amar é onda
Abissal, abismal ventarola...
Remansos e tempestas
Festas Netunais...
Carnavais e montarias...
Sereia espera cavalo marinho...
Celacanto provoca tsunami.
Ame e não deixe, espere e reveja...
As águas as mágoas...
Mariazinha foi pro mar,
Cadê Mariazinha
Que não sabe amar?
Se não sei nadar
A culpa é dos peixinhos
Que marinheiro só
Nunca fez verão....

Fogão à lenha

Fumo e aço,
Filme e passado
Assado na cozinha
Tinha um cheiro
Beira de fogão...
Curva coração
Cura e me remete
Comete
Cometa
Que se perdeu...

Gado

A cidade adormecida
Aço penetrante
Fogo nas ladeiras
Estrangeiras
Estranhas fogueiras humanas...
À cavalo, malas e estradas.
Terra e barro.
Sertão e seca
Serão e gado
Servidão...
Andando pelos distritos
Cavalo selado...
Povo selado.
Gado...

Banda de Cá

Uma banda, banda
Umbanda,
Velho
Pai
Pele
Negritude...
Orixás
Ogum
Oxum
Oxumaré.
Mares e rios
Marés e sangue...
Senzalas...
Grito do povo, ode ao povo, de novo o povo, ovo, Angola...
Uma banda tocando dobrado,
Dobrando os sinos
Dobrado o valor,
Vales e lágrimas.
Lamas na alma.
Almas e lamas,
Quilombolas
Ora bolas
Somos iguais...
Gás, Bolívar,
Bolívia.
PetroGás.
Lama, alma, lhama...
Chama e chaminé
Suor e sangue, lágrimas, índios, imãs.
Grito do povo ode ao povo, de novo o povo, ovo... Renovo.
Revolvo e retorno.
Índio, negro,
SIMON BOLÍVAR
SIMON
SISMOS E PAROXISMOS
PARA ORTODOXOS.
Exodontias...

Flora

Nascerão espinhos
Pinos e incertezas...
Alcalóides e eucaliptos.
Naftas e resinas
Vinhoto.
Bagaços
Bagos
Sangue
Pus...

Wednesday, October 25, 2006

Banco de Praça

A santa embriaguez já me domina,
Nos bares da cidade sem Maria...
Quem fora liberdade se alucina.
As horas se passando... Um novo dia!

Cachaças e vermutes, minha sina
É mergulhar demente. Na sangria,
Traçado destroçando desatina...
Não me resta sequer melancolia...

Meu mundo destruído e sem ter volta...
Os olhos fumegantes denunciam...
Os passos tremulantes vida solta,

Maria que se foi numa fumaça.
Reclames de jornais já me anunciam
O banco me convida, a mesma praça...

Filhos da Lua

Na madrugada loucos em desfile...
Um procurando bar, leva a certeza
Que por mais que sua alma destile
Nunca mais viverá vital beleza.

Mas, tresloucadamente verte bile
Atacando qualquer que seja a presa.
Outro pensando estar em pleno Chile,
Declamando Neruda sobe à mesa...

A noite festival dessas loucuras,
Premeditadamente manda a lua...
Um pastor prometendo santas curas.

Os olhos vão brilhando são fanáticos..
Os cães estão ladrando em plena rua...
A mãe lua observando esses lunáticos...

Bocas que beijei

Tantas velas velórios e varizes...
Minhas almas calejas com veneno...
Nos cisnes e cinzeiros infelizes
As plantas que planejas sangue pleno...

Crisântemos cismados, cruzes, crises...
Senos, hipotenusas e cosseno.
Perdas penetrantes são perdizes...
Amantes amaciantes sou ameno...

Vasilhas e mobílias já vazei.
Mastruz com fino leite misturei
Mas não me importará a procissão..

Remendos não resolvem meu fiasco.
No fundo não preciso de sermão.
A boca que me beija é do carrasco...

Em teu rosto vermelhas açucenas

Em teu rosto vermelhas açucenas,
Na verdade transmudam-se douradas...
Buscando formosura morrem plenas.
No brilho de teus olhos, madrugadas...

Nas barcas dos meus sonhos, tantas cenas
Me levam ao sabor das alvoradas.
Borboletas chegando: cem, centenas,
Repetem tuas mãos tão delicadas...

Traduzo meus amores em teu nome.
Trazendo tantas flores tua pele...
A fonte dos desejos me consome

Quem dera fosses minha, és tão formosa...
A teus braços, a vida sempre impele.
As urzes, os espinhos... Perco a rosa!

A natureza inteira em esplendores

A natureza inteira em esplendores
Abrindo os elementos no horizonte.
Repare na fineza destas flores
As águas percorrendo a calma fonte.

A lua nas montanhas, suas cores,
Aurora: madrugada-dia, ponte...
A tempestade louca dos amores,
A Serra do Curral, Belo Horizonte...

Estrelas passeando constelares...
Abismos, profundezas, vasto mar...
A natureza mãe, tantos lugares...

