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Saturday, September 15, 2007

O PASSADOR DE GADO

O PASSADOR DE GADO

Aos Drs. Affonso Mac-Dowell e Galdino Travassos



O PÉ DE PATO, o Capêta,
me adiscurpe o Seu doutô,
d’esta viage mardita
foi, tarvez, o causadô.

Seu coroné não magina,
e nem póde maginá
o que eu passei na bestêra
da Capita Federá!

Meu cumpade Dizidéro,
sementes prá me impuiá,
má cheguei, me foi pinxando
lá prá Avinida Cintrá.

Entre aquele frumiguêro,
Seu doutô, fiquei bestando,
vendo aquelas casa toda
uma na outra atrepando.

Aqueles impalamado,
cum cara de matruá,
faz aquela giringonça
só cum priguiça de andá.

Do meu mucambo ao cambêmbe
do Trancoso das Farrage,
digo a Vossa Sinhoria
que é três dias de viage.

De tanto oiá prás artura,
Seu doutô, fiquei duente!!
Não sei cumo aquelas casa
não cae im riba da gente!

Lá, naquele turumbamba,
treçuêro jupiá,
me preguntou Dizidéro
pruquê é que eu táva a chorá!!!

No meio daquela izórde,
de todo aquele rumô,
que sôdade da boiada!...
Cum perdão do Seu doutô!!

Quando eu vi a hirizia
de tanta quilaridade,
dos candiêro de azeite,
Seu doutô, quanta sôdade!

Tive sôdade da lua,
da lua assertanejada,
que parece uma tijela
toda cheia de quaiáda!

*

Prá contentá Dizidéro,
digo a Vossa Sinhoria
que intremo n’uma armanjarra,
chamada: Cunfeituria.

Veio um hôme rompe-rasga,
cum cara de socóboi,
trazendo dois copo cheio
de baba branca de boi!

Era o sarvete!!! E o mardito
que gosto ruim que tinha!!
Seu Coroné: que alembrança
eu tive da sinháninha!!

Tive sede!... Água me déro!!
Seu Coroné póde crê: —
que sôdade das cacimba,
onde a lua vai bebê!!

*

Vendo aquelas vistimenta
das muié, que anda prú lá,
eu preguntei ao cumpade
si aquilo era o Carnavá!

Apois, as muié passava
cum as cara toda impuerada,
carregando na cabeça
umas coisa cumpricada!!!

Argumas inté fazia
de longe os hôme apará!
Todo o mundo táva óiando!..
Eu tombem fui ispiá!
Mas porém, fechei os óio!
Tive vrégonha de óiá!...

Vasmincê quê que eu lhe fale
lá da Avinida Cintrá?!

É os hôme, d’aqui prá lá,
no sucáro das muié,
n’uma grande atrapaiada,
fazendo váíncê pensá
que táva nos matagá,
vendo o arranco da boiada!

Era mió que esses hôme
tivesse no meu sertão
trabaiando cum uma inxada!!

*

O cumpade me levou
n’uma casa paricida
gaiola de papagaio,
que tá no fim da Avinida.

Um hôme táva lá dento
cum um papé véio na mão,
martratando os outro hôme,
e a dizê uns palavrão!...
A chamá os cumpanhêro
de discarado e ladrão!

De repente, aquela joça,
que eu não sabia o que é,
lá virou num bate-boca
de fardunço de muié!!!

Preguntando a Dizidéro
se era ali que era o mercado,
cumpade disse que eu táva
na Cambra dos Diputado!!!
Saí d’ali a corrê
cumo um cavalo isquipado!...

*

Fui vê uma inspuzição
dos pintô mais famanado!...
Fui assubindo uns banquinho!...
Cheguei im riba cansado!...
Mas porém, pulas parede,
só vi uns papé borrado!

Mió que aquelas borráge
d’aquelas pinturaria,
cá, no céo da nossa terra,
a gente vê todo o dia!

Apois, que pintô no mundo
pinta um quadro mais mió,
que Deus pinta dos dois lado,
donde náce e morre o Só!!?

*

Não satisfeito o cumpade,
nós fumo ao Municipá,
vê um hôme intaliano,
chamado — Tenô, cantá.

Gritei, seu doutô, no meio
daquela gente instrangêra,
que o Tenô táva bem longe
do cantadô do sertão: —
O Inaço da Catinguêra!!
E uma muié assoprano,
(que eu não vi nada assoprá!!)...
Seu doutô, Seu coroné,
era uma gata a miá!

Um cara de bode véio,
cum um quirim fixe na mão,
táva danado cum os musgo,
n’uma grande afobação!
Entonce, quando o Tenô
xingava o tá Baritáno,
pru via d’uma questã
que ele teve cum a Assoprano,
que era fia d’uma érmã
d’um hôme chamado Baxo,
— um marruá de cupim,
cum cara de mamão macho...
Quando os hôme e as muié
que saía lá de dento
cumeçou tudo a gritá,
foi o diacho d’um berrêro,
que nem cem boi rebolêro,
que se danasse a berrá!

