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Friday, September 15, 2006

Cordel - A Minha Sina Capítulo 13 - A Cabeça Satânica

Depois de ter escapado,
De novo dessa mulher,
Pensei preciso de fé,
Senão eu já tô ferrado,
Nesse mundo desgraçado,
Sem tentar escapatória,
Dei a mão à palmatória,
Vazei daquele lugar,
Preciso me concentrar,
Senão nem resta memória...

Procurando me esconder,
Entrei na mata bravia,
A gente, quando se fia,
Não tem nada pra temer...
Nas matas do Zabelê,
Nas minhas Minas Gerais,
Espero poder ter paz,
Aqui a terra eu conheço,
Não pode dar nem tropeço ,
Descansar, eu sou capaz...

A noite estava bonita,
Noite de lua e luar,
Um bacurau a cantar,
Outra coruja que grita,
E quem não é bobo evita,
Escapar donde se encontra,
Não tenho medo por conta,
Mas não quero vacilar,
Deixando só por deixar,
A noite, bobeia, apronta!

Debaixo dum jetibá,
Aqui vou ficar, parado,
Descanso bem sossegado,
Repouso não vai faltar,
É melhor ir repousar,
Não perder um só segundo,
Depois eu vazo no mundo,
Procurando Deus M’acuda,
Por certo terei ajuda,
Vou dormir sono profundo...

Sonhei com tanta beleza,
Satisfiz o meu desejo,
Em anja dei muito beijo,
Espantei minha tristeza,
Nadei contra a correnteza,
Fiz a casa de sapê,
Isso é lugar de viver,
Não tem outra solução,
Pr’essas terras, pr’esse chão,
Só no sonhar dá prazer!

Encontrei com Virgulino,
Em Marina dei abraço,
Vencendo esse meu cansaço,
Eu cruzei todo destino,
Virei de novo menino,
Nas cordas dum violão,
Levantava o poeirão,
Dançando muito forró,
Da vida nem tive dó,
Balançou meu coração...

As danças que lá dançava,
Não parava de dançar,
Dançando bem devagar,
Nessas danças me encontrava,
Dancei do jeito que tava,
Não corria mais perigo,
Acabara-se o castigo,
Nem ligo pra mufuá,
O pau pode vir quebrar,
Eu finjo nem é comigo!

Sonho gostoso de ter,
A noite fazia frio,
O coração mais vadio,
Despencado de bater,
Acostumado a sofrer,
Tava bem sossegado,
Eu também tava cansado,
Precisava repousar,
Mas não dá pra descansar,
Sem ficar preocupado.

Um barulho, então ouvi,
Era o mato se mexendo,
Reparei que tava havendo,
Acordei depressa, eu vi,
Há uns dez metros dali,
Uma coisa me espantou,
Do mato se levantou,
Uma coisa diferente,
Uma cabeça de gente,
Que parece, alguém cortou...

A cabeça se mexia,
A danada até falava,
Dava riso, gargalhava,
Tanto medo ela metia,
Desabei na correria,
Sem pensar em direção,
O terrível cabeção,
Não se fez nem de rogado,
Disparou para o meu lado,
Eu não via solução...

Atrás da tal cabeçona,
Eu vi um descabeçado,
Pensei, já tô ferrado,
Meu pai já to na lona,
Vou correndo pr’outra zona,
Aqui não fico mais não,
Procurei o meu facão,
Correndo sem pena e dó,
Cortei mato, até cipó,
Vazei no capoeirão.

Me lembrei então na pressa,
O que contava vovô,
A cabeça se criou,
Na noite que não confessa,
Eu não escapo mais dessa,
Gosmenta como o quiabo,
Com essa agora me acabo,
A cabeça vem atrás,
Foi feita por Satanás
A cabeça do diabo!

Então reparando bem,
Eu vi no descabeçado,
Aquele jeito safado,
Que me lembrava d’alguém,
O capeta agora vem,
Atrás de mim, não tem jeito,
Meti as caras e o peito,
Num buraco qu’encontrei,
Lá dentro eu me enfiei,
Me dou bem por satisfeito...

Quando entrei nesse buraco,
O danado se fechou,
Quem tava fora ficou,
Escapei, foi por um naco,
Confiando no meu taco,
Fui entrando pela terra,
Um bom cabrito é que berra,
Calado morre, sem pena,
Ao entrar, que bela cena,
Um monte no mei da serra!

Tudo brilhava, dourado,
O sol lá tinha nascido,
Até hoje eu duvido,
Daquele meu novo achado,
E fiquei maravilhado,
Com o que meus olhos viu,
Nem parecia o Brasil,
Uma lagoa dourada,
Muito bela, iluminada,
Por um céu azul, anil...

Quando ouvi então sussurro,
Duas moças que se ria...
Me escondi, sem covardia,
Que eu não sou um cabra burro,
Ponta de faca dei murro,
Não quero mais confusão
Me deitei naquele chão,
Reparei que ele brilhava,
Toda a terra clareava,
Um bonito amarelão...

As duas moças branquelas,
Com o cabelo bem liso,
Vou me calar pois preciso,
Escapar pra longe delas,
As roupas bem amarelas,
Os cabelos alourados,
Até chinelos dourados,
Uma riqueza de brilho,
Parecendo até o milho,
Os cabelos cacheados..

Pensei bem onde é que estava,
Depois é que recordei,
Tanta coisa que não sei,
Mas aquela eu me lembrava,
Tanto brilho que brilhava,
Até num lago dourado,
Já tava tudo explicado,
Esse lugar diferente,
Adivinha minha gente:
Encontrei o Eldorado!

Nada mais belo no mundo,
Precisei me beliscar,
Não dá nem pra acreditar,
Que nesse buraco profundo,
Aqui nesse fim de mundo,
Lugar de muita beleza,
Lugar de muita riqueza,
Guardado nesse buraco,
Já tava ficando fraco,
Esperei na correnteza...

Quando vi, bem de repente,
Um bicho bem engomado,
Num caminho rastejado,
Apareceu bem contente,
A danada da serpente,
Começou a me falar,
Então eu fui reparar,
O negócio complicou,
Um bicho que me falou,
Já dá pra desconfiar...

De repente a gargalhada,
Conhecida já faz tempo,
Me criou um contra tempo,
Eu não pensei mais em nada,
A risada da safada,
Da mulher de Satanás,
Corri, deixando pra trás,
Tanto ouro que nunca vi,
Nem da terra despedi,
Mais que o ouro vale a paz!

Voltei de novo, correndo,
No buraco do tatu,
Tô cagado d’urubu,
Viver assim, me escondendo,
Tantas terras percorrendo,
Até descansar da sina,
Pela luz que me ilumina,
Já tô ficando cansado,
Pelo capeta marcado,
Outras tantas me destina!

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