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Wednesday, August 30, 2006

Cordel - A minha sina - capítulo 6 - O Bosque Solidão

Passando essa confusão,
Vendo que tava lascado,
Um caminho disgramado;
Minha triste maldição,
O danado capetão,
Num ia deixar barato,
Nem correndo para o mato,
Nem correndo pra diabo,
Minha vida vai ter cabo,
Na beira desse regato...

Fugindo e correndo tanto,
Não queria nem assunto,
Prá terra dos tal pé junto,
Eu num quero virar santo,
Nem quero encontrar encanto,
Mas num tem como escapar,
Se o troço se complicar,
Como vou fazer nem sei,
Nessa confusão, entrei,
Vamos ver no que vai dar...

A terra tem muita liça,
Tem fome de dar com pau,
Cantando o pinica pau,
A coisa toda se enguiça.
Muita gente tem postiça,
A dentada de morder,
Eu juro que quero crer,
Em meu padinho de fé,
Vou correndo vou a pé,
Só num quero, então, morrer...

Nos braços de Jericó,
Vou montado num jerico,
Não tenho outro pro bico,
Minha vida é lida só,
Amargando qual jiló,
Não tem muito jeito não,
Procurando solução,
Fui procurar descanso,
Nas bandas doutro remanso,
Mas descanso é ilusão...

Chegando na mata agreste,
Correndo da assombração,
Desse tal de capetão,
Encontrei cabra da peste,
Que nem centavo que reste,
Valia para pagar,
Mas quem houvera encontrar,
Numa hora delicada,
Qualquer que seja essa enxada,
O que quero é capinar...

Companheiro Virgulino,
Casado lá com Marina,
Deixando da minha sina,
Me disse do desatino;
Te vira com teu destino,
Nessa nem posso falar,
Quem mandou se complicar,
Eu te dei o ajuntório,
Mas agora, no cartório,
Marina quer se casar...

A bichinha tá buchuda,
Num posso deixar de lado,
Você que é muito tarado,
Vai ter que buscar ajuda,
Na terra do Deus m’acuda,
Que fica por outra banda,
Nos reisados de Luanda,
Onde a curva faz o vento,
Nos grotões do esquecimento,
Onde Judas tem quitanda...

Eu montei no jumentinho,
Das asas fiz seu arreio,
Me empaturrei de centeio,
No meio desse caminho,
É só seguir direitinho
Que no final dá em nada,
A vida traz enxurrada,
É só se deixar levar,
Aprendendo a navegar,
Em barro e terra molhada...

Fiz caminho de três luas,
De galope e de pinote,
Encontrei um molecote,
Que me disse então das suas,
Seguindo por essas ruas,
Ladrilhadas de brilhantes,
Com pegadas de gigantes,
Para o meu amor passar,
No bosque vai encontrar,
Um anjo de diamantes...

Seguindo pela alameda,
Passando pelo matão,
Um anjo de coração,
Queimando na labareda,
Me mandou pela vereda,
Ponteada de luar,
Chegando a comemorar,
Cada alma que passava,
Pertinho, eu acho, que tava
Daquele bendito lugar...

Era a minha salvação,
Encontrar Deus me acuda,
Pra sair dessa rabuda,
Não tem outro jeito não,
É deixar meu coração,
Seguindo nessa procura,
Vasculhando noite escura,
Procurando pela sorte,
Prá fugir da minha morte,
Criando essa criatura...

Depois do tal Solidão,
Como se chama esse bosque,
Para que nunca se enrosque,
Travando o coração,
Anjo é famoso ladrão,
Tive que cair n’estrada,
A noite enluarada,
Ajudava no caminho,
Tenho que ir bem sozinho,
Senão não vai dar em nada...

Nem cheguei a dar dois passos,
Uma coisa me parou,
Meu coração caducou,
Não quis sair dos compassos,
Naquele anjo os abraços,
O coração quis trocar,
Não queria me deixar,
Seguir a minha viagem,
Pensei logo na bobagem,
Eu não podia esperar...

Deitado naquela rua,
Nas pedrinhas tão cheirosas,
Pareciam ser de rosas,
Uma linda mulher nua,
Me dizendo: sou sua,
Não podia resistir,
Como é que iria partir,
A vida estava marcada,
Pois, naquela madrugada,
Eu não podia sair...

Meu compadre Virgulino,
Já tinha me alertado,
Preu tomar muito cuidado,
Com tal bosque cristalino,
Esse anjo, de desatino,
Tinha feito muito estrago,
Coração deixava vago
Nem deixava respirar,
Matando bem devagar,
Sangrava fazendo afago...

Eu caí da montaria,
Abracei essa mulher,
Seja o que Deus quiser,
Pelo menos por um dia,
Vou deixar a fantasia,
Dos meus sonhos me levar,
E depois vou viajar,
Sem nunca mais ter paragem,
É preciso ter coragem,
Vou, então, me encorajar...

Um perfume diferente,
Chegou de leve, na boca,
Não posso dormir de toca,
Mas não há quem mais agüente,
Envolvendo toda gente,
Nesse tamanho desejo,
Naquela boca dar beijo,
É sentir que está no céu,
E depois tirar o véu,
Nessa peleja eu pelejo...

Mas nem beijava direito,
E depressa já sentia,
Uma ventania fria,
Uma dor dentro do peito,
Reparando bem direito,
O que parecia um anjo,
Como da viola o banjo,
Ficou coisa diferente,
Meu peito deu na corrente,
Como então, que eu me arranjo?

Uma risada safada,
Bem conhecida por mim,
Com aquela voz chinfrim,
Uma voz bem debochada,
Soltou uma gargalhada;
Foi, então que eu reparei,
Desde a hora que cheguei,
O bosque da Solidão,
Só queria o coração,
Depressa então, eu saquei,

No bornal que tava ali,
O meu punhal de dois gumes,
Acostumado em costumes
De sangrar ali e aqui,
Nesse mesmo instante vi,
O peito da desgraçada,
Aberto, na buracada,
Que aprendi a fazer,
E lá dentro eu vi bater,
O coração da danada!

Meti a mão num segundo,
Arranquei numa mãozada,
Do peito dessa safada,
E vazei correndo o mundo,
Deixei esse bosque imundo,
Sem ter pena nem ter dó,
Eu fui correndo mais só,
Do que nunca tinha feito,
Coração ranquei do peito,
Nessa estrada como pó...

Aquela risada esquisita
Depois me lembrei direito,
A danada tinha o jeito,
Da risada da maldita
Daquela vaca e cabrita
Da mulher do capetão,
Foi nesse momento então,
Que vazei no capinado,
Nunca mais voltar pros lado,
Do tal Bosque Solidão...

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