Apois, na órxestra dos musgo,
ali, naquela bestêra,
naquela carangajóla,
Seu doutô, não vi um hôme
puntiando na vióla!!!

Triato e musga prú musga,
eu tenho cá na umburana,
que sacode a sombra verde
na minha véia choupana!...

Pintasirgo, Gaturamo,
Quero-Quero, Chorôrão,
Viuvinha e Patativa,

Curió, Sanã, Cancão,
Graúna, Azulão, Pipíra,
o Canaro apaxonado...
tudo canta na umburana,
que é um triato infóiado!!

Deitado im minha tipoia,
eu vejo ao longe passá,
entre as moita de môfumbo,
Mariquinha Quixadá!

Ela inda vem munto longe,
lá, pulo jacatirão,
e eu tôu sintindo as pisada
da musga no coração!

Me diga o Seu Coroné
se tem um Municipá
mais lindo que o mato verde,
n’uma noite de luá?!

*

No dia que Dizidéro,
que é um rapaz adivirtido,
me levou dento d’um báilum...
Fiquei de quexo caído!

Eu vi os hôme warsando
cum as muié, peito cum peito,
a cuchichá nos uvído
umas farta de arrespeito!

Se vasmincê visse um dia,
na bêrada do caminho,
uma cabôca sambando,
na porta do mucambinho,
parecendo a pecuapá,
que vem saindo do ninho;
alevantando os pontinho
da saia, óiando pró chão,
e amostrando os dois “bichinho”
prú baxo do cabeção,
vasmincê, que já tá véio,
e já não sabe chorá,
havéra de vê dos óio
as lágrima arrebentá!

*

D’uma feita, Dizidéro
táva ispiando um papéu,
quando iscutei um baruio
lá munto im riba do céo!

Era um bicho arriziguento
que vinha vindo dos fundo
das artura, taliquá
um aribú do outro mundo!

Seu Coroné!... Quage eu morro,
a tremê ansim... ansim,
quando eu vi um ôtrômóve,
avuando im riba de mim!!!

*

Era um sábo. Dizidéro
intrando n’uma vendinha,
que lá se chama café,
me disse que ia falá...
no... não me posso alembrá!

Dêxe vê!... O nome é...
É uma cáxa de segredo,
tendo im riba dois xucáio,
uma ôrêia e um uvido,
e, cumo pinduricaio,
um osso preto e pintado,
rombôio, fino e cumprido!
E ao despois de batê língua
c’um cirdadão, que eu não vi,
cumpade disse: Mironga,
apouza o uvido aqui!!

Apozei e arguem falou!...

Ah! Nhôr sim, Seu Coroné!...
Quage morri de pavô!
Apois juro, se quizé,
que uvi a voz do difunto
Zé Craváio, o meu avô!!

*

D’outra feita... Agora aquilo
já não fiz caso de vê!
Era um caxote quadrado,
tinha um nome acanáiádo,
que eu aqui não vou dizê!
Esse trombôio que eu vi,
tinha prú riba um funi!

Cumpade mexeu num ferro...,
butou um ispinho no tá...
Diasfraga!... Vêje lá!
(Outro nome, seu doutô,
que ofende agora a morá!)
Meteu um ispinho na roda,
e a roda pôs-se a rodá!

Ora, perdão, Seu doutô!
Ia dizendo um istrupício,
que inté nem é bom falá!

Aquela musga im conserva,
que táva ali conservada,
era aquela atrapaiada
que eu vi no Municipal!!

*

Outra coisa que eu não vi
foi o tá Sinhô Aéro
dos Pão de Açúca de lá,
que, cumo disse o cumpade,
andando im riba do fio,
leva a gente pulo á!

Ah! Nhôr sim, Seu Coroné!
Se esse pae ruim, crué,
anda im riba do seu fio,
sem piadade, sem té dó,
cumigo, entonce, é capaz
de fazê munto pió!!!

Nós fumo vê um Cinima,
que se paga dez tustão,
e onde os hôme bate boca,
mas porém, sem falação!!

A gente nos assentemo
n’um lugá munto ruim!!
Duas muié do meu lado
óiava e ria prá mim!!

Despois, de repentemente,
sem se isperá, sim, Sinhô,
pára a musga e os candiêro
n’um assôpro si apagou!

Sintindo aqui pulas perna
uns movimento de mão,
Seu doutô, dei de canela,
e fugi, cumo um ladrão,
jurgando que aquilo tudo
era arguma assombração!

Quando, na rua, o cumpade,
gargaiando, me incontrou,
entonce a pouca vregonha
da assombração me ixpricou!!

*

Prá minha históra acabá,
iscute lá, Seu doutô,
o que eu vi de mais mió
na Capita Federá!

Cum licença. Dizidéro,
tarvez prá me arriliá,
me levou n’outro triato,
que tinha o nome d’um Santo,
e que se diz lá na Corte
que é o triato mais populá.