O brilho que encontrei na luz solar,
Merecem orações nesses altares.
E mais maravilhoso, teu olhar...

Quem me dera chegasse o belo dia

Quem me dera chegasse o belo dia
Em que pudéssemos lutar coesos
Contra toda opressão com galhardia.
Nos olhos que por certo estão acesos.

A mansidão vencendo a cobardia...
Amigos sonhadores não mais presos,
Nesta vasta amplidão, a fantasia...
Os dentes e as mentes sãos, ilesos...

Quem dera chegará a primavera,
Nos dedos dos poetas a verdade,
O corte de esperanças sempre impera.

Nos sonhos amansar a triste fera
O canto nos trazendo a claridade.
A vida retumbando a liberdade!

Liberdade: meu canto e minha agrura...

Liberdade: meu canto e minha agrura...
Meus sonhos procurando por altares,
Mergulho vastidão, perdendo altura,
Vasculho liberdade nos luares...

Quem crê nessa esperança não perjura
Espera enfim, galgar todos os lugares.
A liberdade é bela; uma pintura;
É fruta que precisa dos pomares

Estercados com sangue e com revolta.
Penetra e simplesmente exige cortes.
Cuidada com leveza, sua escolta

Tem de ser diariamente renovada.
Embora sedutora, traz as mortes...
A dor, nosso grilhão, vai estampada...

A dama imaginária

A dama imaginária que pretendo,
Dos sonhos que persigo, nunca vem...
Nos livros que pensei seguir relendo,
Os beijos que recebo, de ninguém!

A dama imaginária, fantasia...
Por mundos que navego, perco o bem,
Das noites tão silentes caço o dia,
Nas mãos que torturam, mais de cem...

Por vezes esquecido nas senzalas,
Oposto aos meus desejos, cais e porto...
Da dama imaginária, nada falas...

O medo que me assoma assombra a vida,
O tempo de lutar nunca mais morto...
A dama imaginária, vai perdida...

Abasta tê coração

Seu moço mi dê licença
Deu falá ansim procê.
Nóis avéve nas duença,
Nóis num prendeu a lê...
Nóis é tudo anarfabeto,
E nóis num qué sê esperto...

Eu sei vancê é dotô,
Hôme di sabedoria,
Nóis é tudo lavradô,
Nóis ganha tudo prú dia,
Mais nóis num sêmo ladrão,
Nóis tem munta inducação!

Vancê é hôme letrado,
Sabe falá dos ingreis,
Nóis é uns bicho acoitado,
Mai que már que a gente feiz?
Nóis tudo véve nos mato,
Na bêrada dos regato...

Nóis perciza se entendê,
Nóis é tudo brazilêro,
A gente perciza vivê
Im riba desse polêro,
Mai seu dotô arrespeito,
Nóis tem os mermo derêito...

O sinhô é um dotô,
Das hingiena bem sei,
Mai pru quê que ocê pensô
Qui pudia sê um rei?
Vancê num tem humirdade,
Pérciza tranquilidade,

Cada veiz que ocê parece
Vem falá que é um dotô,
Né disso que nóis carece,
Nóis perciza é de valô,
Os sertanejo trabáia
Carregano uma cangáia...

Os hôme da capitá,
De Sum Paulo, num percebe
Qui nóis mórre de trabaiá.
O dinhero qui nóis recebe
É que é bem poquim seu moço,
Dá mar e mar prus almoço.

Nóis num sêmo vagabundo,
Nóis sêmo é pobre dotô,
Nóis véve no memo mundo,
Nóis tudo é trabaiadô,
Vassuncê é que num sabe
Quantas dô num hôme cabe...

Vancê num teve seus fio,
Cumeno os resto dus boi,
Vancê num véve no estio,
Num sabe memo onde foi
Qui nasceu nosso Sinhô?
No mei dos trabaiadô!

Vancê num tem os dereito
Da inguinorança insurtá,
Se vancê qué sê eleito,
É mió ir istudá
Um pôco deste sertão,
Prá incontrá solução...


Vancê véve avoano,
Mai num pára prá zoiá,
As coisa tá miorano,
Mai vancê qué piorá.
Nóis tudo têmo esperança.
Num vem matá a criança...

Nóis pudia inté lhi ouvi,
Mais perciza de inducação,
Di cachorro prá lati,
Avéve cheio o sertão,
Tem um cabra na Bahia,
Qui inté onti inda latia...

Um coroné marvadeza,
Ixproradô da mizéra,
Um moço da realeza,
Latia pió que fera,
Apregunto pru dotô,
Pronde esse cabra vazô?

Nóis num perciza chibata,
Nóis num qué mais sê robádo
Dessa gente que martrata,
O pobre já tá cansado,
Nóis qué é sujeto amigo,
Prá num corrê mais perigo...

Do sangue da gente pobre,
Munta gente empaturrô,
Robáva até memo uns cobre
Munta gente inté matô,
Mais as coisa tá mudano,
Já cansamo desse engano...

