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Thursday, August 31, 2006

Cordel - A minha sina - capítulo 7- Nas Cirandas do Tororó

E depois da confusão,
E de ter quase morrido,
De ter saído fugido,
Com o coração na mão,
Desse bosque Solidão,
Fui correndo sem olhar,
Não podia nem parar,
E nem prestar mais socorro,
Desce morro, sobe morro,
Nem deu tempo pra pensar...

Fui procurando fugir,
Sem pensar nem um segundo,
Procurando um outro mundo,
Sem medo de prosseguir,
Vou seguindo por aí.
Reparei, dei atenção,
Inda tinha o coração
Da maldita junto a mim,
Pensei bem depressa sim
Me livrei da maldição...

Coração já descartado,
Como sempre vou tão só,
Sem querer tristeza e dó,
Eu vazei no capinado,
Sem olhar pra cima ou lado,
Fui seguindo meu rumo,
Aprumei, enfim o prumo,
Deixei léguas de distância,
Andando com mais constância,
Dessa vida quero o sumo...

Sumo da minha saudade,
Fé na vida e no futuro,
Não temo morte nem muro,
A vida na qualidade.
Amor bom de quantidade,
Que não dá pra nem ter pena,
Na certeza tudo acena,
Pelos campos e sertão,
Procurando esse estradão
Sem ter viagem amena..

Nos trombolhos dessa serra,
Capotado mais de fome,
Não tem tempo que se some,
Nem quem acerta mais erra,
Estradeira, tanta terra,
A vida não deixa só,
Posso até comer timbó,
Mas a sede é mais ingrata,
Se bobeia, vem e mata,
Procurei por Tororó...

Na sede que me encontrava,
Qualquer coisa me servia,
De cacimba ou de bacia,
A sede que me matava,
Nunca mais que se parava,
Pelo Tororó eu sei,
Naquela terra sem rei,
Muita fonte bem servida,
Salvaria a minha vida,
Mas nessa sina eu errei...

Pensando n’água gostosa,
Minha boca até tremia,
Minha vida, nesse dia,
Era coisa perigosa,
Nem dei dedo de prosa,
Fui em busca de beber,
Dando fim ao padecer,
Mas não encontrei a fonte,
Sequinha até nessa ponte,
Agora é que vou morrer!

Mas, parece não queria,
Que essa vez fosse a minha,
Uma bela moreninha,
Com um jeito de vadia,
Beata de sacristia,
Foi a minha salvação,
A sede matei então,
Nesses lábios tão molhados,
Reparei, olhei pros lados,
E segui minha missão...

No Tororó, eu deixei,
Essa gostosa morena,
Fiquei mais morto de pena,
Pelos matos, eu entrei,
Não tenho caminho eu sei,
Preciso seguir viagem,
Não posso fazer bobagem,
Senão estou mais ferrado,
Não sou cabra abobalhado,
Nem posso ver sacanagem...

O sono vinha chegando,
Um sono desavisado,
Me pegou despreparado,
Meu caminho vou andando,
Nem sequer vou reparando,
Nem nas curvas dessa estrada,
Não quero saber de nada,
Não me importa mais a hora,
Pois, se não dormir agora ,
Dormirei de madrugada...

Avistei nesse caminho,
Na ciranda, requebrando,
Esse pessoal dançando,
Coisa de muito carinho,
Mas, pensei, sou eu sozinho...
Não pude nem reparar,
Quando ali, eu vi chegar,
Com a boca tão bonita,
A minha querida Rita,
Que ficou lá no luar...

Essa bonita Ritinha,
Era moça bem prendada,
Numa noite desgraçada,
A lua por ser sozinha,
Roubou o brilho que tinha,
Os olhos dessa menina,
Deixando mais triste a sina,
De um cabra mais infeliz,
É por isso que se diz,
Que a lua é mais cristalina...

Mas nesse momento santo,
Minha vida teve um manto,
A beleza dessa Rita,
Coração vem e palpita,
Calando todo meu pranto,
No mundo do cirandar,
Procurando sem parar,
Sem temer estar sozinha,
A minha amada Ritinha,
Me escolheu como seu par...

Dançando sem paradeiro,
Minha vida ficou bela,
Não queria nem ter vela,
Nem queimar meu pardieiro,
Bastava do mundo inteiro,
Era ali que eu encontrava,
A vida que eu procurava,
Sem ter medo de viver,
Ali posso até morrer,
A morte não me cansava...

Mas, momento distraído,
Olhando pr’essa beleza,
Reparei pr’a ter certeza,
Pensando no já sofrido,
Nesse mundo dividido,
Entre meu Deus e o diabo,
Reparei que tinha rabo,
Naquela moça bonita,
Olhando os olhos da Rita,
Agora é que eu me acabo...

Os olhos avermelhados,
Me mostraram meu engano,
Duas orelhas d’abano,
Bigodes mal aparados,
E dois chifres disfarçados...
Na roda dessa ciranda,
Dei pinote fui de banda,
Correndo sem ter sossego,
Larguei a mão do pelego,
Senão o troço desanda.

Minha sorte foi tamanha,
Que peguei bem de surpresa,
Já contava com a presa,
Mas nem bem perde, nem ganha,
Nem de leve mais arranha,
A garra dess’ animal,
Quarei roupa no varal,
E sumi sem dar recado,
Das vistas do disgramado,
Montei cavalo de pau...

O capeta então sentiu,
Outra vez eu escapava,
Mas sossego não me dava,
A cor então me fugiu,
Meu cavalo, foi, saiu,
Voando pelo sertão,
Como fosse assombração,
Vazando pelo cerrado,
Eu nem olhei para o lado,
Varejei nesse estradão...

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