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Thursday, August 3, 2006

A alma feminina 2

No coração de Santa Martha, morava dona Cotinha, uma viúva quase centenária.

Havia muitos anos que morrera o seu companheiro de longas e dolorosas jornadas.

Como a maioria das mulheres de sua geração, dona Cotinha era uma esposa submissa e calada, agüentando sem reclamar as agressões sofridas e as traições mal disfarçadas.

Seu marido, Anésio, era um pequeno sitiante que tinha, entre outros defeitos, o hábito de se embriagar todos os sábados e domingos, deixando Dona Cotinha sozinha em casa, cuidando dos oito filhos.

A viuvez trouxe o luto, total luto de corpo e alma, transportado para as vestimentas, invariavelmente negras e contidas.

Nos vinte anos em que se encontrava sozinha, seu dia a dia era de uma rotina exemplar. Da casa para o mercadinho ou para a missa, onde poderia ser encontrada todos os dias ao entardecer.

Gilberto, dono de seus vinte anos, era vizinho de Dona Cotinha. Jovem, como todos os jovens, brincalhão e inconseqüente.

Dona Cotinha o vira nascer e crescer e, ingenuamente, reparara no belo homem que se adivinhava nos músculos e no sorriso atraente do filho de seu João Polino.

Gilberto, um dia, de olho nas jabuticabas deliciosas que se encontravam, com suprema delícia, no quintal de Dona Cotinha, pediu licença à velha viúva para poder pegar as frutinhas no pomar.

Dona Cotinha, ao abrir a porta e o quintal, deu um sorriso ao qual Gilberto, sem maldade elogiou.

Pela primeira vez, em vários anos, Dona Cotinha corou, inconscientemente, ao receber o elogio do belo rapaz.

A partir daquele dia, enquanto havia jabuticabas no quintal, Gilberto ia diariamente à casa da anciã.

E essa, começara a apresentar uma substancial mudança nos hábitos e na vestimenta que, de negra, começou a se apresentar multicolorida. Até o vermelho fora incorporado ao guarda roupa.

Devagarzinho, Gilberto começara a povoar as noites da velha senhora, no começo, esporadicamente; mas, depois, quase diariamente.

As beatas começaram a sentir a falta da freqüentadora mais assídua da Igreja; o próprio Padre sentiu essa ausência.

Acabou-se a colheita da jabuticaba, mas a presença de Gilberto não; atraído pelos doces e confeitos que começaram a freqüentar a mesa de Dona Cotinha.

Gilberto era profícuo nos elogios feitos, a cada semana elogiava alguma coisa até que, irresponsavelmente, disse que dona Cotinha deveria ter sido uma moça muito bonita...

Isso foi a gota d’água, a partir daquele dia, dona Cotinha renascera totalmente, arriscando até um decote que permitia detalhes dos seios murchos e caídos...

A freqüência de Gilberto naquela casa começara a ser reparada por outras pessoas, principalmente da família.

João Polino começara a repreender as atitudes do rapaz, dizendo que ele, se quisesse arranjar uma namorada, que buscasse alguém da sua idade...

A resposta veio rápida. Gilberto, como que ofendido, disparou:

‘“-Pai, o senhor está me ofendendo, eu não quero nada com aquela velha, ela cheira a mofo e, agora que passou a usar essas blusinhas decotadas, está ficando cada vez mais ridícula, mostrando aquelas muxibas horrorosas.”.

Mal acabara de falar, se ouviu um barulho na porta da casa.

Dona Cotinha trazia na mão, um pedaço de broa que tinha feito para Gilberto; e chegara, a tempo de ouvir a conversa.

O derrame foi fatal, mal dera tempo de chegar ao Posto de Saúde de Ibitirama.

1 comment:

  1. Apesar do final ser triste, o poema é muito bonito! Parabéns, Marcos.

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