Os coroné que restaro,
Tão do lado do dotô,
Nóis num é mais tão otáro,
Nosso pobrim acordô,
Nóis qué tê liberdade,
Percizamo dignidade.

Nóis sabêmo que vancê,
Amigo dos coroné,
Num consegue convencê
Nóis sabemo o que nóis qué,
É um Brazi mais cristão,
Onde nóis tudo é ermão!

Os nosso fio merece
Um Brazi munto mió,
Tanta dô que nos padece,
Vancê nunca têve dó...
Só fala das capitá,
Vancê qué nus enganá!

Me faláro qui o dotô
Gosta di riligião,
Parece num iscutô,
A voiz do seu coração.
Jesus Cristo nasceu pobre,
I foi vendido pruns cobre.

Cunhicia o traidô,
Mesmo ansim vancê num sabe
Qui Jesus o perduô,
Essas coisa é qui num cabe
Na cabeça de vancês,
Dispois do qui Juda feiz...

É qui o pobre seu dotô,
Num véve di falsidade,
Sabe munto dá valô
A verdadera amizade.
O erro é que é odiado,
E o amigo, perdoado...

Mai num vô falá mais não,
Nem ovi vancê num qué,
Mai vem cá pru meu sertão,
Vai miorá sua fé,
Isquece essa gente má,
Isquece dus coroné,
Vancê vai se adimirá
De vê cumo miorô,
Eu sei, vancê é dotô,
Mais perciza de lição,
Vem abri seu coração,
Sabê da gente mais pobre,
Qui véve de valentia,
O quanto qui uns poco cobre
Dá prá cumê pur uns dia...

Quando Jesus, no deserto,
Veno seu povo faminto,
Pegô uns pão i uns pêxe,
Póde crê qui eu num minto,
E falô pru povo dêxe
Qui nóis num vai mais morrê
Dispois di tudo vancê,
Num intendeu o recado,
Desse povo disgraçado,
Si juntô aos coroné,
Dexâno esse povo a pé,
Inda vem falá di fé?

O qui vancê num divia
É a pobreza insurtá
Nossa dô que se alivia,
Com vancê vai piorá,
As coisa das nossa terra,
As coisa desse Brazi,
As montanha e as serra,
Beleza que nunca vi,
Tanta amô mais verdadero,
Vendê prus cabra estrangero?
Vancê diz que vende não,
Mais qué vendê avião!
Dispois cumo acreditá
No qui vancê fô falá!
Se o prefêto da cidade
Quisé vendê otromóve,
Cum toda a tranquiladade,
Num vai sobrá um imóve...

Seu dotô, já vô imbora,
Tô cansado de falá,
Vê se prus cabra de fora
Finge sabê iscutá,
Vem cá pra minha tapera,
Passá uns dia de fome,
Vai vê qui a vida dum home,
É di trabáio i di fé,
O só isturricadô
Rezamo prá São José,
Nosso trabáio e valô,
Num depende mais da chuva,
Nem di seca ou di istiage
Memo que venha sauva,
Os coroné, pilantrage,
Nóis num morre mais de fome.
Arrespeite entonce o home
Qui nus deu essa vantage,
É um pobre nordestino,
E num é um dotô não,
Passô fome, foi minino,
Aprendeu iducação.
Ouça as palavra dotô,
Vai fazê um bem danado,
Aprenda a dá mais valô
Presse povo istrupiado,
Quem sabe vancê intenda,
Qui prá sê um bom cristão,
Nóis num percisa contenda,
Abasta tê coração!

Nos canto das ingrenage

Nas istrada da sodade
Incontrei meu bem querê,
A vida trais crueldade,
Apercuro pur vancê
Nos canto das ingrenage
Nas bêra dessas viage...

Moça bunita dá jeito,
Num dêxa os óio chorá
Amor prá sê mai perfeito,
Num pode os óio alagá,
Eu perdi minhas bagage,
Nos canto das ingrenage...

Incomendei um vistido,
Prá moça linda vestí,
O meus amô é sufrido,
Das dô qui tanto vivi,
Rebentô essas barrage,
Nos canto das ingrenage...

Tantas noite que chorei,
As mágua num derum paiz,
Eu jamais esquecerei
Tanta dô a vida traiz,
Parece que é pilantrage,
Nos canto das ingrenage...

Maria me deu um bêjo,
A sodade machucô,
Minha vida é só desejo
De vortá pru meus amô,
Mas já fiz tanta bobage,
Nos canto das ingrenage...


Num tenho medo de nada,
Nem de cabra valentão,
Minha viola é espada
Nas noite do meu sertão,
Num suporto fardunçage
Nos canto das ingrenage...

Meus óio já tá cansado,
Destas coisa que inventáro,
Eu sô cabra bem casado,
Mai gosto deste açucaro,
Vivê nessas vadiage,
Nos canto das ingrenage...

