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Sunday, April 30, 2006

ALVORADA

O cheiro da terra molhada, do mato molhado invade tudo, cheiro gostoso de liberdade; do moleque de pés descalços correndo solto, pulando entre as ruas do vilarejo, atravessando quintais e roubando as frutas deliciosas, inesquecíveis, muito mais gostosas do que as de casa.
Menino levado, menino traquinas, verdadeiro capetinha. No riacho, os peixes na curva do rio, o sonho de voar, de nadar até o mar, distante e inatingível mar.
Os dedos correndo pelos cantos do bolo de fubá, o grito da mãe, a bronca de Maria, bela mulata de seios fartos e convidadativos.
A vida explode em seios e sexo, menino safado olhando por trás da parreira de chuchu, a vizinha desprevenida com as saias curtas e as coxas grossas.
Delícias da infância passada entre os paladares vários das bocas sonhadas e das magias dos doces e frutas.
O tempo traz os pelos e a enxada, pai cansado, trabalho muito; escola longe, terminou a quarta série, é hora de trabalhar...
As missas ao domingo, a volta a pé, distante, meia légua, o gosto da boca da morena; o mato cheiroso, a terra convida, as pernas abertas, casamento à vista.
Nascem as crianças, rebentos arrebentando tudo, a morena enrugada, os dentes perdidos, a esperança também.
Na curva do rio ficou o coração e a esperança, a coragem se tornou, cansada em luta, labuta, mãos calejadas, alma também.
Filho mais velho, igual ao pai, esperto, ativo, moleque; belo menino com os olhos transmitindo o sol por trás do pasto, por trás da lavoura. Menino bonito, destinho cruel.
O tempo tragará o garoto, como tragou o pai, como tragou o avô, o patrão espera na espreita mais dois braços fortes...
Mas as coisas estão mudando, a enxada é trocada pela caneta, as mãos do menino são espertas, aram o caderno com maestria; que pena...
Termina a quarta série ginasial, agora oitava, ensino fundamental, é, na minha época era só o primário, o tempo mudou...
Depois disso, a enxada, a morena, o cheiro do mato molhado, e a história recomeça.
Porém, lá no Alvorada, em Brasíla, um igual a ele assume o poder; votou contra, o patrão mandou, a gente obedece... tanto faz quem quer que ganhe, pro pobre é tudo igual.
Mas não, começaram a clarear algumas coisas, a luz chegou na casa escura, a lua já não é a única companheira dos vaga-lumes e das lamparinas de querosene.
O menino tem novidade; continua a estudar, e traz a notícia:
-Pai, vou fazer o vestibular!
Como ?! Vestibular? Esse menino ficou louco?
Filho doutor?
A lua olha para baixo e se comove, trazendo gotas de orvalho de alegria e esperança.
Os olhos opacos da morena, brilham, a boca lisa, sem dentes sorri; ele repara bem, e vê
A mesma beleza, o mesmo cheiro de mato molhado, o mesmo cheiro de terra...

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