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Friday, September 1, 2006

Cordel - A minha sina - capítulo 8 - Na terra do cirandar...

Depois de ter conseguido,
Sair do tal Tororó,
Vazado, comendo pó,
De me sentir perseguido,
Tanto tempo lá perdido,
Nessa ciranda de roda,
Minha vida tendo poda,
Por causa desse diabo,
Tá tentando me dar cabo,
Não vou cantar essa moda!

E quase que ele me pega,
Usando da fantasia,
Que meu peito já queria,
Mas a verdade me nega,
Amor é coisa que cega...
Tenho que ter mais calma,
Pois senão perco minha’alma,
A coisa pode estourar,
Não quero mais complicar,
Nem enfiar minha palma...

Nesse mundo da ciranda,
Pensei sair bem depressa,
Mas a vida me confessa,
Que pra frente é que se anda
Senão a coisa desanda,
Não vai sobrar nem poeira,
Dançarei a vida inteira,
Sem ter como nem dizer,
Eu não quero assim morrer,
No meio dessa besteira...

Bem perto do Tororó,
Tem as terras do De Conta,
Onde tem gente que apronta,
Faz e nem sente mais dó,
Comendo um saco de pó,
A gente passa por lá,
Tem tanta gente que dá,
Vontade de ficar triste,
O meu peito não resiste,
Dessa gente muito má...

Um grito desafinado,
Bem agudo por sinal,
Foi todo meu grande mal,
Eu ouvir o tal miado,
Um bicho pobre felino,
Tava nesse desatino,
Amassado qual paçoca,
Corria de toca em toca,
E pedra em cima, zunino...

Foi pedra e foi paulada,
O bichano quase urrava,
De tanto que apanhava,
Mas não pensei mais em nada,
Também dei u’a cacetada,
Acertei bem de primeira,
Foi uma bruta sangreira,
O gato tá esfolado,
Dessa vez tá bem matado,
Mas vazou na capineira...

Dona Chica s’admirou
Do berro que o gato deu,
O danado não morreu,
E bem depressa escapou.
Pras terras pr’onde vou,
Vou guardar acontecido,
Dele não ter se morrido
Não vou mais m’esquecer,
Quase vi gato morrer,
Mas agora tá fugido...

Saí depressa dali,
Fui em busca d’outro canto,
Mas, logo ouvi novo pranto,
Escorrendo qual xixi,
Nessa mata me perdi,
Procurando quem chorava,
Uma bela moça estava,
Triste que dava pena,
Sua mão de longe acena,
Perguntei que se passava.

A moça então já me disse,
Que um moço cirandeiro,
Acendeu o candeeiro,
Depois fez muita bobice,
Que bem antes que s’ouvisse,
Deixou ela tão sozinha,
A moça era bonitinha,
Minha vontade coçou,
Logo se recuperou,
Pensei logo na Ritinha...

Ela falou da ciranda,
Da meia volta prá dar,
Onde fora cirandar,
Mas caiu meio de banda,
No mundo fez a quitanda,
Mas a vida foi mesquinha.
“O amor que ele me tinha,
Era pouco e se acabou”;
Me mostrou ali no lado,
Um anel todo quebrado,
Foi tudo que lhe restou...

Deixei a moça tristonha,
Não pude falar mais nada,
Passei para outra estrada,
Numa curva mais medonha,
Dessas que nem gente sonha;
Pesadelo sei de cor,
Uma dor foi bem maior,
Quando tive o desprazer,
De perto conhecer,
Uma sina bem pior...

Um moleque bem safado,
Filho do Seu Francisco,
Um pivete bem arisco,
Ria-se tanto o danado,
Um jeito desengonçado.
Quis saber logo o porquê,
Só pedi pra me dizer,
Ele me contou sorrindo,
Foi contando achando lindo
O que passo pra você:

“Pai Francisco entrou na roda,
Tocando seu violão”.
Não fazia nada não,
Mas tem gente que vem, poda,
Nem pode cantar mais moda,
Delegado não quis não,
“Pai Francisco foi pra prisão”.
“E como ele vem faceiro”,
Contava pro mundo inteiro,
O seu filho, sem perdão...

O pobre tão machucado,
Depois de tanto apanhar,
Não podia nem cantar;
“Vem todo requebrado,
Boneco desengonçado”.
Eta filho desumano,
O velho entrou pelo cano,
Tomou tanta da porrada,
Inda agüentar a gozada,
De beltrano e de sicrano!

Deixei depressa esse mato,
Fui buscando outra paragem,
Mas a tal da sacanagem,
Não respeita nem regato,
Como digo, assim, de fato.
Percebi, numa sacada,
A rosa despedaçada,
Que, por causa dum entravo,
Brigou com um velho cravo,
E saíram na pancada...

E logo ali, adiante,
Vinha moça bem tristonha,
Roupa amarrada na fronha,
Que por tristezas que cante,
Me mostrava estar diante,
Dum caso que me entristece,
A moça bonita padece,
Duma pobreza sem dó,
A vida fazendo nó,
A dor no meu peito cresce...

Me dizia não ter cobre,
Tanta coisa assim perdi
De marré, marré, dici;
Eu sou pobre, pobre, pobre...
Eu tentei um gesto nobre,
Mas reparei meu bornal,
Não dava nem pro mingau,
As migalhas que trazia,
Meu bem, fica proutro dia,
Quem sabe lá pro Natal?

Andando mais um pouquinho,
Passando naquele rio,
De noite um tremendo frio,
Reparei, bem de mansinho,
Um sapo dando pulinho...
Mas não era um pulo só,
Tanto pulo dava dó,
Tava todo jururu,
Era um sapo cururu,
Cum frio no fiofó!

No meio do sururu,
Uma coisa também vi,
Me deu vontade e eu ri,
Um tremendo brucutu,
Falando assim pro bitu:
“Vem aqui, bitu, vem cá”,
“Não vou lá, eu não vou lá”,
Respondia o bicho arisco,
“Você me quer de petisco,
Não quero mais apanhar”.

Saindo desse buraco,
Passei por rapaz chorão,
Chorava de borbotão,
Eu fui logo dar pitaco,
Me respondeu num só taco:
“Deus, o que será de mim,
Como vou viver assim.
O meu boi, tadim, morreu”...
Mas antes ele que eu:
“Vai buscar no Piauí!”

Depois de tanta mazela,
Encontrei uma saída,
Dei um tchau na despedida,
‘Tô ficando matusquela,
Escapei dessa esparrela,
Mas pra nunca me esquecer,
Do meu grande bem querer
Pra não perder a centelha,
Peguei a rosa vermelha,
Hei de amar até morrer!

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