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Tuesday, August 8, 2006

Do Gran Circo de Lourdes

No início da década de 90, lá na Santa Martha de João Polino, aconteceu um fato surpreendente.
Para quem morou nas cidades pequenas deste Brasil, sabe o quanto que o circo representava para as crianças, e mesmo para os adultos.
A vinda de um circo movimentava todo mundo, principalmente as crianças, ansiosas para irem ao espetáculo.
E esse que chegaria no final da semana era, sobremaneira, espetacular.
Pois, além de ter os palhaços de sempre e os malabaristas já conhecidos, apresentaria um Leão. Um leão de verdade, para medo dos mais antigos e delírio da meninada.
Ritinha, nos seus dez anos de sonhadora, era uma das mais animadas, mal contando as horas de poder ir assistir ao fabuloso Circo de Lourdes; que era como se chamava o pequeno circo.
Na verdade, um cirquinho de terceira categoria, meio mambembe mesmo, mas para Santa Martha seria o mais formidável show da história do distrito.
Pois bem, todo mundo em polvorosa, indo às ruas para assistir ao desfile dos carros do circo, culminando com a jaula do leão, devidamente coberta por uma lona, mal permitindo se antever a visão da fera domada.
Entre os habitantes do povoado havia um, em especial, que estava muito animado.
Nas pequenas aldeias, há o costume de se apelidar as pessoas relacionado-as às suas profissões, assim como Tatão Bombeiro, Zeca Engraxate, Pedro Bode...
Pedro Bode, esse era um famoso criador de caprinos que vivia da venda de leite e de carne de seus famosos bichinhos, criados soltos na beira do rio Norte, comendo o capim gratuito e atrapalhando a pescaria de muita gente.
Pedro, um dos poucos que dissera ter visto um leão vivo, estava o tempo todo cercado pelos meninos que queriam, a todo custo que esse descrevesse o famoso felino.
No embalo dessa efêmera fama, Pedro desandou a mentir; “que o leão tinha mais de cinco metros de comprimento; que comia mais de um boi inteiro por dia, que o rugido do bicho quebrava as vidraças das casas, etc”.
Mas, a bem da verdade, o pobre bichano que o circo trazia, realmente um dia, se é que se pode dizer assim, deve ter sido um leão; mas, na atual conjuntura, velho e quase banguela, magérrimo, a juba caindo e se transformando em um tufo de pelos, não tinha muita cara de assustador não.
Mas, como quem foi rei, não perde a majestade, o felino ainda tinha uma arma secreta: o rugido.
Quando rugia, mesmo ao espreguiçar, sua voz de tenor assustava meio mundo, menos aqueles que conheciam o jeito moleirão e preguiçoso do velho animal.
Não era à toa que, dentre os números que participava, um dos mais famosos era quando o domador, Luis Pudim, colocava a cabeça dentro da boca do animal.
O Leão, obviamente com medo de quebrar um dos seus últimos dentes, ou vitimado pela cárie teimosa que não deixava de incomodar, temendo a dor que experimentava a cada refeição, não fazia nada.
Outras vezes, Luis, meio que embriagado, motivo do apelido “Pudim de Cachaça”, mais audacioso, chegava a pular em cima do rosto do bichano que, sem nenhuma reação, como que se ria da situação.
Ritinha, dona da sua ingenuidade, ao ver o animal quase desmaiou; tendo que ser socorrida por João Polino, se tranqüilizando somente quando o velho João contou que, pior que aquele leão eram as onças pintadas que costumava caçar, nos seus tempos de moleque.
Caçada com garrucha, de preferência.
O show fora um sucesso, todo mundo comentando sobre o espetáculo, inclusive sob a inédita presença do gigantesco leão.
Como imaginação de criança é fértil e guarda as coisas do tamanho que imagina, até hoje, para Ritinha aquele foi o maior leão que apareceu no país; mesmo tendo outros em circos maiores, e até no zoológico.
Aquele velho desdentado era o maior de todos e não se discuta!
Todo circo que faz sucesso, a tendência é prolongar a “curta temporada”; foi o que ocorreu com o “Fabuloso Circo de Lourdes”.
Acontece que, com o passar dos dias, Pedro Bode começou a sentir falta de alguns cabritos de seu pequeno rebanho; logo os cabritos mais parrudinhos, futuras cabras e bodes “ispiciais”.
Resolveu montar tocaia, desconfiado de alguma sucuri ou de alguma jibóia ou, quem sabe, até de uma onça!
Mas, ao descobrir a causa do sumiço de seus animais, Pedro ficou uma fera, uma verdadeira onça ou melhor, um verdadeiro leão!
Na madrugada, um dos empregados do circo, aquele que fazia o palhaço Pirueta, agarrou um dos seus cabritos e estava levando-o em direção ao circo.
Pedro não perdeu tempo. Ao ver o safado entrar no acampamento da Companhia Circense, gritou para o sujeito, acordando a todos.
Ao tomar satisfação com o dono do circo, Pedro, sem pestanejar, sacou de sua garrucha e ameaçou matar todo mundo.
Luis Pudim, bêbado como um gambá nem pensou, ao ver o ameaçador dono do cabrito com a garrucha na mão, mais que depressa, abriu a jaula, onde se encontrava o leão.
Esse, ao ver o mafuá saiu, mansamente e, para susto de todos, parou perto do petrificado Pedro Bode. Mas, surpreendentemente, começou a lamber, carinhosamente as mãos de Pedro, como a agradecê-lo as refeições recebidas na última semana...

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