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Monday, September 4, 2006

Gilberto - Incêndios e demônios

Todo menino é um rei, rei das suas ilusões, de seus fantasmas e de suas reinações.
Gilberto não era exceção, moleque correndo solto pelas ruas estreitas de terra batida da Santa Martha de João Polino...
Um dos brinquedos favoritos das crianças da zona rural é a confecção de caveira de abóbora. Quem nunca morou em cidade pequena, provavelmente não conhece a alegria que dá em assustar as pessoas, principalmente com as ditas caveiras, numa alegoria parecida com a dos dias das bruxas, um dia das bruxas acaboclado.
Pega-se uma abóbora, retire todo o seu miolo, corte a casca de forma que pareça um rosto e coloque uma vela dentro e é só esperar o resultado.
Estávamos em pleno mês de agosto, mês de cachorro doido.
A seca se arrastando há longos dois meses e o mato seco, totalmente esturricado. Nem sombra de nuvens no céu, uma verdadeira seca.
Pois foi nesse cenário que Gilberto resolveu fazer a sua caveira de abóbora, escondido de dona Rita, obviamente...
Um adendo, não se soltam tantos balões no interior quanto nas grandes cidades, eu mesmo fui ter maiores contatos com os balões riscando os céus no Rio de Janeiro, apesar de ser mineiro do interior. As queimadas são assustadoras e os balões, justamente por esse motivo, são evitados.
Mas, voltando ao nosso causo, encontramos com a meninada de Santa Martha capitaneada por Gilberto, em pleno alvoroço com os preparativos das estripulias daquele dia.
Catar uma vela de dona Rita foi fácil, já que a mesma, como toda boa devota, tinha sempre uma vela de estoque, além do fato da energia elétrica, recém chegada a Santa Martha não era muito confiável.
Pois bem, noite alta, e a caveira pronta.
Pronta e assustadora. Realmente os meninos tinham caprichado na confecção do artefato.
Entre os moradores de Santa Martha, tínhamos alguns que já nem ligavam mais para essas brincadeiras mas, dona Ziquinha estava com visitas em casa, uma prima do Rio tinha chegado há alguns dias e trouxera a tira colo, uma amiga carioca, desacostumada, pois, com as traquinagens interioranas.
A tal amiga era uma senhora assustadiça e neurótica, estava até fazendo tratamento com um psiquiatra e fora aconselhada por este a passar uns dias num local tranqüilo.
Esse era o principal motivo que a levara a Santa Martha, onde o cheiro do mato, o gosto da broa de milho, o café de guarapa, a paçoca, a galinha ao molho pardo, os ovos caipiras e a comidinha feita no fogão a lenha eram reconfortantes.
Acontece que, apesar do silêncio interrompido somente pelos grilos, corujas e sapos, a nossa visitante não estava tendo os resultados desejados.
Passando alguns dias, dona Ziquinha aconselhou a sua amiga a dar umas voltas, quem sabe o ar da noite poderia ter algum efeito sobre a melancolia que atingia Maria das Graças.
Estava Gracinha caminhando serena e calma pelas ruas quando, de repente avistou a imagem fantasmagórica de uma cabeça sem corpo brilhando e rindo para ela.
Assustada, pegou uma pedra e atirou contra a escultura dos meninos.
A caveira caiu ao chão imediatamente, levando a vela acesa com ela.
Vela acesa em mato seco, imaginem o mafuá.
Corre corre para cá, o fogo alto invadindo os quintais das casas, dona Rita e João Polino com baldes de água na mão.
Ritinha chorando e rezando, Oracina, por outro lado orando e “amarrando” o demônio do incêndio, um alvoroço absoluto!
Enquanto isso, Gilberto, meio sem graça, se escondeu num beco onde encontrou a desesperada Gracinha.
A partir daquele dia, Beto arranjou uma defensora sem igual, pois nada tirava da cabeça da pobre senhora que o culpado dessa confusão era o próprio demônio que, disfarçado de caveira, ao ser atingido pela pedrada disparada por ela, se vingou ateando fogo no matagal.
O psiquiatra da pobre mulher se arrepende até hoje da péssima idéia de mandar a paciente ir para o interior a procura de paz e descanso...

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