Nos canto das ingrenage
Eu termino a cantoria,
Já falei munta bobage,
Vô pegá na muntaria...
Eu termino essa viage
Nos canto das ingrenage...

Os olhos da menina

Falar destas noites passadas, em meio a tantas tempestades sem futuro, sem esperanças...
Vivíamos o pesadelo do não ter ou do que é pior, perder-se o que tem...
Não tínhamos sequer expectativas de mudanças, a noite parecia interminável e arrogantemente interminável...
De repente, uma luz acende no final do túnel, difícil e policrômica, mas uma luz.
No prisma passamos do breu noturno para a claridade do dia, mesmo que, como disse antes, difícil e rancorosa.
A menina dos olhos ou os olhos da menina, brilham e pedem por um novo dia, mais claro e mais iluminado.
Acontece que, a noite ameaça o retorno e, pior, um retorno tempestuoso e nublado. Os raios e relâmpagos anunciam a tempestade que poderá vir, para desespero da menina com os dentes apodrecidos e o sorriso esperançoso..
É meu dever, creio que de todos os que podem evitar que a nossa gente retorne aos dias sombrios deste inverno longo e doloroso.
A menina dos olhos e os olhos da menina agradecem o verde da esperança e o canto de alegria que vem do sertão...

Sunday, October 22, 2006

Noite escaldante

Noite escaldante, noite das esperanças...
Cruas crianças vestem-se de danças,
As danças descalças insensatas...
Os medos e os ledos desejos, segredos e manhas...
Trazes as crases e as aspas, cruzes e vespas,
Urzes e brasas... Acesas brasas...
As asas e os pés cansados, atados e feridos.
Noites escaldantes, noite das lembranças
Das pujanças e das lanças, alças os velozes
E vilosos pés. Segregas e negas, afagas...
Nas terras distantes,
Crianças e gnomos.
Gomos de esperança...
Somos todos o nada,
Absortos e distintos,
Intestinais...
Versos e versões, imersões...
Noite escaldante...
Daqui para adiante,
Avante e diante de ti,
Os pés descalços, os percalços...
Somos o mesmo eco, o repeteco,
O esterco e o nascimento,
O cimento e a base,
Arquiteto divino.
Nada impede o tropeço.
O meu preço é o recomeço.
Meço meus medos por meus olhos
Lacrimejo meu desejo mais espúrio.
Cúrias e Mercúrios...
Deuses...
Reveses.
Cruzes
Luzes
Urzes.
Reverso
E medalha...

Meus erros

Meus erros, cometidos sem disfarce,
Muitas vezes omisso, outras venal...
Tantas vezes neguei dar outra face,
Outra face, vergonhas, carnaval..

Quantas vezes sonhei com luz que embace,
Quantas vezes desejo mais carnal
Impediu que esperanças eu traçasse,
Minha mão maltratando, um mau sinal...

Meus erros vis, canalhas e mortais,
Um reles cidadão perdendo o tino...
Meus beijos traiçoeiros, imorais...

Quantas vezes deixei de ser justiça,
Quantas noites vivi no desatino,
Meus olhos refletiram a cobiça!

Estação Em parceria com Ledalge

Primavera trazendo flores,
Flores que me perfumam.
Primaveris amores...

Marcos

Estação E exalando perfume jasmim//
E me tornam escravo sem fim//
Sedução e explosão em mim


Ledalge

Teus dedos escorregam no piano...

Teus dedos escorregam no piano...
As sonatas que tocas, os noturnos...
Me levam ascendendo a novo plano,
Acalmam pensamentos mais soturnos...

Nos alegros, adágios, cançonetas,
Meus sentidos encantos e magias...
Vejo sóis, os luares e cometas,
Enternecendo a dor, as melodias...

Teus dedos prometendo tanta paz,
Abandonos, lembranças e promessas...
Meu mundo, das tristezas, se refaz...

Nos arranjos, os anjos me procuram...
As mágoas se reviram às avessas,
As dores que maltratam já se curam...

Estela

Mais sangrante, essa adaga, minha amiga...
Consolo minhas perdas no seu fio,
Disfarço meus temores, tanto frio...
Ternura que esqueci, já tão antiga.

Em meio a tantas mágoas, vou vazio,
Você sabe de tudo mas nem liga,
Amor que já morreu, perdeu a liga,
O tempo que passei, procuro estio...

Mas somente invernosa madrugada
Açoita com seus ventos, a janela....
Não posso, nem serei, não sobrou nada...

A foto na parede não é dela,
A vida se esvaindo, tão cansada...
Amor que fora estrela morre Estela...

Melancolia

Melancolia invade, toma tudo...
Tristeza do que fui e não sabia,
Nas janelas o vento... Fico mudo,
Esperando nascer um outro dia...

Em várias tempestades, sei, contudo,
Nada me sobrará, nem fantasia...
Nada me restará, nunca me iludo...
O que posso fazer? Melancolia...

Meus cigarros consumo sem descanso...
O câncer alimento das saudades...
O final desta farsa vem tão manso...