Fica quáge im frente a um hôme
cum um braço têzo, amuntado
n’um cavalo isquipadô,
cum um trapo véio na mão
e um chapéu acanôado,
chamando a gente afobado,
não sei prá que, Seu doutô!

Me dissêro que esse cabra
era um Rei e pae do fio
que os tá de repubricano
lá da Corte iscurraçou!

Fosse um Rei ou cirdadão,
dêxêmo o hôme vistido
cum a sua roupa de couro,
amuntado im seu cavalo,
cum parte de valentão!

Vamo ao triato...

Um cara de come-longe,
que tava na jinelinha,
arrecebeu três mi ré
e despois deu pró cumpade
dois pedaço de papé!!

Mais prá adiente, outro bóde,
que táva n’uma portêra,
um carrascão, um fubêra,
que não tinha inducação,
na cara de Dizidéro
rompeu os papé cum as mão!!

Oiôu prá mim... pró cumpade,
e só prú munto favô
deu prá gente a outra ametade!

Que trabaião dos diabo,
prá nós dois pudê intrá!
Um, impurrava prá ali,
outro, impurrava prá lá!!

Quando eu puz o pé lá dento,
suava, cumo um animá!

Despois, tocando um xucáio,
quando o Cabeça dos musgo
fez cum a varinha um siná,
a canaiáda dos musgo
cumeçou tudo a tocá!!

Uma corcha de retaio
foi assubindo, assubindo,
lá prá riba... na carrêra!

Veio um hôme lá de dento,
e cumeçou a dizê
tanta e tanta bandaiêra,
que, se não fosse o cumpade,
eu disparava a corrê!!

Despois!... Despois!... Meu Sinhô!...
Era demais!... Seu doutô!...
Butei o chapéu de couro
na cabeça e fui me imbora!

Sim, Seu doutô, fui me imbóra!

Eu sou chefe de famia,
pae de dois fio e três fia!

Vim vê os hôme inducado,
e não, gastá meu dinhêro,
prá vê canela de fora!...

Deus me perdoe!!! O triato
se chamava — São José!!

Ora vêje, Meu Sinhô!
Se eu fosse cum a Furtunata,
a minha santa muié!!!

Seu doutô! Seu Coronel!

Nós tâmo no mês da férra!
Aminhã, de minhã cedo,
vórto, a pé, prá minha terra!

Mais um dia que eu ficasse
cum aquela gente curinga,
eu vórtava inda mais fino,
que cipó pirapitinga!

Agora posso morrê!!
Já sastifiz meu desejo!
Vi o pôgresso dos hôme,
que si ri dos sertanejo!

O pôgresso dessa gente,
que se diz gente inducada,
eu só vi, Seu coroné,
prú fora!!... Prú dento?!! Nada!!

*

Se a gente sae da Avinida,
topando pulos caminho
uns hôme pidindo ismola,
prá leva pão prós fiínho!...

Mais adiente, outros hôme,
nas carçada, quáge nu,
amostrando umas firída,
cuberta de tapurú!...

Se nessa idade im que ainda
não namora uma cabôca,
eu vi uns anjo perdido!...
Seu doutô!... Cala-te, boca!...

Se os hôme, cumo o cumpade
leu na porta d’um jorná,
táva insanguentando a terra,
na bestêra d’uma guerra,
lá prá outras banda do Má!!!...

Vale mais do que as ôrópa,
do que a Avinida Cintrá,
(que, cum todo o seu pôgresso,
não se pode cumpará
cum as Avinida dos mato
da minha terra natá,
adonde as casa de páia,
que as Avinida não tem,
parece o currá sagrado,
adonde, im meio do gado,
naceu Jesus, im Belém!...)

vale mais que os mata-gente
dos bonde, sem pangaré,
e os ôtrômove, bufando
cum os mardito dos chôfé...

vale mais que essa porquêra
da tá Cirvilização,
— um carro de boi, cantando
pulos mato do sertão!!!

O João Branco, do “O Sertão em Flor”, é o complemento deste poema.
VOCABULÁRIO

Pé de pato — o diabo.
Capeta — o diabo.
Pinxâ — impurrar.
Impalamado — amarelo, opilado.
Matruá — bobo.
Mucambo — choça.
Jupiá — redemoinho.
Sinhaninha — cachaça.
Rebôlero — arisco.
Umburana — árvore da família das therebinthaceas.
Tipóia — rede.
Curinga — pelintra.
Pangaré — cavalo magro.
Come-longe — faminto.
Mês da Ferra — mês em que se ferram os animais.
Inâço da Catinguêra — afamado cantador do sertão, nascido na localidade que tem o nome de Catingueira, na Paraíba.

Theatro São José. — O antigo teatro da Empreza Paschoal Segreto, onde foi representada uma peça do autor, fazendo ele o papel do protagonista, em que, com extraordinário sucesso, declamou o seu famoso poema “O Marroeiro”. Com raríssimas exceções, era esse o teatro das brejerices e liceneiosidades.

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