Os meus olhos cansados, sem remanso,
Não sabem distinguir nem claridades...
Morrer, morrer, prazer final, avanço...

Boneca de Cera

Me lembro da visita que fizeste
À casa dos meus pais, era menino...
Do brilho alucinante que trouxeste,
Me parecia um sol, perdi meu tino..

O tempo foi passando e não vieste,
Um homem triste surge. É meu destino...
Viver passou a ser eterno teste,
Amor que imaginei, morre, assassino...

Me lembro da visita, a porta aberta...
O medo transportando uma saudade.
Saudade do que nunca acontecera.

A visita risonha, a vida incerta...
Uma boneca dorme lembra cera,
Escondida num canto da cidade...

O grande lago

O grande lago; restos da saudade,
Que jamais se secara, já me aborta..
Não há senão resquício que me invade,
Trazendo corrimão, soleira e porta...

O meu lacustre sonho, quem o nade?
A mansidão feroz, a vida torta...
Meus beijos e carinhos, quem há de?
Um vento malicioso, o lago corta...

Meu mundo adormecido nessas margens,
Os trapos que me deste, já os rasgo...
O trâmite seguinte, suicídio!

Amor que me entregaste, sei clamídio,
O beijo que me deste, nele engasgo,
Meu grande lago, aborta essas viagens..

Meu Canto

Meu canto necessita de disfarce,
A voz embotaria o coração...
Não posso oferecer senão a face,
Espero por teu beijo e bofetão!

Nas horas mais doridas se renasce
A vontade translúcida, perdão!
Não quero, nem talvez nunca cessasse
A luz que já me insufla, da amplidão...

Meu canto não distingue nem explica,
Somente degenera e não se expõe
Meu canto que jamais cala, adocica?

Escarra minhas dores, alivia...
Devagarzinho chega e decompõe
Não deixa nem retalhos, fantasia...

A noite apascentando meus olhares

A noite apascentando meus olhares,
O cais se distancia da verdade...
Descubro liberdade nos palmares,
O rosto da tristeza na cidade...

Amores não me trazem novos ares,
No beijo que me rega, falsidade.
O mistério esbraveja nos meus mares,
No lago tão distante, da saudade...

A noite se transcorre tão silente,
Nos roncos e sibilos desses ventos...
O mundo, falseando a minha vida,

O canto da saudade é envolvente,
Me alaga de tempestas, sofrimentos,
Prepara a minha doce despedida...

Brasil

Vivendo num palácio sem pudores,
As gralhas esquecidas sugam sangue.
Olhos esfomeados, lutos, dores...
O perfume emanado, lembra mangue,
A praça não cabendo esses atores.
Nas mãos estropiadas trazem flores...

O rosto macilento das crianças,
Suas mãos estendidas pedem pão...
Disfarçam pois não querem nem lembranças,
Companheiros dormindo o mesmo chão...
Adormecidas sobram esperanças,
Por sobre essas cabeças, setas, lanças...

As gralhas ao passar, tampam nariz,
O cheiro da miséria contagia.
Quem passa pela vida, um aprendiz,
Já sabe muito bem de tal sangria,
Mas outro que percebe e nada diz,
A vida representa ser feliz...

Nas mãos contaminadas pelo lixo,
Nos vermes devorando tudo, aos poucos...
Não são pessoas, quase lembram bicho,
Os olhos tresloucados, todos loucos...
O mundo se apresenta como um nicho,
Sua alma carregada, carrapicho...

A fome que parece hereditária,
Não deixa nem sequer pedir licença,
Nas mãos que se sangraram, alimária,
O crime parecendo recompensa...

Nas ruas um veneno,
Nos olhos sem segredo,
O mundo é bem pequeno
Viver é um degredo!!!

Onde estarás meu Pai? Que não vê isto!
Crianças vão pedindo por clemência!
Adiantou acaso mandar Cristo?
A fome não espera paciência!

Seus filhos esquecidos na sarjeta
A podridão devora tudo enfim,
Me mande tantos raios, seu cometa,
Rasgando, a tempestade dentro em mim...

Não posso concordar com tal vergonha,
A vida não merece essa desgraça..
O dedo na ferida, venha, ponha,
Não posso conceber tanta falácia!

O sangue já sem tinta desta gente,
Sua cama estendida no chão duro...
Amar é necessário e mais urgente...
Precisamos resgate, dar futuro...

Os olhos dessas gralhas canibais,
Não podem nem aceitam tal verdade,
Os homens sempre foram animais,
Escolhem, encobrindo tal maldade...

Meninos vão brincando nos esgotos...
As almas são lavadas pela merda...
Os risos traduzindo perdigotos,
O corte mais profundo tanta perda...

Depois de certo tempo, a mesma história.
As gralhas nunca deixam nem migalhas,
A cachaça embotando sem memória,
Maconha e cocaína, filhos gralhas...

Restando assim somente a podridão,
Cadáveres jogados nas chacinas...
Recendem no perfume, o coração,
Das gralhas, suas almas, fedentinas...

Onde estarás, meu Deus?
Por favor, eu te espero!
Secai os olhos meus!
O medo, desespero!

Essas gralhas são famintas,
Não perdoam nem centavos...
Desse sangue bebem tintas,
Açoitantes acham bravos,
As bravatas que proferem,
Esses vermes que a querem!

Nos seus carros importados,
Nos seus olhos protegidos,
Fingem nem olhar pros lados,
Nos seus sonhos corrompidos,
Nas viagens esperadas,
Nas suas portas fechadas...

No sorriso de deboche,
Na marca triste e profana,
Ouro carrega no broche,
Sonhos de riso e de grana,
Nas peles falsificadas,
Nas suas portas fechadas...

Na exploração do faminto,
Nos seus lucros infindáveis,
Nos porres do mesmo absinto,
No sangue dos miseráveis,
Nas orgias preparadas.
Nas suas portas fechadas...

Os meus olhos embaço e tento ver
Em meio a tanta dor, uma saída...
Minha felicidade sem porque,
Uma sombra acompanha a nossa vida...
Nos lixões da cidade, exposta a fome,
A alegria envergonha-se, vai, some...

Guardado no meu canto, minha cama,
O olhar dessa pobreza e da miséria,
Uma gralha empombada não reclama,
Cidade adormecida, finge séria...
Do outro lado da rua, na calçada,
Adormece a menina abandonada...

Uma sombra abraçando a tal menina,
Um sorriso feroz, vil ironia..
Num canto apavorante, que alucina,
A noite envergonhada, quieta e fria,
Na penumbra percebo o sombreado,
Desse bico a sorrir, ensangüentado...

Os segredos contidos nessas mãos

Os segredos contidos nessas mãos
Que procuram delícias e carinhos...
Nos dias que perdemos, fomos vãos,
Um passarinho chora por seus ninhos...

Esperança traduzem nunca o não...
Os segredos que trazes, leva o mar...
No meu cais esquecido, coração...
Conjuga, taquicárdico, adorar...

Tua maciez, brilho e fantasia...
Necessito saber onde estará
A dona dessas mãos tão carinhosas..

A vida então, será u’a nau esguia,
Que nevoeiro algum, por certo irá
Naufragar-me. São mãos maravilhosas!

Pensando em Ti

Pensando em ti, meu dia vai passando...
As horas não se contam sem te ter...
O tempo todo, em ti eu vou pensando,
Me explica então como poderei viver?

Me embriaga a saudade, me maltrata...
As sensações noturnas, pesadelos...
Enferrujando um coração de lata,
Minhas mãos no vazio... Teus cabelos

Distantes e longínquos, onde estás?
Pensando em ti, meu canto desafina,
Pretendo enfim saber se sou capaz

De conhecer as ilhas da saudade.
A chuva que cai; gota a gota, fina,
Dos olhos me diz não! Resta a ansiedade...

A Praça

Quanto tempo não vamos para a praça!
Das noites que vivemos de tão belas,
Restaram só lembranças, só fumaça...
Amávamos sinceros sob estrelas...

Nada mais restou, a vida esparsa,
A lua e as estrelas que há delas?
Um riso melancólico disfarça...
Nos olhos iluminam outras velas...

Quanto tempo sem praças nem passeios...
Amávamos tranqüilos sem ter medo.
As mãos mais atrevidas buscam seios,

Bem baixinho, trocávamos segredo...
Os amores trocaram seus anseios
E agora, tristemente, dormem cedo...

Albores

A manhã me trazendo seus albores
E seus raios solares... sensação
Da abelha fecundando essas flores,
Na eterna primavera... coração!

A manhã, companheira dos amores,
Refaz a nossa vida, é solução
Para os noturnos medos, seus horrores,
Abrindo a porta, fecha a solidão!

Há tanta coisa mais interessante
Que acompanha os solares raios, vida...
As libélulas, pássaros, as cores...

Nossa vida passando em um instante...
A tristeza anestésica, esquecida...
A manhã vem trazendo seus albores...

Cacos

Por esse tempo todo que passei,
Ao te rever, parece que foi ontem...
A mesma boca triste que fez lei,
Impede que as saudades se recontem...

A mão que tenebrosa, foi açoite,
O tempo que passamos, antes, juntos,
Refletem no espetáculo da noite...
Estávamos distantes, sem assuntos...

As minhas mãos, teimavam serem dela
Os olhos que mirei no camarote,
Ao fundo decorando triste tela,
Amor secando a fonte até que esgote...

O tempo irresponsável, fez cisão,
Uma parede atroz enfim se erguia...
O medo precipita a decisão,
No lago não concebe mais enguia...

Não posso desculpar-me, pois apenas
Uma saudade enorme, na porta entre...
Não vejo tempestades nem acenas,
Nos barcos que permitam que se adentre...

Desatam-se tão céleres os nós,
Não resta nem metade que fui eu.
Resume-se tristeza volta aos pós,
No fundo amor que mata, mereceu...

Nos medos que me deste e eu vivia,
O tempo amargurando nosso doce,
Não posso perceber maior valia,
Derrotas, acumulo... A noite trouxe...

Rever-te foi somente triste alento,
A noite da partida se confessa,
Saudades vão e voltam com o vento,
Os erros cometidos não dão pressa...

Amar demais passou a dar vertigem,
Um coração se agita nesta cela...
O medo conspurcando a falsa virgem,
O rosto transtornado da donzela...

Quem fora só metade quer o tanto,
Quem sabe da saudade, diz amor,
A noite espreitando nosso canto,
No resto desta história, desamor...

Não quero conceber que seja jogo,
O medo no teu rosto se revela...
Ardendo me derreto no seu fogo,
A noite se ilumina tua vela...

Nos olhos negros, luzes irradias,
Nos medos pardos, sangue que destilas,
Nos cantos alvos, cruzes que me guias,
Nos prados verdes, brilham-te, pupilas...

Tua partida deixa seus recados,
Destróis a vida, partes, tantos nacos..
Agora está valendo, rolam dados,
O que restará, junte aos meus cacos!

Naufrágio

Onde fui teu naufrágio peço ajuda.
No porto abandonado desatino...
A dor que te causei deixou-te muda,
O medo de sofrer fez peregrino

O coração servil... Vem e me acuda
Não posso permitir novo destino,
Novo mar, novo porto, a vida estuda...
Diante de teus olhos, eu me inclino.

Os limos, tantas cracas e corais,
Morrendo simplesmente não ancoro...
O sangue extravasando cada poro,

O medo de morrer, perder meu cais...
Meu barco naufragado, rompe a quilha...
Permita-me viver nesta tua ilha...

Alma fechada

A minha alma fechada quer respiro,
O meu berço quebrado diz de farsas
Nos mundos que não vi, resta um papiro,
Charnecas tristes charcos, meus comparsas;

Na sombra que ilumina vou, atiro...
Não me digas licença nem disfarças,
O canto que vasculho, vou, me estiro,
Voando repetis as mansas garças...

A minha alma transmuda-se em concreto,
Inaudita e feroz, nunca se cala...
Amor que me legaste, vai discreto,

O medo caminhando pela sala...
Perdoes por não ter nem mais afeto,
O gosto que me deixas, pus e bala...

Vacuidade

Não pretendo saber da vacuidade
Ausência que transtorna uma viva alma,
Não tenho nem domino a faculdade
De saber do remanso, minha calma...

De meus passos sentindo essa saudade
Que me trouxe teus olhos, tua palma,
Amar é traduzir dificuldades,
É saber dessa vida, a crueldade...

Não pretendo mistérios nem segredos,
As águas correrão sempre pro mar...
Importa-me saber de toscos medos,

Se por mal divinal não sei amar?
O sangue me escorrendo pelos dedos,
A noite me esperando tanto bar...

Ermos

Erramos pelos ermos irreais,
Nas fontes que bebemos, nem sinais,
Os medos se crivaram tempestades,
Os olhos procurando veleidades...

Nos pátios que rompemos, vendavais,
Misturo teus venenos mais boçais
Com as dores que trazem as saudades,
Encruzilhadas deixam as cidades...

Nas cruzadas partícipe sem rumo,
Meu cavalo traz selas prateadas,
Minhas naves esperam novo prumo,

As almas me perseguem nas estradas,
Da morte sem sentir bebi o sumo...
As portas eu deixei escancaradas...

Gilberto e a viagem

Gilberto e a viagem
Aquela noite seria fundamental para que pudesse resolver o velho dilema.
Iria ou não para Ibitirama?
Gilberto era assim mesmo, um camarada muito indeciso, medroso e mentiroso.
Não saberia dizer por que mas sempre tinha medo da noite, mesmo que a lua cheia clareasse todos os caminhos...
Aquela noite então era pior que as outras, o tempo nublado demonstrava que poderia encontrar alguns percalços no caminho e isso era assustador...
Dona Rita, como sempre preocupada, tentava demover a idéia fixa de João “Teimoso” Polino. Estava com pena do menino pois sabia que nada iria impedir o velho de executar o plano.
Levar Gilberto pela estrada era uma questão de honra, afinal o garoto já estava beirando os catorze anos e nunca tinha sequer saído dos arredores.
Depois de muita insistência, e de piores ameaças, Gilberto percebeu que não tinha outro jeito. O que não tem remédio, remediado está.
Dadinho, ria-se por dentro ao ver a aflição do irmão caçula.
Ritinha ajudando dona Rita nas preces e orações, estava preocupadíssima com o pobre garoto.
Pobre garoto em termos, pois o marmanjão com um metro e oitenta de medo e de mimo não parecia em nada com um garoto. Barba na cara e músculos expostos, medroso como ele só.
A noite estava fresca e tinha um vento que, ao invés de ajudar, servia para aumentar os temores do nosso herói.
Mas, o que fazer?
Embornal preparado, canivete para cortar o queijo e o pão que serviriam de alimento no idílio...
Tudo bem que eram somente nove quilômetros, mas pareceria uma eternidade...
Os barulhos e sustos noturnos são terríveis, uma simples coruja toma aspectos atemorizantes e Gilberto sabia disto...
Ao passar pela porteira que delimitava o pequeno sítio, fez o sinal da cruz e, cabeça escondida entre os ombros, partiu...
No primeiro barulho estranho, as calças pagaram o preço pela insegurança do rapaz.
Todo borrado, ficou numa situação difícil, tentando andar mas com o passar do tempo, o odor e a consistência do produto do medo foram ficando insuportáveis.
O medo libera toda adrenalina até que, de repente, Gilberto desmaiou.
Os raios do sol mal surgiam no horizonte quando, nosso amigo despertou do terrível pesadelo...
Como chegar em casa e dizer que não tinha conseguido ir a Ibitirama?
Mais que depressa, ardiloso como ele só, teve uma idéia.
Rasgou a blusa e o casaco com o canivete, riscando a pele até sangrar um pouco, não muito, mas o bastante...
Ao chegar em casa, dona Rita extremamente preocupada com o caçula, e ao ver o estado em que o pobre chegara não titubeou, veio correndo abraçar o menino...
Ao perguntar o que tinha acontecido, Gilberto pôs a imaginação para funcionar.
Uma onça, isso mesmo, uma onça havia chegado perto dele e preparava o ataque, os dentes e as garras à mostra, numa cena terrível e pavorosa...
Dadinho, macaco velho, ao sentir o cheiro que Gilberto emanava, começou a olhar meio desconfiado para o irmão, e sentindo que o mesmo estava mentindo, perguntou irônico:
- E aí o que você fez?
Gilberto, reparando que ia ser desmascarado, mais que depressa respondeu:
- Eu? Quer saber de verdade?
- Claro.
- EU ME BORREI TODO!!!!!

Velhas Gralhas

As velhas galas passam nem se nota,
Recendem tumulares excrescências...
O tempo ministrou já nova cota,
As velhas gralhas pedem continências

De sorrisos irônicos se lota
A nova realidade e penitências...
As velhas galas mortas nas compotas
Esquecidas num canto impaciências...

As podres velhas gralhas embalsamo,
Quatrocentonas vivem do passado.
Com risos de ironia, nem reclamo...

As ricas podres gralhas deste lado,
Grande taxidermista vou e chamo,
O rosto enfim será mumificado!

No Peito que crivaste

No peito que crivaste com adagas,
As marcas dos meus dias infelizes...
Respiram pelos poros, vermes, chagas,
Lampejos de vestais nas meretrizes...

Colônias de bactérias, tantas pragas,
A morte te prepara mil matizes,
Em decomposições cedo te alagas,
Esôfago queimado por varizes...

No peito putrefato verte pus,
Nos olhos arrebentas em sangrias...
Nos punhos cicatrizes lembram cruz,

Os ratos devorando podres dias...
Na mansidão do beijo, minha luz,
Na plenitude estrela e melodias...

No Peito que crivaste

No peito que crivaste com adagas,
As marcas dos meus dias infelizes...
Respiram pelos poros, vermes, chagas,
Lampejos de vestais nas meretrizes...

Colônias de bactérias, tantas pragas,
A morte te prepara mil matizes,
Em decomposições cedo te alagas,
Esôfago queimado por varizes...

No peito putrefato verte pus,
Nos olhos arrebentas em sangrias...
Nos punhos cicatrizes lembram cruz,

Os ratos devorando podres dias...
Na mansidão do beijo, minha luz,
Na plenitude estrela e melodias...

Opalescente Amor

Opalescente amor jóia tão rara
Que nunca poderei me desfazer...
Silenciosamente a vida é cara,
Nos meus sonhos, jamais irei perder

A mansa praia; a noite, lua, clara...
Demoro tantas vezes compreender
Que a vida sem amor, machuca, escara...
Nas mãos que me acarinham, vou morrer..

Nos sinos que se dobram de saudades,
Nos olhos delicados de crianças,
A jóia opalescente, liberdades,

As cores fantasias das lembranças.
O grito que hoje solto, tempestades,
Amor se resumindo em esperanças!

Vida

A vida, milagrosa passageira,
Surgindo por divina precisão,
Nos olhos de quem ama, a verdadeira
E única certeza de perdão.

A vida, dos primórdios, derradeira
Esperança negando a solidão...
És fiel e risonha companheira,
Acompanha o bater do coração...

Nas sombras das saudades e das dores,
Nos sentidos e várias tempestades,
O palco onde perfazem os atores,

Planícies e planaltos das verdades,
Deserto aonde moram os amores,
Nos passos que percorres, liberdades!